Política Lava-Jato

José Carlos Bumlai é preso em Brasília na 21ª fase da Lava-Jato

Pecuarista ia depor hoje na CPI do BNDES; filhos e nora são levados a depor coercitivamente

O pecuarista José Carlos embarca no hangar da Policia Federal em Brasilía rumo a Curitiba
Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
O pecuarista José Carlos embarca no hangar da Policia Federal em Brasilía rumo a Curitiba Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA, SÃO PAULO e CURITIBA - A Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça-feira a 21ª fase da Operação Lava-Jato denominada “Passe Livre”. Na ação, foi preso preventivamente o pecuarista José Carlos Bumlai, no Hotel Golden Tulip, em Brasília. Ele iria depor hoje na CPI do BNDES , que investiga operações envolvendo o banco, por isso viajou ao Distrito Federal. Amigo do ex-presidente Lula, o empresário é acusado de envolvimento em fraude no contrato para a operação do navio-sonda Vitória 10.000. A prisão de Bumlai foi decretada pelo juiz Sérgio Moro, e o empresário chegou ao meio-dia em Curitiba. Funcionários da PF pediram ao advogado de Bumlai que providenciasse cobertores e roupas mais pesadas para o empresário, porque faz frio na capital paranaense.

A operação é realizada em parceria com a Receita Federal. Foram cumpridos ainda 25 mandados de busca e apreensão e seis mandados de condução coercitiva, em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Ao todo, 140 policiais federais e 23 auditores fiscais participaram da ação. Os seis mandatos de condução coercitiva incluem os dois filhos de Bumlai, Maurício de Barros Bumlai e Guilherme Bumlai, além de uma nora dele, Cristiane Dodero Bumlai.

O Ministério Público Federal havia pedido a prisão temporária dos três, mas o pedido foi negado por Moro, que determinou que fossem conduzidos coercitivamente a depor. Em entrevista coletiva, a força-tarefa da Lava-Jato explicou a nova fase da operação .

BUSCAS NO RIO

Os outros três que depõem coercitivamente são os empresários Natalino Bertin e Silmar Bertin, além do policial militar Marcos Sérgio Ferreira. Os mandados de busca em apreensão são em casas e escritórios da família Bumlai, incluindo endereços na Barra da Tijuca e em Ipanema, no Rio. Há também buscas em duas empresas de Bumlai, a São Fernando Energia e a São Fernando Açúcar e Álcool, em Dourados (MS), e empresas dos filhos e da família em Campo Grande (MS).

De acordo com a Polícia Federal, a operação “Passe Livre” foi deflagrada a partir de investigações das circunstâncias de contratação de navio-sonda pela Petrobras, com “concretos indícios” de fraude em licitação.

Segundo Moro, a medida contra os Bertin se justifica porque são sócios e dirigentes de empresas beneficiadas com empréstimo concedido por José Carlos Bumlai no mesmo ano em que este recebeu o dinheiro do Banco Schahin, a Fazenda Eldorado e o Frigorífico Bertin. Marcos é um policial militar de São Paulo que, de acordo com os procuradores, teria realizado saque de R$ 100 mil, em espécie, de uma conta de Bumlai em São Paulo.

O advogado de Bumlai, Arnaldo Malheiros filho, foi surpreendido pela notícia da prisão em Brasília.

— Só tenho certeza da prisão porque a Polícia Federal confirmou. Ainda não sei detalhes — disse Malheiros ao GLOBO no início da manhã.

Ele estava em São Paulo no momento da prisão do cliente e viajaria para Brasília para acompanhar o depoimento de Bumlai na CPI do BNDES. No início da manhã, o juiz Sérgio Moro expediu ofício ao deputado federal Marcos Rotta, presidente da CPI do BNDES, informando que decretou a prisão preventiva de Bumlai e que o cumprimento da medida inviabilizaria o depoimento do pecuarista no Congresso.

"Por questões operacionais, que fogem ao controle do Juízo, a medida foi implementada na presente data pela Polícia Federal. A efetivação da medida inviabiliza, infelizmente, a oitiva dele prevista para esta data junto à Comissão Parlamentar de Inquérito do BNDES. Peço escusas pelo ocorrido", disse Moro, acrescentando que Bumlai estará à disposição da CPI para depor caso a data seja remarcada.

Perguntado se o motivo da prisão do cliente seria a delação premiada de Salim Schahin, um dos sócios do grupo Schahin, o advogado de Bumlai disse:

— Com certeza, mas é uma delação sem prova nenhuma.

A delação de Schahin foi homologada na terça-feira da semana passada . O empresário teria dado detalhes sobre o empréstimo de R$ 12 milhões feito pelo Banco Schahin a Bumlai. O advogado do pecuarista afirma que o dinheiro foi aplicado nos negócios de Bumlai, que pagou o banco com sêmen de boi, num acordo após ter ficado inadimplente.

O empréstimo foi citado na delação premiada de Eduardo Musa, ex-gerente da Petrobras. Musa disse ter ouvido do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró que o empréstimo ajudaria a pagar uma dívida de campanha do PT de R$ 60 milhões. A compensação para a Schahin viria de um contrato com a Petrobras. O grupo foi contratado para operar o navio sonda Vitoria 10000, um negócio de US$ 1,6 bilhão.

Bumlai passou a ser alvo da Lava-Jato a partir de delação premiada feita pelo lobista Fernando Baiano. Em depoimento, ele disse que deu R$ 2 milhões a Bumlai, que teria lhe falado que o dinheiro era para pagar um imóvel de uma nora de Lula.

RECEITA PARTICIPA DA AÇÃO

A Receita Federal particioua da ação desta terça-feira, em parceria com a PF. Em nota, o órgão afirmou que a atual fase se diferencia por contabilizar supostos empréstimos como forma de maquiar a circulação de recursos indevidos, e não falsas prestações de serviços em empresas, como ocorria em outras etapas da Operação. De acordo com a Receita, os empréstimos contraídos pelos investigados não eram cobrados, sendo pagos de forma simulada:

“Empréstimos contraídos pelos investigados junto a instituições financeiras jamais eram cobrados, até que ocorriam pagamentos simulados ou mesmo o perdão pelas próprias instituições financeiras credoras. A partir desse esquema verificou-se acréscimo patrimonial indevido e não tributado. Em alguns casos, os investigados serviram como interpostas pessoas e repasses de valores a terceiros, supostamente atendendo a interesses de agentes políticos”, diz a nota.

A Receita reitera que as ações da “Passe Livre” buscam elementos que relacionem a quitação do empréstimo de R$ 12 milhões de Bumlai e a contratação da Schahin pela Petrobras, em 2009.

Desse contrato decorreram expressivos pagamentos e remessas oficiais de valores a empresas “offshore” (na ordem de milhões de dólares), os quais despertaram a atenção da Receita Federal que, em ação fiscal independente, reuniu elementos de convicção de que tais empresas, de existência apenas formal, seriam de fato controladas pelo mesmo grupo econômico investigado, o que possivelmente também facilitou repasses, no exterior, de vantagens indevidas a outros beneficiários do esquema investigado pela Operação Lava-Jato.

HOMEM DE LIVRE ACESSO AO GABINETE DE LULA

Durante os dois governos do ex-presidente Lula existia uma máxima em Brasília: só duas pessoas entravam sem bater no gabinete presidencial. Uma delas era a dona Marisa. A outra, um então desconhecido José Carlos Bumlai. Mesmo longe dos holofotes, o empresário e pecuarista gozava de um prestígio incomum até para alguns ministros da época.

A ligação entre Lula e Bumlai começou em 2002 , quando o então candidato Lula enfrentava resistência de setores econômicos, entre eles o agropecuário. Para ajudar a reverter a rejeição, o governador do Mato Grosso do Sul e candidato à reeleição, Zeca do PT, fez questão de que Lula conhecesse Bumlai - "um dos maiores pecuaristas do Brasil" - como definiu. A empatia entre o candidato e o fazendeiro foi imediata.

Ainda naquela eleição, Lula passaria quatro dias na fazenda do empresário, nos arredores de Campo Grande, gravando programas eleitorais. Enquanto estiveram juntos, Lula e Bumlai estreitaram os laços entre churrascos e pescarias. Em 2009, a uma revista ligada ao agronegócio, o empresário disse que o encontro "foi um marco histórico".

Aos 71 anos, Bumlai, que nasceu em Corumbá (MS), é considerado um dos mais bem-sucedidos empresários do setor pecuarista. Engenheiro civil de formação, atuou na área por 30 anos, e trabalhou no mercado de construção pesada. Foi diretor e conselheiro da Constran - a empresa pertence hoje a Ricardo Pessoa, coordenador do cartel das empreiteiras da Petrobras. (*especial para O GLOBO)