Boa Viagem

São Paulo, cidade maravilhosa

Arquitetura arrojada, serviços eficientes e opções culturais ecléticas fazem da metrópole uma das mais belas e interessantes da América Latina

Obelisco dos heróis de 1932, na região do Ibirapuera: cidade de contornos monumentais
Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo
Obelisco dos heróis de 1932, na região do Ibirapuera: cidade de contornos monumentais Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo

SÃO PAULO - Alguma coisa acontece em São Paulo. O ensaio que ilustra esta reportagem mostra que há beleza na megalópole de proporções avassaladoras: 12 milhões de habitantes, 12,7% do PIB do Brasil, 10ª cidade que mais gera riqueza no mundo. Uma beleza menos óbvia, quase deselegante — novamente Caetano Veloso —, desordenada, que não é abençoada por Deus como a carioca, mas sim feita pelo homem. Desde que surgiu como potência econômica no final do século XIX, São Paulo contou somente com o homem para construir sua identidade. É dele a arquitetura imponente em locais como a Estação da Luz ou o Viaduto Santa Ifigênia, que ilustra a capa desta edição. Foram homens como Oscar Niemeyer que conceberam ícones como o edifício Copan e o Parque Ibirapuera, local preferido de nove entre dez paulistanos, citado, em agosto último, como um dos dez melhores parques urbanos do mundo pelo jornal inglês “The Guardian”. E são as pessoas que vivem aqui que têm buscado soluções para nossas crises financeira, de criatividade, de relação com o espaço público. Coisas boas vêm acontecendo em São Paulo: propostas novas de economia compartilhada, de eventos ao ar livre, gratuitos, de ofertas culturais e de mobilidade urbana. Mesmo que o fechamento de vias para carros, o aumento das ciclovias e a redução de velocidade nas marginais sejam projetos cercados de polêmica e dividam a opinião dos paulistanos, são experiências interessantes e atraem holofotes.

Os serviços e a gastronomia são de primeiro mundo. Levantamento recente mostrou ainda que é o carioca, e não o paulistano, que gasta mais tempo para ir e voltar de casa para o trabalho: uma média de 47 minutos por trajeto, contra 45,6 em São Paulo. É notório, mas ainda não foi alvo de estudos mais aprofundados: o paulistano é pontual, buzina muito pouco no trânsito, raramente para em cruzamento e tem um respeito quase europeu ao pedestre. Claro que ainda há a feia fumaça e a violência. Claro que há muitas iniciativas controversas, e a população da periferia pode não ter acesso ao melhor que a cidade oferece. Mas como o papo é beleza...

— Não vou comparar São Paulo com o Rio, as duas cidades têm suas belezas e suas mazelas. Mas adoro observar São Paulo à noite, o skyline da megalópole. Adoro as manifestações culturais, ver cada vez mais gente andando pela cidade, os restaurantes com comidas de todos os lugares do mundo. Me sinto muito seguro nos bairros que frequento, ao redor da Paulista, dos Jardins, de Pinheiros, do Itaim Bibi, da Vila Madalena. A quantidade de galerias de arte surgindo me impressiona. São Paulo está muito up to date nessa modernidade que a cultura traz às principais cidades do mundo — atesta o designer Oskar Metsavaht, da Osklen, que mora no Arpoador, mas é frequentador assíduo da ponte aérea.

Gastronomia é destaque turístico

Alguns números traduzem este up to date. São Paulo tem 15 mil restaurantes e 20 mil bares, com quase 60 tipos de comidas diferentes. Entre eles, o D.O.M., de Alex Atala, o 9º melhor restaurante do mundo em 2015 segundo a “The Restaurant”, além do Maní, de Helena Rizzo, eleita a melhor chef mulher no ano passado pela mesma publicação. São mais de 900 feiras de rua, 101 museus — muitos com programação gratuita —, 182 teatros, 111 parques, 39 centros culturais e 146 bibliotecas, uma delas, a Mário de Andrade, abrirá 24 horas a partir de janeiro. Quem diria, o carnaval de rua também ganhou força de dois anos para cá. O próximo promete atrair pelo menos dois milhões de pessoas, com 400 blocos. Anda cool dizer que vai se passar o carnaval em São Paulo.

E fazer cinema também. Se desde a criação da RioFilme, em 1992, o Rio dominava o mercado brasileiro de produção e distribuição de filmes, São Paulo entrou forte no jogo em dezembro do ano passado com a criação da SPcine. Somente este ano foram investidos R$ 30 milhões no setor de cinema, TV, games e outras plataformas digitais. Além disso, estão sendo modernizadas 20 salas, com o objetivo de se chegar a 80 pontos de exibição em bibliotecas, centros culturais e escolas, incluindo a periferia.


Região da Estação da Luz, no Centro: prédio de 1901
Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo
Região da Estação da Luz, no Centro: prédio de 1901 Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo

— Eu adoro essa pororoca de linguagem que acontece aqui — declara a cantora Tulipa Ruiz, expoente de uma nova geração de músicos que também agita o cenário cultural da cidade.

Tulipa, que começou a carreira em São Paulo, assim como Tiê, Mariana Aydar, Marcelo Jeneci, Criolo e Emicida, diz que a cidade é um “local de encontros”, que recebe gente de “tudo que é lugar do Brasil’’. Segundo ela, o fato de ter se deparado com músicos de Minas, Rio e Pará foi crucial para inspirá-la:

— Existe um circuito de música alternativa muito bacana, casas como Puxadinho da Praça (Pinheiros), Serralheria (Lapa), Casa de Francisca (Jardins) e Mundo Pensante (Bixiga). São novas vitrines para aristas, eu vivo indo a shows lá. O ser humano é a nossa tecnologia de ponta.

O grafite é outra característica que coloca São Paulo na ponta em termos mundiais: o Vale do Anhangabaú, no Centro, o Beco do Batman, na Vila Madalena, e o MAAU (Museu Aberto de Arte Urbana), em Santana, na Zona Norte, são locais para apreciar este museu a céu aberto.

— Conhecer São Paulo é explorar a arquitetura imponente e também o que colore o cinza. Assim como o rap, o grafite prolifera por dois motivos: vivemos uma tensão social, mas, ao mesmo tempo, temos liberdade — diz Binho, um dos precursores da street art em São Paulo.

Binho acha que a cidade está cada vez mais democrática, com museus que não cobram entrada e opções culturais infinitas, que ocupam praças e ruas, sem falar nas feiras gastronômicas e de food trucks, nos mercados de pulgas, nas festas no Museu da Imagem e do Som (MIS), na intensa programação da rede Sesc. Basta consultar guias locais e redes sociais. Perto da Avenida Paulista, há o recém-inaugurado Mirante 9 de Julho, que oferece uma visão de São Paulo ao estilo da do High Line nova-iorquino e recebe baladas todo fim de semana. Os programas mais descolados convivem com a força da grana: drinques no terraço de hotéis (como o Unique), spas e a nova filial do Eataly de Nova York.

— Ninguém, independentemente da renda, fica sem programa. São Paulo é uma cidade acolhedora para quem deseja não apenas se divertir, mas também trabalhar. Acho que essa diversidade, de gente vinda de tudo que é lugar do Brasil, e o comprometimento das pessoas gera essa oferta e nos obriga, por causa da forte concorrência, a oferecer os melhores serviços do país — diz o empresário Wolf Menke, de 34 anos, que transformou a Rua Doutor Virgílio de Carvalho Pinto, em Pinheiros, numa pequena filial de Williamsburg, no Brooklyn.


Vista noturna do Centro de São Paulo: cidade com skyline de cartão-postal
Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo
Vista noturna do Centro de São Paulo: cidade com skyline de cartão-postal Foto: Fernando Donasci / Agência O Globo

Dono de quatro casas: House of Food, House of Work, House of Learning e House of Bubbles, Wolf aposta na economia compartilhada como um novo ramo de negócio porque acha “que todos vamos ter que rever nossos padrões de consumo”. Ele oferece desde um espaço para chefs que não têm restaurantes cozinharem e venderem sua comida, locais para profissionais darem aulas, escritórios para autônomos, lavanderia até uma recém-inaugurada roupateca — onde é possível alugar peças descoladas. A rua é palco de algumas das festas mais badaladas de São Paulo, capitaneadas pelas casas de Wolf.

Morador de São Paulo, o cineasta Fernando Meirelles elogia os serviços, a qualidade dos parques, a agitação cultural e diz que vê uma cidade cada vez mais humanizada, “numa clara apropriação por seus moradores, que estão curtindo ir para a rua”. Para o cineasta, ao lado de Bogotá, São Paulo hoje é uma das cidades mais interessantes da América Latina — vivendo um fenômeno pelo qual a capital colombiana passou no começo dos anos 2000, com seus “moradores saindo sem carro para aproveitar a cidade, algo impensável alguns anos atrás”. E são as experiências de mobilidade urbana de cidades como a capital colombiana que inspiraram as atuais políticas da prefeitura: ampliar as ciclovias para 400 quilômetros até o final do ano, construir mais corredores de ônibus, ampliar faixas de pedestres e restringir a circulação de carros em locais icônicos nos fins de semana.

Paulista fechada ao trânsito aos domingos: “calçadão’’

A Avenida Paulista está fechada para carros todos os domingos. Basta um passeio por ali para conhecer um pouco a diversidade que torna São Paulo uma cidade tão plural, terra da garoa e do futebol, com seus times, aliás, em ótima fase. Pais com carrinhos de bebês, jovens, travestis pulando elástico, ciclistas, ações de marketing distribuindo sorvete de graça, artistas de rua.

— Não sou eleitora do Haddad (o prefeito Fernando Haddad), sou muito decepcionada com o PT, mas realmente abrir a Paulista aos domingos foi uma ideia maravilhosa. Antes a gente só ia passear no shopping — diz Cláudia Costa, 45 anos, produtora de eventos.

A medida, segundo pesquisa do DataFolha, é aprovada por 47% dos paulistanos, mais ou menos o mesmo número que reprova a gestão do prefeito petista (49%). Quem é contra, a maior parte idosos (os jovens aprovam mais), alega que houve poucos estudos para a decisão ser tomada e que o acesso a hospitais localizados na região, por exemplo, pode ser prejudicado. A redução da velocidade para os carros em grandes avenidas também é alvo de polêmica, “tudo compreensível”, segundo o arquiteto Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano.

— São Paulo é uma cidade imensa, difícil de mudar. Mas, desde 2013, muito impulsionada pela juventude que foi às ruas, parece que resolveu sair da inércia. A iniciativa privada percebeu isso e nós como poder público também. O que estamos tentando criar é uma nova cultura urbana, fazendo muitas experiências. E tudo que é novo assusta. Estamos tentando mudar a cultura do carro na cidade, hoje muito mais gente anda de bicicleta, por exemplo — comenta ele, citando uma pesquisa que mostrou que o número de paulistanos usando bikes cresceu 50% na cidade no ano passado. — Este ano deve crescer ainda mais.

Colaborou Alessandro Giannini