O procurador-geral Rodrigo Janot durante  a sabatina (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA )
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Rodrigo Janot: Meu algoz favorito

Rodrigo Janot: Meu algoz favorito

Condutor da Operação Lava Jato ganha – até de seus investigados – mais dois anos para combater a corrupção na política

ALANA RIZZO
28/08/2015 - 21h44 - Atualizado 28/08/2015 21h44

"Omertà!" A palavra que expressa a “lei do silêncio” coalhava o noticiário quando Rodrigo Janot, então um jovem procurador, desembarcou em Pisa, na região italiana da Toscana, para um curso de especialização. Era 1987 e o Ministério Público italiano rompera a blindagem de silêncio que protegia a Máfia a partir da colaboração dos criminosos chamados “arrependidos”. Ao fim do processo, a Operação Mãos Limpas, mais de 300 mafiosos foram levados à cadeia. Em 2015, “as delações premiadas” e a ação contra o crime organizado são uma obsessão para o procurador-geral Rodrigo Janot, que quer importar o modelo da Divisão Antimáfia italiana para o Brasil, com foco no crime do colarinho-branco. A Procuradoria Nacional Anticorrupção, que deve sair do papel nos próximos dois anos, vai concentrar as grandes investigações criminais no país.

“Estamos formulando essa proposta de modo que possamos atuar de maneira nacional nos casos de organizações criminosas que se espraiam por mais de um Estado da Federação”, disse Janot na quarta-feira (26), durante a longa sabatina no Senado que garantiu sua recondução ao cargo de chefe do Ministério Público por mais dois anos. Seu segundo mandato será inevitavelmente marcado pelos próximos passos da Operação Lava Jato – o mais próximo que o Brasil chegou de uma “mãos limpas” e sobre a qual ainda paira uma interrogação  sobre o alcance –, do fortalecimento do poder de fogo do Ministério Público e das investigações de políticos com foro privilegiado.
 

O senador Fernando  Collor (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA )

Janot enfrentou dez horas de sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, frente a frente com alguns dos senadores que investiga na Lava Jato. Frustrou as expectativas de quem esperava um embate com o senador Fernando Collor (PTB-AL). Collor o hostilizava havia meses, desde que foi acusado de receber propinas de negócios na BR Distribuidora. Fez discursos nos quais só se referia ao procurador como “Janó” e chegou a xingá-lo da tribuna. Collor prometia questionamentos capazes de colocar em xeque a possibilidade de o procurador continuar no cargo. Teatral, chegou cedo ao plenário, sentou na primeira fileira, em frente a Janot, e fez cara de mau. Mais uma vez, no entanto, ficou nas bravatas de palco. As perguntas embaraçosas foram fracas e Janot, bem preparado e assessorado, respondeu com tranquilidade. Chegou inclusive a se irritar quando foi interrompido por Collor durante uma resposta sobre sua atuação como advogado: “Posso esclarecer?”. Foram 26 votos favoráveis à recondução e apenas um contrário – sem nenhuma dúvida sobre a identidade do votante. “Que derrota fragorosa do Collor! Ele ficou sozinho!”, disse um colega. A recondução saiu da Comissão direto para o plenário e, poucas horas depois, estava sacramentada. “O nível de adrenalina é muito alto e a gente nem vê o tempo passar”, disse Janot ao final. O procurador chegou cedo ao Senado acompanhado de procuradores, assessores e da esposa. Ficou quase meia hora em uma sala, onde não lhe foi servido café ou água. Sua mulher deixou a comissão antes do embate com Collor.

A preparação para a sabatina começou logo que a presidente Dilma Rousseff, num sábado de manhã, comunicou pessoalmente sua recondução. Uma equipe de procuradores foi destacada para preparar possíveis perguntas e respostas e levantar dados sobre todos e quaisquer questionamentos que poderiam surgir, dos mais técnicos aos mais políticos. Dedicaram-se a passar os últimos dois anos e os escândalos mais recentes, como o SwissLeaks, a limpo. “Como ele acompanha tudo de perto, especialmente casos sensíveis como a Lava Jato, estava muito preparado”, afirma um colega de Janot.

Não era surpresa que a presidente respeitaria a eleição do Ministério Público e indicaria o mais votado da lista tríplice. Dilma, no entanto, considerava importante manifestar sua confiança em Janot e nas investigações da Lava Jato. Em meio à crise política que assola o país, o procurador-geral tornou-se um ativo importante para a presidente e sua recondução sem traumas fazia parte da “agenda positiva” que o governo tenta emplacar com a ajuda do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). O senador, também investigado, operava para impedir a manutenção de Janot no cargo. Contudo, passou a defender a recondução rápida – e, ao menos até uma decisão de Janot sobre denunciá-lo ou arquivar o caso, os desentendimentos estão congelados. Segundo investigadores da Lava Jato, há elementos consideráveis, mas ainda insuficientes, para a denúncia.

As circunstâncias levaram Janot a conseguir a proeza de contar com a ajuda de investigados como Renan e até de Dilma. Provocado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, Janot terá de investigar as contas da campanha de 2014 de Dilma, suspeitas de estarem envenenadas por contribuições vindas de recursos desviados da Petrobras – graças a mais um ramal descoberto pela Operação Lava Jato. “Vou examinar e dar o encaminhamento necessário à representação”, disse Janot na sabatina. “O procedimento será o normal de uma investigação.” Janot costuma dizer que não privilegia partidos, e sim pessoas – e o ato de corrupção que possam ter cometido. “A mão que assina a denúncia é a mesma que assina o arquivamento”, diz.
 

Janot criou um rito para avisar antes autoridades que serão denunciadas e evitar constrangimentos

A Lava Jato mantém 22 deputados e 13 senadores à espera dessa mão. Com tamanha clientela no Congresso, Janot estabeleceu um rito especial, pelo qual a autoridade investigada é avisada de que será alvo de inquérito antes que a notícia chegue à imprensa, para poupar constrangimentos. A Lava Jato pode dificultar, mas desde que assumiu o cargo, Janot tenta fortalecer as relações entre o Ministério Público e o Legislativo. Abriu seu gabinete para audiências com parlamentares e criou uma secretaria só para tratar do tema. Até julho de 2014, o procurador-geral recebeu 110 autoridades – foram 51 deputados federais, 22 senadores e dois ministros do Tribunal de Contas da União. Neste ano já foram 90. Integrantes do Ministério Público fazem cinco visitas por mês ao Congresso. A proximidade, no entanto, não tem rendido benevolência com investigados. Há poucos dias, a defesa do senador Fernando Collor foi à Procuradoria-Geral da República pedir a liberação do Lamborghini apreendido na Operação Politeia. Collor alega que o veículo  – avaliado em R$ 3,3 milhões – precisa de cuidados especiais. Pedido negado.

Há algum tempo Janot havia traçado estratégias para o Ministério Público, ao qual pertence desde 1984 e conhece como poucos. Em 2002, recusou convite de Aécio Neves para ser secretário de Segurança Pública do governo de Minas Gerais, com a justificativa de que ainda seria procurador-geral da República. Na sabatina, o tucano era um dos mais entusiasmados. “Posso iniciar, dizendo que o conheço nas suas origens. E não apenas eu, o nosso Estado, Minas Gerais, conhece a formação, o caráter e a sua idoneidade.” Os dois trocaram gracejos: “Pau que dá em Chico dá em Francisco, como se diz na nossa terra, não é senador Aécio Neves?”, disse Janot, ao ser questionado sobre os alvos da Lava Jato. Chico e Francisco ainda vão apanhar muito. 








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