Brasil Educação

Ensino infantil de qualidade pode resolver problemas históricos do Brasil, diz especialista

Chefe de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento dará palestra no Rio

Emiliana Vegas defende a necessidade de atender as crianças menos favorecidas
Foto: Divulgação
Emiliana Vegas defende a necessidade de atender as crianças menos favorecidas Foto: Divulgação

RIO — Com foco no apoio aos sistemas educacionais da América Latina e do Caribe, Emiliana Vegas destaca que o grande desafio dos países da região está em promover a qualidade no ensino. No caso do Brasil, a especialista chama atenção para a precariedade ainda existente na rede pública nesta etapa da escolarização. Ela virá ao Rio para participar do evento “Educação 360 - Educação Infantil”, realizado pelos jornais O GLOBO e “Extra”, em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Banco

Mundial, BID e Fundação Lemann, com apoio da TV Globo, do Canal Futura e da Unicef, que acontece no dia 30 deste mês, no Museu do Amanhã.

O Brasil está em um momento difícil de cortes na educação. O atual governo anunciou a intenção de enviar ao congresso um projeto para mudar a constituição, que atualmente garante investimento mínimo em educação. Que impacto isso pode ter?

Existe uma correlação entre gasto/investimento e desempenho. Mas ela não é direta. O que importa é como se investe na educação. No entanto, sabemos que entre os países que investem pouco em educação não há países com bons resultados. Neste sentido, o desafio para Brasil é investir mais e melhor na educação. Posso especular que os avanços que o Brasil tem mostrado não seriam possíveis sem o esforço fiscal que se fez em favor da educação e ao não manter esse esforço existe um risco real de anular esses avanços, com correspondentes implicações para a produtividade e o desenvolvimento. Sem a devida qualidade na educação, não se pode preparar os trabalhadores necessários para fazer crescer a economia. Investir mais não é sempre a resposta. Há que se investir melhor. E fazê-lo com mais equidade e melhor gestão.

Ainda temos uma alfabetização deficiente no país. Como corrigir esse problema? De que maneira a educação infantil pode ajudar?

O Brasil enfrenta enormes desafios de distorção idade-série. Algumas estimativas globais indicam 28% em 2013, até muito mais. Na região Norte, por exemplo, a taxa chega a 44% dos estudantes com um ou mais anos de atraso. É um gasto enorme. Vamos colocar em cifras: considerando um gasto médio de R$5.495 por estudante no ano de 2013 a sobre idade custa ao Brasil quase R$ 9 milhões por ano. Considerando a magnitude desse problema, o Brasil foi e é líder em inovações para acelerar a aprendizagem e mitigar a a distorção idade-série. Outra opção é trabalhar com o fluxo para melhorar a probabilidade das crianças terem sucesso ao longo de sua trajetória escolar. Aqui a educação infantil tem um papel indispensável. Não estou falando de qualquer educação infantil. Estou falando de uma educação infantil de qualidade, ou seja, onde se desenvolva integralmente as habilidades das crianças— de cognição, socio-emocional, funcionamento executivo, comunicação, entre outras. Sabemos que crianças que tiveram o benefício de uma educação infantil de qualidade têm 40% menos de probabilidade de precisar de ensino especial, 30% mais probabilidade de ir para a universidade. Sendo assim, uma educação infantil de qualidade pode ser uma resposta importante para mitigar o fracasso escolar.

O acesso à educação infantil ainda não é universal no país. Há uma meta para que 100% das crianças de 4 e 5 anos estejam na escola já em 2016, que, provavelmente, não será alcançada...

Há uma coisa importante que é a equidade. A necessidade de atender primeiro as crianças menos favorecidas. As disparidades que existem entre o que as crianças ricas e pobres sabem e são capazes de fazer antes de entrar na escola são alarmantes. E são indicativas de como será seu desempenho acadêmico, saúde e sua probabilidade de sucesso na vida. As crianças que nascem em famílias pobres começam a escola muito menos preparadas para aprender porque suas capacidades cognitivas e a riqueza de seu vocabulário são muito inferiores a das crianças de famílias com maior renda. Já estão com várias desvantagens e ao longo de sua trajetória escolar, alcançam menos, aprendem menos, reprovam com maior frequência e, com o tempo, costumam deixar de estudar.

Atualmente há uma educação infantil de boa qualidade no Brasil?

Depende de como se define a qualidade. Sabemos que o Brasil tem algumas escolas e centros de educação infantil de boa qualidade. Mas são poucas. Apesar dos esforços, ainda há muito para ser fazer. A grande maioria das escolas e centros de educação infantil se encontra com muitas deficiências: de infraestrutura, de formação de professores, de materiais e apoio pedagógico, de atividades apropriadas. Sabemos isso porque em parceria com o MEC e diversos municípios aplicamos algumas escalas internacionais para medir a qualidade dos processos. De 10 pontos possíveis, a média da qualidade foi de 3,3 nas creches (para crianças de 0 a 3 anos) e 4,3 pontos nas escolas (para crianças de 4 e 5 anos). Ou seja, longe de um nível adequado de 5 a 7 pontos. Estamos apoiando o Brasil, por exemplo, no município de Florianópolis, de melhorar a qualidade de sua educação infantil, com investimentos em infraestrutura, na formação de docentes, na articulação da educação infantil com a educação primária, e a avaliação e monitoramento da gestão, entre outras coisas.

No Brasil, 40% dos professores das escolas públicas não têm formação adequada, além disso, recebem baixos salários. Os professores da educação infantil são os mais afetados. Quais os reflexos dessas desvalorização?

Crianças com um bom professor aprendem muito mais que aqueles com um mau professor. É um campo onde precisamos de mais inovação. Não há resposta simples, sobretudo, na conjuntura que vive o Brasil nesse momento. É necessário perguntar o que se espera de um professor de educação infantil e como é possível conseguir um profissional ideal. A educação infantil não é como a educação primária ou secundária. A interação entre adultos e crianças é muito importante, assim como a maneira que se responde à criança. Não é como ensinar frações ou física. No Brasil, a formação costuma ser desconectada da realidade da sala de aula, dos desafios que os professores enfrentam, das práticas pedagógicas, além de ser fragmentada e sem relação com as avaliações educativas. Outro tema importante é a forma de recrutar, selecionar e contratar os docentes. Brasil conta com dois instrumentos interessantes no momento de contratar docentes: uma prova de admissão (concurso público) e um período probatório de acompanhamento de três anos. Mas é necessário maximizar o potencial desses instrumentos.

Qual a importância de um currículo comum? Que aspectos o Brasil não pode esquecer de incluir nas diretrizes do currículo para educação infantil?

Um currículo comum pode servir para estipular as expectativas e para dar à sociedade uma ferramenta para exigir que o setor público cumpra com o esperado. Um currículo também pode servir como uma plataforma ou veículo para garantir as disciplinas básicas e importantes, assim como uma devida atenção às habilidades socio emocionais, o funcionamento executivo, resolução de conflitos e outros que os empregadores de hoje exigem de seus empregados. Mas se não temos docentes qualificados para entregar o currículo, o currículo em si não serve para nada. Um dos investimentos mais importantes que se tem que fazer ao elaborar e implementar um novo currículo é capacitar os docentes para entregá-lo de maneira efetiva e para que sejam gerados os resultados esperados. Se não, é impossível que o currículo sirva como um motor de mudança, de reforma ou de melhora. Também, qualquer reforma curricular deve estipular metas de aprendizagem para cada grau e cada nível, e ir mão a mão com os indicadores para medir e avaliar sua implementação. Novamente, para cada grau e nível, incluindo a educação infantil que, até a data, não conta com nenhum sistema nacional de avaliação de aprendizagem. A avaliação nacional de educação infantil em discussão agora só contempla a avaliação de métodos e não de aprendizagem.

De acordo com sua experiência, quais os principais desafios dos países latinoamericanos, especificamente Brasil, na educação?

Qualidade, qualidade, qualidade. Qualidade que se traduz em mais e melhor aprendizagem, em melhor produtividade e em desenvolvimento do país.