Rio Rio 2016

Problemas na segurança da Copa causam apreensão para os Jogos

Ataques em Paris elevaram a tensão dos estrangeiros que virão para o Rio em 2016

Militares participam, em maio de 2014, de uma simulação de ataque terrorista à estação Cidade Nova do metrô: o exercício foi um dos realizados dentro do plano de segurança preparado para a Copa do Mundo
Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo (31/05/2014)
Militares participam, em maio de 2014, de uma simulação de ataque terrorista à estação Cidade Nova do metrô: o exercício foi um dos realizados dentro do plano de segurança preparado para a Copa do Mundo Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo (31/05/2014)

RIO — Vestindo uma camisa do Flamengo, o torcedor argentino Pablo Álvarez foi preso pela Polícia Federal no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde se enfrentavam Argentina e Bélgica, no dia 6 de junho do ano passado, durante a Copa do Mundo. Não era para ele estar ali. Um dos chefes dos “barras bravas” — torcedores responsáveis por episódios de violência nos estádios argentinos —, Álvarez estava proibido de entrar no país durante o torneio. Alguns dias antes, já havia burlado a segurança e assistido, em São Paulo, disfarçado de suíço (tinha a bandeira do país e o rosto pintado com as cores da nação europeia), a outro jogo da Argentina, em São Paulo. Nas redes sociais, apareceu zombando das autoridades brasileiras.

INFOGRÁFICO: NA COPA, PROTESTOS, INVASÕES E FRAUDES

A falha que permitiu a ele cruzar com facilidade a fronteira e circular livre pelo país não foi a única durante a Copa. Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), produzido depois do evento, apontou outros problemas. O documento, revelado a autoridades responsáveis pela segurança das Olimpíadas no Rio, relacionou, principalmente, brechas na proteção interna dos estádios, que colocaram em risco torcedores e autoridades. O objetivo de apresentar o relatório foi alertar para o seguinte: os pontos vulneráveis detectados durante o mundial de futebol não podem se repetir nos Jogos. Um dos casos analisados pela Abin aconteceu no dia 18 de junho de 2014: cerca de cem torcedores chilenos e argentinos, sem ingresso, invadiram o Maracanã, causando grande tumulto no centro de mídia do estádio.

POLICIAIS SUBSTITUIRÃO AGENTES PARTICULARES

A análise da agência levou o governo federal à decisão de mudar parte importante da matriz de segurança aplicada na Copa. Os 15 mil agentes particulares, os chamados stewards, que trabalharam na segurança interna dos estádios e fariam o mesmo durante as Olimpíadas, serão substituídos por policiais da Força Nacional. Também durante o mundial de futebol, muita gente conseguiu burlar a vigilância e assistir às partidas usando credenciais e bilhetes falsos.

Houve falhas também longe dos estádios, apontou a Abin. Num dos episódios, antes mesmo do torneio, em maio, o ônibus da delegação brasileira foi cercado por professores em greve, que atacaram o veículo, batendo na lataria e colando dezenas de adesivos com a frase “Não vai ter Copa”.

— Conheço a minuta do relatório da Abin. Todo evento traz ensinamentos e oportunidades de melhorias. Nós temos sempre que qualificar nosso processo. No caso da segurança das instalações olímpicas, demos um salto de qualidade em relação à Copa. Nós vamos atuar 100% nela, com policiais mais bem preparados — afirmou Andrei Passos Rodrigues, secretário extraordinário para Grandes Eventos do Ministério da Justiça.

Os ataques terroristas em Paris elevaram a tensão dos estrangeiros que virão para o Rio em 2016. O temor é que ocorram atentados por aqui. Segundo o delegado Thierry Guiguet-Doron, da Polícia Nacional francesa, que é adido da embaixada da França no Brasil, seu país aposta numa integração internacional para afastar qualquer ameaça terrorista aos Jogos no Rio. Uma análise de risco da Abin põe a delegação da França no nível mais elevado de possibilidade de se tornar alvo de ataques no Brasil, juntamente com as dos Estados Unidos e de mais oito países.

— Temos contato com a Polícia Federal desde a Copa. O Andrei foi à França em setembro para ver como funcionam nossos serviços de inteligência. Teve briefing com nosso pessoal sobre os atentados de janeiro (quando terroristas atacaram a sede do jornal satírico “Charlie Hebdo” em Paris, matando 12 pessoas). O diretor da Inteligência da PF também foi à França. Ou seja: estamos conversando, trabalhando em conjunto, há algum tempo. Agora mesmo há policiais brasileiros em Paris, acompanhando nossas investigações (sobre os novos atentados, ocorridos em 13 de novembro, que deixaram 130 mortos) — afirmou o delegado francês.

CONTROLE DAS FRONTEIRAS É FRÁGIL

Mesmo com toda a aproximação, Guiguet-Doron, que esteve na cidade esta semana participando do “Briefing internacional de segurança para os Jogos de 2016”, na Escola de Guerra Naval, na Urca, não esconde haver preocupações. Ele falou da possibilidade de um terrorista já estar no Brasil e disse que a PF tem efetivo pequeno para cuidar da fronteira:

— É muito difícil para o governo brasileiro controlar a fronteira. Na França, temos dez mil policiais que cuidam exclusivamente das fronteiras. No Brasil, a Polícia Federal tem 11 mil para atuar em todo o país. Olhe o tamanho do Brasil e o compare com o da França. Acho que o governo brasileiro deveria reforçar a Polícia Federal com mais gente.

O adido também lembrou outra ameaça:

— Aqui as armas de fogo são encontradas com facilidade — acrescentou. — Com relação ao crime comum, não temos temor. O medo maior, não só para a França como para outros países, é o risco de um ataque terrorista. Por quê? Porque os Jogos Olímpicos têm uma visibilidade muito grande.

Desde os ataques em Paris, o economista Sérgio Besserman, presidente do Instituto Pereira Passos, tem dito que as autoridades responsáveis pela segurança dos Jogos devem abrir um canal de troca de informações com a comunidade internacional. Segundo ele, no entanto, é pouco provável que se repitam no Rio os episódios ocorridos na França:

“O terrorismo evita se repetir, para escapar às medidas preventivas e gerar mais impacto e medo. É evidente que os riscos existem, mas podem ser reduzidos com a prevenção. A concentração de eventos numa só cidade ajuda no trabalho das forças antiterror”

Sérgio Besserman
Economista

— O terrorismo evita se repetir, para escapar às medidas preventivas e, principalmente, gerar mais impacto e medo. Se tentarem aqui praticar atos terroristas, serão diferentes dos que já aconteceram. De qualquer maneira, é evidente que os riscos existem, mas podem ser reduzidos com a prevenção. A concentração de eventos numa só cidade ajuda no trabalho das forças antiterror. Mas não temos uma história de combate a esse flagelo. Nesses casos, é sempre útil estabelecer parcerias com forças de segurança de outros países com mais experiência na atividade antiterrorista.

Para Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), não dá para medir no momento o risco de o país ser palco de um atentado semelhante ao ocorrido durante as Olimpíadas de Munique, na Alemanha, em 1972, quando 18 pessoas — entre atletas israelenses, terroristas palestinos e policiais — foram mortas:

— O fato é que não devemos agir como se o risco fosse zero. Há necessidade de preparação, e o primeiro desafio é conseguir algum grau de integração entre os órgãos de segurança nacionais.

Outra preocupação é com a concentração de armas nas mãos de traficantes cariocas, que poderiam negociá-las com terroristas. Segundo Piquet, há no país características semelhantes às aproveitadas pelo Estado Islâmico, grupo que praticou os atentados em Paris em 13 de novembro.

“Há enormes facilidades para qualquer organização terrorista atuar no Brasil. Há ‘territórios livres’ perto da fronteira, o que pode facilitar a entrada de pessoas e armas no país. E comprar um fuzil no Rio não exige conexão internacional”

Leandro Piquet
Professor da USP

— Há enormes facilidades para qualquer organização terrorista atuar no Brasil. Primeiro, há “territórios livres” perto da fronteira, o que pode facilitar a entrada de pessoas e armas no país. Parte do território da Colômbia ainda é controlado por uma narcoguerrilha. Segundo, comprar um fuzil no Rio não exige qualquer conexão internacional. Há vendedores locais que oferecem modelos como os utilizados nos atentados em Paris, por preços reduzidos — disse Piquet.

O professor da USP vai mais longe: seria ingênuo, segundo ele, “achar que essas vantagens logísticas, aproveitadas pelo crime organizado, não serão igualmente usufruídas pelo terrorismo”:

— Criminosos e terroristas se comunicam de forma muito semelhante com seus fornecedores e parceiros nos negócios ilícitos. Se você quiser comprar um fuzil, vai encontrar alguém vendendo.

ARMAS E EXPLOSIVOS COM CRIMINOSOS COMUNS

O professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador e cientista político da UFRJ, destaca que, ao contrário dos grupos ETA (na Espanha) e IRA (Grã-Bretanha), o terrorismo contemporâneo não tem um “teatro de operações definido”. Ele busca locais de megaeventos e de grande afluxo de turismo, por exemplo, garantindo assim a repercussão para suas ações.

— Ele quer espetáculo. Assim, se o risco de uma ação terrorista é grande na França, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, é bastante possível que ele busque esses alvos em outros países, em locais onde, por tradição, é baixo o risco de terrorismo e, consequentemente, baixo o nível das medidas preventivas.

Vinícius Domingues Cavalcante, especialista em segurança de autoridades e em ações terroristas, não têm dúvida de que há condições de um atentado acontecer no país.

— Embora a fragilidade na segurança de nossas fronteiras permita que armas, munições e explosivos sejam estocados aqui com grande antecedência, não há qualquer impedimento para que terroristas obtenham aqui mesmo todos os materiais de que necessitam. Há desde armas de fogo militares até explosivos de posse de criminosos comuns.