Edição do dia 23/02/2014

23/02/2014 23h11 - Atualizado em 23/02/2014 23h11

Envolvido no atentado no Riocentro diz que intenção dos militares era matar astros da música brasileira

Novas provas levaram o MPF a denunciar 6 pessoas por envolvimento no atentado. Viúva do sargento morto declara que sofreu ameaças dos militares.

 A semana foi de revelações sobre um dos episódios mais dramáticos da nossa história: o atentado a bomba no Riocentro, em 1981, época do regime militar.  O alvo era um show em homenagem ao Dia do Trabalho, onde se apresentavam artistas como Chico Buarque, Elba Ramalho, Gonzaguinha e Fágner.

O Fantástico conseguiu com exclusividade o depoimento em vídeo de um personagem central desse caso, e que nunca deu entrevista sobre o atentado: o hoje coronel reformado Wilson Machado.

O coronel Wilson estava no carro onde a bomba explodiu matando um sargento. E agora, pela primeira vez, é confrontado diante de uma câmera de vídeo.

“Não adianta que não vão me incriminar. Não vão porque eu não estou metido nisso”, disse o coronel reformado Wilson Machado.

Essa palavras são do depoimento que o coronel reformado Wilson Machado deu ao Ministério Público Federal em dezembro de 2013 e janeiro deste ano.

“Eu nunca carreguei nenhum explosivo, não sei mexer com nenhum explosivo, nunca mexi na minha vida”, afirmou Wilson Machado.

As gravações foram obtidas pelo Fantástico com autorização da Justiça. São parte da mais completa investigação sobre o caso, iniciada dois anos atrás.

Os novos depoimentos e as provas encontradas agora ajudaram o Ministério Público Federal a descobrir os detalhes do que aconteceu no Riocentro, na noite do dia 30 de abril de 1981. São relatos de pessoas que testemunharam ou que participaram do atentado e que começam a esclarecer uma trama envolvendo grupos secretos e os planos que eles executavam na tentativa de impedir o fim da ditadura militar.

“Não estou encobrindo ninguém, e ninguém vai dizer que deu essa ordem para mim”, disse Wilson Machado.

Wilson Machado nunca deu entrevistas sobre a explosão ocorrida dentro do carro dele, que acabou matando o sargento Guilherme do Rosário, no banco do carona. Wilson teve ferimentos pelo corpo.

Agora você vai conhecer os detalhes da versão dele e as revelações dos principais personagens, testemunhas e vítimas do caso.

Em 1981, o então capitão do Exército Wilson Machado era chefe de uma seção do DOI, o Destacamento de Operações de Informações, órgão de inteligência e repressão da ditadura militar.

Segundo ele, a missão que recebeu do comando do DOI era simples:

Wilson Machado: O que que ia fazer no Riocentro? O que que ia fazer no Riocentro? Que que ia fazer lá? Ia identificar as pessoas que participavam. Quem estava lá, quem falou com quem, quem... Quem levantou e falou coisa.
MP: Se algum artista falou alguma coisa subversiva.
Wilson Machado: Isso aí. Não só os artistas, mas os participantes.

A noite seria de festa, a terceira edição do show que comemorava o Dia do Trabalho, no Rio.

Desde o primeiro inquérito, ainda em 1981, Wilson sempre sustentou que ele e o sargento saíram do carro por alguns instantes depois de terem chegado ao Riocentro.

Wilson Machado: Falei para ele: ‘Ó, vou parar aqui porque eu quero fazer xixi’. Depois nós iríamos pra frente, estacionar normalmente.

Na versão de Wilson, o sargento - conhecido no Exército como Wagner - aproveitou então para procurar amigos com quem teria ficado de se encontrar.

Ministério Público Federal: E aí, o senhor acha que nesse meio tempo alguém poderia ter posto uma bomba dentro do carro.
Wilson Machado: Não vou falar isso, porque eu não sei.
Ministério Público Federal: O senhor voltou para o carro, entrou no carro, o Wagner voltou, entrou no carro.  Aí explode uma bomba
Wilson Machado: Não. Pra mim não estourou bomba não, amigo. Se você ver aí na declaração, não sei se tá aí, quando eu fui interrogado, eu achava que tinha estourado o motor do carro.

Nova testemunha

Em 2011, o jornal “O Globo” localizou Mauro César Pimentel. Era dele o carro que aparece em uma imagem feita logo depois do atentado. Passaram-se 30 anos até ele ter coragem para falar.

Ministério Público Federal: Por que ficou calado?
Mauro: Fiquei com medo.

Mauro contou ao Ministério Público que, antes da explosão, olhou mais de uma vez pra dentro do carro do capitão Wilson.

Procurador: E disse que viu o Wagner, Rosário, mexendo com um negócio na mão.
Wilson Machado: Duvido. Duvido.

“Eu olhei bem para dentro do carro e na traseira do carro, no vidro traseiro, que é baixa a traseira, eu vi dois cilindros idênticos ao que ele estava manipulando”, afirma Mauro César Pimentel.

Mauro afirma ainda que também viu a explosão, e foi buscar ajuda. “Eu corri, corri e não achei ninguém. Quando eu voltei ele não estava mais lá, já não estava ele e não estavam os dois cilindros na traseira do carro. Só ficou o sargento, que já estava morto”, conta.

Em todos os depoimentos que deu até hoje, Wilson Machado diz que não se lembra de quem o socorreu. E afirma que o explosivo não estava no colo do sargento. Para defender a tese, ele mostra as cicatrizes.

Wilson Machado: A bomba saiu daqui de trás do carona? Lá pra lá. Fez isso. E a mesma projetil pegou aqui.
Ministério Público Federal: Estilhaço.
Wilson Machado: É. Não sei. Aqui, ó.

Na época, a investigação concluiu que a bomba estava imprensada entre o banco e a porta do carona.

“O inquérito conduzido logo depois do atentado em 1981, a gente não tem dúvidas de que foi direcionado para que as conclusões não chegassem a descobrir nenhum dos autores do atentado. Peritos foram pressionados, testemunhas foram ameaçadas, provas foram suprimidas do local do crime. Então, a gente não tem dúvida de que a primeira investigação no Riocentro foi direcionada para que o caso fosse acobertado, que não se descobrisse a verdade”, afirma Antônio Passos, procurador do MPF.

“O comandante falou: ‘Tudo o que você ver lá, você traga pra mim’. Eu não podia deixar de cumprir a ordem”, conta o major reformado Divany Carvalho Barros, conhecido no exército como "Dr. Áureo".

Três décadas depois do atentado, ele admite que foi enviado ao Riocentro para recolher provas que pudessem incriminar o Exército.

Divany afirma que recolheu de dentro do carro três objetos pertencentes ao sargento Rosário.

“A caderneta com telefones, nomes, pessoas. Peguei a caderneta, peguei uma granada defensiva que ele usava na bolsa que não explodiu. Peguei a pistola dele”, conta Divany.

Mais uma revelação das novas investigações: quem deu a informação ao Ministério Público foi um ex-delegado de polícia, Cláudio Guerra.

A função dele era prender no Riocentro pessoas falsamente falsamente ligadas à explosão. No depoimento, ele revela a existência de mais uma bomba e um novo alvo.

Ministério Público Federal: O senhor falou que tinha uma bomba que seria para o palco.
Cláudio Guerra: Seria colocado no palco, justamente pra atingir. A comoção seria a morte de artistas mesmo.

Nenhuma bomba explodiu no palco. Outra foi atirada na casa de força do Riocentro, para cortar a luz e causar pânico nas mais de 20 mil pessoas que assistiam ao show. Mas não deu certo.

Suely José do Rosário foi outra que guardou silêncio desde aquela noite que mudou a vida dela e dos dois filhos. A viúva do sargento contou ao Ministério Público que foi ameaçada.

Suely: No dia em que enterrei meu marido. Não deram tempo nem para eu chorar a morte do meu marido.
Ministério Público: Quem ameaçou?
Suely José do Rosário, a viúva do sargento: Um tal de Luiz. Chamavam ele de Doutor Luiz. Ele falou: ‘a senhora vai ser chamada pra depor, a senhora veja bem o que a senhora vai falar. A senhora vai ser acompanhada. A senhora tem que lembrar que a senhora tem dois filhos pra criar’.

O Ministério Público Federal ainda está apurando a identidade do Dr. Luiz.

As investigações do Ministério Público Federal também estão mapeando a atividade dos grupos que lutaram contra o fim da ditadura.

Na lista de endereços revelados pelas testemunhas, um restaurante na Zona Portuária do Rio é uma peça importante nas investigações. Segundo o MPF, era no local que coronéis e generais do Exército se reuniam para planejar os atentados. Depois, as ordens eram repassadas aos subalternos.

Só nos primeiros meses de 1980, foram 46 explosões atribuídas aos militares. Boa parte dos atentados foi contra bancas de jornal que vendiam publicações consideradas subversivas.

E uma bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio matou a secretária Lyda Monteiro. São casos ainda sem solução.

Pelo Ministério Público, o coronel Wilson, o ex- delegado Claúdio Guerra e os generais reformados Nilton Cerqueira e Newton Cruz devem responder por tentativa de homicídio, associação criminosa, transporte de explosivos.

Nilton Cerqueira era comandante da PM do Rio e teria suspendido o policiamento no dia do show. Newton Cruz, que ainda foi denunciado por favorecimento, chefiava o Serviço Nacional de Informações. Segundo o Ministério Público, ele soube do atentado com antecedência e nada fez para impedir.

Os outros denunciados são o major Divany, por fraude processual e o general reformado Edson Sá Rocha, acusado de ter defendido um plano de atentado um anos antes, também no Riocentro. Ele foi o único que se recusou a responder as perguntas do Ministério Público.

Passados 33 anos do atentado, os procuradores alegam que o crime não prescreveu porque foi praticado contra o país. Além disso, não estariam cobertos pela Lei de Anistia, válida de 1961 a 1979.

A Justiça Federal ainda está analisando o novo inquérito para decidir se aceita a denúncia.

Procurados pelo Fantástico, o general Newton Cerqueira e Suely do Rosário, viúva do sargento Guilherme,  não quiseram dar entrevista.

O coronel Wilson machado e o major Divany Barros também foram procurados, em casa e pelo telefone, mas não foram encontrados.

O general Newton Cruz declarou que já foi julgado e inocentado pelo Superior Tribunal Militar e pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao atentado do Riocentro.

E a família de Claudio Antonio Guerra disse que o ex-delegado do DOPs está doente, e não pode falar agora.

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