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Inconformados, moradores lutam por mudanças nas linhas de ônibus

Pedido de audiência pública, abaixo-assinado e contratação de serviço privado são algumas das soluções encontradas

Muitas filas na Barra para pegar ônibus
Foto: Daniel Marenco / Agencia O Globo / Agência O Globo
Muitas filas na Barra para pegar ônibus Foto: Daniel Marenco / Agencia O Globo / Agência O Globo

RIO - Sete meses após a prefeitura iniciar a reformulação do sistema de transporte da cidade, os efeitos da racionalização das linhas de ônibus motivam mobilizações mais contundentes de moradores de Barra, Recreio e Jacarepaguá. Se a insatisfação popular já era evidente, devido às muitas reclamações, agora associações de bairros organizam abaixo-assinados, audiências públicas e simpósios e até negociam com empresas privadas de transporte para suprir itinerários eliminados.

Desde agosto de 2015, a Secretaria municipal de Transportes (SMTR) busca racionalizar o sistema de ônibus. Em toda a cidade, muitas linhas foram extintas ou substituídas, o que aumentou a necessidade de se fazer baldeação. Outras se tornaram alimentadoras do BRT. Moradores da Barra e dos bairros vizinhos se queixam de que, desde então, faltam ônibus em determinados itinerários e há superlotação em outros, além da inconveniência de se ter de pegar pelo menos dois transportes para percorrer a rota desejada. Entre Barra e Jacarepaguá, a prefeitura eliminou 13 linhas por sobreposição de trajetos. E, a partir da entrada em operação do BRT Transoeste, cinco linhas foram extintas. Quando o Transcarioca começou a circular, outras dez linhas acabaram.

Em pontos movimentados da Barra, passageiros afirmam que o número de ônibus nas linhas remanescentes foi visivelmente reduzido. Como consequência, reclamam, os veículos costumam ficar cheios demais. A estudante Luiza Lima, moradora do Recreio, faz estágio no Downtown. Ela diz que as linhas atuais estão muito sobrecarregadas e que as condições encontradas no BRT não são atraentes.

— Do Downtown até a minha casa é tranquilo, mas ir daqui para a Zona Sul ficou muito pior. Vejo as pessoas sofrendo em ônibus superlotados. A frota do 862, que vai para Rio das Pedras, por exemplo, com certeza diminuiu. Antes ele passava a toda hora. Minha mãe, quando sai do Recreio para o Flamengo, precisa fazer baldeação. Antes, ela ia direto. — exemplifica Luiza. — E as linhas 959, 880 e 753 foram encurtadas. Agora, só vão até o Alvorada. O resto do caminho precisa ser feito de BRT, que é perigoso e muito cheio.


Lotação nos ônibus da Barra
Foto: Daniel Marenco / Agencia O Globo / Agência O Globo
Lotação nos ônibus da Barra Foto: Daniel Marenco / Agencia O Globo / Agência O Globo

Na Passarela da Barra, muitos passageiros reclamam da falta de informação. Numa tarde de terça-feira, o garçom Domingo Soares precisava pegar um ônibus até o Leblon, mas não sabia qual:

— Antes havia mais opções. Ainda tem ônibus que fazem o trajeto, mas demoram muito a passar, ao menos 20 minutos.

Jorge Felix, que trabalha no Flamengo, agora precisa pegar um ônibus até o metrô para chegar mais rápido:

— Ainda existe a opção do 309, mas evito porque ele está demorando muito e sempre chega lotado.

Já Lélia Bastos, que costuma ir a Copacabana, diz que a situação não a afetou:

— Substituíram as linhas extintas pelas integradas 2 e 9. Para mim, continuou igual.

Ainda que as reclamações na Barra não sejam tão frequentes quanto no Recreio ou em Jacarepaguá, líderes comunitários estão atentos às queixas. Luiz Igrejas, presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana da OAB-Barra, diz que vai organizar um encontro em junho, com especialistas.

— Convidamos o (engenheiro) Fernando McDowell e Celso Franco (ex-presidente da CET-Rio), e vamos falar com outros nomes ligados ao setor — explica Igrejas, que reclama da falta de divulgação prévia das mudanças. — A comunicação é muito falha.

Outra iniciativa da OAB-Barra em relação à mobilidade, dessa vez capitaneada por Marcio Dias, da Comissão de Trânsito, é o pedido de implantação de sistema de recarga de bilhete único no Fórum da Barra e de um ponto de ônibus próximo ao local, com totens informativos sobre as linhas que passam por perto.

Na Praça Seca, as dificuldades uniram os moradores. No dia 31 de março, foi realizada uma assembleia com a presença de mais de 200 pessoas, para se debater a situação do transporte público na região. Representantes da Secretaria de Transportes e da Subprefeitura da Barra e Jacarepaguá foram convidados, mas não compareceram. Por isso, o presidente da associação de moradores do bairro, Alexandre Fiani, quer a realização de uma audiência pública sobre o assunto.

— Com a audiência, teríamos o que até agora não conseguimos, que é fazer o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, ouvir e dar satisfação aos moradores que há meses pedem para o subprefeito intermediar uma reunião com ele, através de ofícios em que descrevemos o prejuízo causado por linhas removidas ou encurtadas.

Desde a assembleia, Fiani vem organizando “gabinetes itinerantes” pelo bairro para ouvir as reclamações da população. Um abaixo-assinado reunindo as queixas já conta com cerca de seis mil assinaturas. Ele diz que esse é mais um instrumento de pressão sobre a prefeitura:

— O povo está sendo desrespeitado quando não é consultado. Estão tomando decisões que são mais favoráveis às empresas de ônibus. Na assembleia, concluímos que o certo seria trocar linhas à medida em que o BRT suprisse as necessidades dos moradores. Hoje não é possível um idoso, uma grávida ou um deficiente físico usar o BRT, por causa da superlotação.

Opção: o serviço privado

A extinção de linhas é o maior motivo de insatisfação na Praça Seca. Atualmente, não chegam a dez as que circulam pela Rua Cândido Benício, a principal do bairro, dizem. Moradora da região, Alessandra Azevedo se diz “dependente do BRT”:

— Quando precisava chegar ao Centro, eu pegava o 346; agora preciso pegar o BRT até Madureira para só então entrar no 346. Não é só a baldeação: os intervalos entre ônibus do BRT estão enormes, e a demanda é muito grande. Vamos todos apertados. A Praça Seca está ilhada.

Com a redução do número de linhas, pontos importantes da região não têm mais ônibus passando na porta. Para Alexandre Fiani, o caso mais gritante é o do Hospital Curupati, na Rua Godofredo Viana, no Tanque. Antes, passavam pelo hospital as linhas 701, 736, 761, 762, 763 e 764. Hoje, diz ele, nenhuma o faz.

— Muitos idosos são atendidos ali, e agora eles precisam andar muito — conta.

Adesivo de movimento dos moradores da Praça Seca contra a racionalização foi colado em poste do bairro Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Adesivo de movimento dos moradores da Praça Seca contra a racionalização foi colado em poste do bairro Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Há duas semanas, a prefeitura anunciou a volta de duas linhas da região. A 353, que antes fazia o percurso Cidade de Deus-Rodoviária, passou a operar entre Praça Seca e Rodoviária, e a 636, que antes era Gardênia Azul-Saens Peña, virou circular na Praça Barão da Taquara, com ponto final na Tijuca. Para Fiani, porém, essas mudanças representam pouca melhora e não solucionam o problema da região.

No Recreio, a alternativa está sendo buscar a iniciativa privada. Desde o fim de março, a Associação de Moradores do Recreio (Amor) vem analisando propostas de empresas que fretam ônibus de turismo, que fariam rotas até o Centro ou a Zona Sul e também viagens mais curtas, como a ligação entre a Barra e as Vargens.

— Todo mundo tem reclamado da redução das linhas de ônibus. Uma empresa particular nos daria mais conforto, com ar-condicionado e banheiro. O transporte seria mais seguro também, porque os moradores usariam uma pulseira ou o próprio celular para garantir a entrada no coletivo. Não entraria ninguém de fora — explica Milton Raeli, diretor social da Amor.

Segundo ele, as rotas serão definidas de acordo com as demandas dos moradores.

— Houve conversas com duas empresas. A segunda ofereceu até serviço de van, para complementar. Estamos estudando a viabilidade deles, para saber quais destinos têm mais demandas, porque precisamos fechar pacotes acessíveis. A associação faz esse elo com prédios pequenos que ficaram sem opção, diferentemente dos grandes condomínios, que já contam com ônibus próprios.


Milton Raeli está negociando com empresas privadas
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Milton Raeli está negociando com empresas privadas Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

Moradora do Recreio, Helena Ferraz classifica a situação como “horrível”. Para ela, o principal problema é a falta de opções à noite e de madrugada.

— Para minha casa só serve o 820, mas ele para de passar por volta das 21h. Precisamos de mais opções, principalmente que trafeguem pela Avenida Guiomar de Novaes. Muitas vezes eu chego tarde e tenho que andar da Américas até a minha casa; é muito perigoso. Estamos abandonados em termos de condução — lamenta.

Helena também reclama da necessidade de fazer baldeação:

— Quando saímos do BRT, precisamos esperar muito tempo até pegar um ônibus. Os intervalos são grandes. Antes, tínhamos o 360, que chegava até o Centro da cidade e passou a ir só até o shopping RioSul (em Botafogo).

Na internet, muitos moradores também reclamam da situação. Mês passado, um abaixo-assinado virtual foi organizado contra a extinção de linhas de ônibus, e tem, no momento, 533 nomes. As linhas mais citadas por moradores do Recreio que deixaram de circular são S20, 880, 360, 302, 361, 753, 316 e 314.

Nas Vargens, após mobilização dos moradores, a situação melhorou, diz Ângela Ormond, presidente da Associação de Moradores de Vargem Grande (Amavag). No fim do ano passado, o secretário Rafael Picciani realizou uma reunião no bairro, que havia sido muito afetado pela racionalização. Desde então, as frotas das linhas 315 e 361 foram reforçadas e houve a criação da 820, que supriu a lacuna deixada pela 880 (Recreio-Rio das Pedras), embora faça um trajeto menor, e da 613 (Del Castilho-Vargem Grande):

— Melhorou bastante. Acredito que os moradores estão mais satisfeitos, principalmente quem vai até o Centro. Pelo projeto original, ficaríamos ilhados — conclui Ângela.

Procurada, a Secretaria municipal de Transportes informou que o consórcio Transcarioca, da linha 862, foi notificado após a identificação de que a frota determinada não estava sendo disponibilizada. Já sobre o 309, a pasta diz que a sua frota aumentou em 25% desde o dia 12 de março. A pasta acrescenta que, segundo seu monitoramento via GPS, os intervalos estão dentro da normalidade.

Resposta da prefeitura

De acordo com a Secretaria municipal de Transportes, a racionalização foi feita com base em estudos disponíveis no hotsite http://www.rio.rj.gov.br/web/smtr/racionalizacao. No portal, porém, não há estudos detalhados sobre a região da Barra e bairros vizinhos.

No caso da região, além da racionalização, mudanças vêm sendo feitas a partir da entrada em operacao dos BRTs. Com a sobreposição de rotas, 15 linhas deixaram de circular. Por causa do Transoeste, cinco foram extintas entre Barra e Jacarepaguá: 882, 460, 876, 877 e 897. Já a partir da operação do Transcarioca, dez foram eliminadas na mesma área: 701, 753, 757, 765, 810, 800, 815, 831, 958 e 780.

Outras linhas foram substituídas, após a inauguração de Transoeste e Transcarioca, por alimentadoras, que são complementadas pelos BRTs. Entre os casos, estão algumas citadas por moradores, como 761, 762, 763 e 764, substituídas respectivamente por 815-A, 831-A, 963-A e 964-A, todas complementadas pelo Transcarioca. Há ainda linhas que foram mantidas, mas seccionadas, como 346, 302 e 880.

Linhas extintas com a racionalização:

305. Linha criada: Integrada 1 + 110. Opção direta (sem baldeação): Linhas 303 ou 301

314. Linha criada: Integrada 1 + Troncal 1. Opção direta: Linhas 309, 345 ou 315

318. Linha criada: Integrada 8 SP + Troncal 1. Opção direta: Linha 315

332. Linha criada: Integrada 2 + Troncal 1. Opção direta: Linha 345

360. Linha criada: Integrada 8 + Troncal 1 Opção direta: Linha 361

382. Linha criada: Integrada 9 + Troncal 4 ou Troncal 1.

501. Opção direta: Integrada 1

502. Opção direta: Integrada 8

504. Opção direta: Integrada 9

505. Opção direta: Integrada 8

535. Opção direta: Integrada 2

317. Opção direta: Linha 309

957. Opção direta: Linha 955