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O escritor fala ao coração

Quanto custa a fala de um escritor?

Betto, Boff e Cortella: cinema

Ou talvez seria melhor quanto vale a fala de um escritor? Há uns anos, no lançamento do livro do saudoso Bartolomeu Campos de Queirós, uma senhora me abordou e disse:

- Há muito tempo estou para te procurar. Tenho que te agradecer.

Na confusão do evento, quase não prestei atenção. Mas ela foi incisiva:  - preciso falar com você, agora, por favor.

Fomos para o canto do sala, ela, acompanhada de seus familiares. Contou que esteve presente ao evento, no Palácio das Artes, em BH, em 1989, no lançamento de "1968, o Ano que Não Terminou". As histórias libertárias e, ao mesmo tempo, opressoras daquele ano, relatados por Zuenir Ventura, naquela noite fria de junho, mudaram a vida aquela senhora. Na época, era professora primária. Entrou para a Universidade, formou-se, fez mestrado, pós, doutorado. Ali, conheceu seu marido, teve dois filhos. E se passaram 20 anos daquela noite.

 - Vim para te agradecer - disse - minha vida mudou naquela noite, ouvindo Zuenir Ventura.

 Ela não me disse, exatamente, quais foram as palavras, ou o contexto que provocou a mudança. E talvez nem fosse necessário.

Num zap, mês passado, cinco mil pessoas se acotovelavam na Praça Sete, para assistir o trio Leonardo Boff, Mario Sergio Cortella e Frei Betto, no lançamento do livro "Felicidade - Foi-se Embora?". O Cine Theatro Brasil só cabe mil e duzentas. O "Sempre Um Papo" virou cinema: duas sessões - uma às 19h30 e outra, às 21h.  Um primor de debate, com um ingrediente divertido: eles se comprometeram fazer falas diferentes, nos dois eventos. Após, centenas e centenas de autógrafos, até uma hora da manhã.

 Do palco, eu observava os olhares das pessoas na platéia. Curiosidade, atenção, detalhes deste milagre que se opera quando um ouve o outro. Quando pessoas se integram e se sentem integradas. Comunhão.

 Agora, volto à questão central: quanto vale a fala de um escritor? As palestras de um executivo, de um administrador, de um técnico ou especialista têm cifra determinada. Os profissionais liberais também: um médico cobra de acordo com sua experiência, prestígio, credibilidade. Em escala progressiva, claro.

Já a fala de um autor é inexata e, na maioria das vezes, próxima de uma ajuda de custo, uma espécie de voluntariado cultural. Rose Marie Muraro se dizia missionária da cultura. Passou a vida rodando o País, nesta cruzada santa pelos direitos da mulher e pela literatura. O escritor não vende informação, passa experiência de vida; não faz palestra, fala ao coração; não dita regras ou fórmulas,  ensina o humano que há em nós. Tudo pelo código transcedental da leitura, pela força sem mensuração das ideias. Nietzche dizia que  "ideias são forças".

É hora do escritor dizer o seu preço para falar, a cada convite. O público, ávido e curioso, está à sua disposição, pronto para ouvir. Um jovem autor pode falar por pouco; mas um senhor, que há pouco dias comemorou 85 anos, deve dizer por quanto sai de seu apartamento para um evento literário, ou cultural. Seja onde for.

 

 

 

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