Vista de Vargem Grande, do Santuário Montserrat Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

Prefeitura apresenta projeto de urbanização das Vargens e novo PEU

Nova linha de BRT e transporte aquaviário são propostas

Vista de Vargem Grande, do Santuário Montserrat - Guilherme Leporace / Agência O Globo

por Lucas Altino

RIO - Desde meados do ano passado, a prefeitura, por meio de parceria público-privada, elabora um plano para urbanizar, qualificar e ordenar a ocupação da área do PEU das Vargens (Vargens, Camorim, e parte do Recreio, além de um pequeno trecho de Barra e Jacarepaguá), região que representa 23,99% do terreno de todo o município. Apesar de informações básicas sobre a intenção do projeto terem sido divulgadas, detalhes e estudos de base eram um mistério para a população. Nas últimas duas semanas, O GLOBO-Barra acompanhou as três primeiras audiências públicas sobre o assunto. Já estão marcadas outras duas.

O projeto

Reunião na Câmara de Vereadores - Divulgação

Com propostas arrojadas, como transporte aquaviário, milhões de metros quadrados destinados a áreas verdes, novo corredor de BRT e 160 quilômetros de ciclovia, a Operação Urbana Consorciada (OUC) das Vargens, estudo feito pelo consórcio formado pelas construtoras Odebrecht e Queiroz Galvão, chama a atenção. E suscitou críticas. A ausência de menções à habitação social, as dúvidas sobre o financiamento e o fato de o novo Plano de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens, que determina parâmetros urbanísticos de construção no local, ter sido incluído no mesmo projeto de lei que trata da OUC foram alguns dos questionamentos de moradores e parlamentares nas primeiras audiências.

Em julho de 2015, a prefeitura publicou um Procedimento de Manifestação de Interesse, convocando empresas candidatas a participar do projeto a elaborar uma análise do que seria necessário fazer na região. No mês seguinte, a Secretaria Especial de Concessões e Parceiras Público-Privadas (Secpar) aprovou a proposta de Odebrecht e Queiroz Galvão, que fizeram estudos ao custo de R$ 12 milhões, finalizados em dezembro passado. O projeto faz parte do programa Em Frente Rio, que reúne dez propostas de obras de mobilidade, infraestrutura, saneamento e logística na cidade.

Em paralelo, as secretarias municipais de Urbanismo, Obras, Meio Ambiente e Transporte, junto com Rio Águas e o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, elaboravam a nova proposta do PEU das Vargens. Iniciado há mais de dois anos, o texto foi finalizado junto com o projeto da OUC. E ambos foram enviados à Câmara dos Vereadores como o Projeto de Lei 140. O PEU foi revisto porque o de 2009, alvo de duras críticas, está suspenso desde então. Os parâmetros anteriores permitiriam adensamento considerado insustentável por especialistas.

O titular da Secpar, Jorge Arraes, explicou que a fragilidade ambiental das Vargens serviu de diretriz à proposta.

— A situação pedia um estudo aprofundado. O lema é preservar e desenvolver. Sabemos que o momento econômico não é favorável, mas a operação é de longo prazo — disse Arraes durante a primeira audiência pública, na Câmara dos Vereadores.

A operação seria semelhante à feita no Porto Maravilha, isto é, as transformações urbanísticas seriam viabilizadas através da arrecadação com a comercialização de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs). Segundo a Secpar, a expectativa de receitas é de R$ 9.040.050, com um estoque inicial de 13.909.000m² para venda. Cada Cepac seria vendido por R$ 650. No porto, a unidade custou R$ 545.

— São números estimados. Ainda não sabemos se o leilão terá lote único, como foi no porto (um fundo gerido pela Caixa Econômica Federal adquiriu os Cepacs do Porto Maravilha), até pela situação do país. Podem ser leilões parciais, por exemplo — disse Arraes.

Críticas e sugestões

Cartazes de protesto foram espalhados na audiência pública de Vargem Grande - Analice Paron / Agência O Globo

O projeto não convenceu todos. A principal reclamação foi a reunião de dois projetos na mesma lei. Na segunda audiência, a Federação de Associações de Moradores do Rio (FAM-Rio) pediu a suspensão do processo de discussão, pois os estudos que subsidiam a proposta não foram previamente disponibilizados para a população. A presidente, Sônia Rabelo, também reclamou da falta de menção à habitação social no projeto.

Na Associação de Moradores de Vargem Grande (Amavag), uma comissão foi montada para acompanhar o processo. Após analisar as propostas, o grupo destacou oito pontos, entre reivindicações e pedidos de esclarecimento: querem mais detalhes sobre o possível reassentamento de moradores de comunidades; a separação do PEU e da OUC; estímulo à concessão do direito real de uso, através de atividades comerciais, serviços e indústria caseira; flexibilização da legislação de exigência de urbanização que impede a legalização de pequenos empreendimentos; liberação de licença para construção na coluna 1 do PEU; regulamentação da PL160, que trata da regularização de condomínios nas Vargens; representatividade da Associação de Moradores de Vargem Grande no conselho consultivo da OUC; e um canal de comunicação com os responsáveis.

Representante dos moradores no processo do PEU das vargens - Analice Paron / Agência O Globo

Para o arquiteto Canagé Vilhena, o projeto de lei trata de duas questões diferentes:

— Legislação sem participação popular não pode ter eficácia social. Quais os princípios que permitem concluir que se pode construir três, seis ou oito pavimentos? Ninguém sabe.

Na terceira audiência pública, no Colégio Vargem Grande, cartazes com frases como “morador não é investidor” foram espalhados. Na ocasião, o recém-formado grupo Articulação Plano Popular das Vargens foi apresentado por uma de suas fundadoras, Mariana Bruce:

— Não concordamos com a privatização da nossa região. Não se sustenta um projeto de adensamento populacional aqui. Temos que lembrar que o equilíbrio ecológico do Rio depende muito das Vargens.

Durante as audiências, representantes de incorporadoras também fizeram sugestões, como o pedido de flexibilização do gabarito em zoneamentos específicos e o abatimento do valor do Cepac para casos que necessitam de obras prévias de urbanização. Ambientalistas, do outro lado, diziam que um aumento de permissividade para edificações seria extremamente prejudicial.

Mobilidade

A proposta de mobilidade

Previsão é integrar diferentes meios de transporte

BRT TransOlímpica

BRT TransCarioca

BRT TransOeste

BRs

Novo BRT

Transporte

Aquaviário

Terminais

Propostos

Fonte: Operação Urbana Consorciada

Editoria de Arte

A proposta de mobilidade

Previsão é integrar diferentes meios

de transporte

BRT TransCarioca

BRT TransOlímpica

BRT TransOeste

BRs

Novo BRT

Transporte Aquaviário

Terminais Propostos

freguesia

Terminal Centro

Olímpico

Est. dos

Bandeirantes

Terminal

Amorim

Terminal

Bandeirantes

parque

olímpico

Terminal Veneza

Carioca

Barra da

Tijuca

Terminal

Alvorada

Terminal

Benvindo

Terminal

Recreio

Terminal

Américas

Recreio dos

Bandeirantes

Terminal

Grota Funda

Terminal

Praia

Fonte: Operação Urbana Consorciada

Editoria de Arte

As duas primeiras audiências públicas foram na Câmara dos Vereadores e divididas por temas: mobilidade e meio ambiente, na primeira; e operação e infraestrutura, na seguinte. Os estudos de mobilidade realizados pelo consórcio formado por Odebrecht e Queiroz Galvão para a Operação Urbano Consorciada (OUC) nas Vargens têm duas grandes novidades: a presença de uma linha de BRT, já apelidada de Transvargens; e de transporte aquaviário, este ainda um projeto longínquo, já que depende de outros fatores, como a dragagem dos canais da região.

O novo corredor de BRT teria 21 quilômetros e ficaria pronto para ser transformado, no futuro, em VLT. A linha teria integração com o Transoeste e correria paralelamente a ele até se ligar ao Transolímpico, na altura da Ilha Pura. O caderno de propostas do PEU das Vargens cita apenas o VLT como alternativa de mobilidade, porém, técnicas da Secretaria municipal de Urbanismo explicaram, nas audiências, que o BRT também é uma possibilidade.

O transporte aquaviário aproveitaria as dezenas de canais da região e iria até a Lagoa de Jacarepaguá. Diferentemente do Transvargens, que seria complementar ao sistema viário já em operação, precisaria de uma nova concessão. Os estudos do consórcio detalham ainda uma ampla rede de ciclovias, com 160 quilômetros (quase metade de toda a rede existente na cidade hoje), com 500 bicicletários ao longo do trajeto, e uma série de BRSs nas principais vias da região, como a Estrada dos Bandeirantes.

Proposta de ponto de transporte aquaviário - Divulgação

O especialista Willian Aquino, contratado pelo consórcio para desenvolver os estudos de mobilidade, explicou que a região não será como um “bairro de passagem”.

— Não estamos contemplando vias expressas. A ideia não é atrair o deslocamento em carros, mas sim em transporte público e bicicletas — explicou ele, que também opinou sobre uma possível rede de VLT. — Para ser sustentável, o VLT deveria cobrir toda a Barra, e não só Vargens.

Na terceira audiência, em Vargem Grande, o foco foi o novo PEU.

Infraestrutura

Passeios seriam padronizados - Divulgação

O desenvolvimento de infraestrutura proposto pelo consórcio foi dividido em sete temas principais: drenagem, esgoto, água, elétrica, iluminação, gás e telecomunicações. O saneamento básico, um dos principais problemas hoje nas Vargens, recebeu atenção especial durante as audiências públicas. O plano, mais uma vez com números superotimistas, cita redes de 260 quilômetros de esgoto e 470 quilômetros de abastecimento de água. Se concretizado, Sérgio Dias, ex-secretário municipal de Urbanismo, cujo escritório foi responsável pela elaboração dos estudos, diz que seria o primeiro caso de uma região totalmente coberta por esgoto na cidade.

A todo momento, técnicos citavam o caso do Porto Maravilha como inspiração para a infraestrutura das Vargens. Os passeios padronizados foram um exemplo. Ernani Costa, que atuou nos dois projetos, explicou que o esgoto das Vargens seria ligado à nova estação de tratamento da Barra, criada pela Cedae, em frente ao Parque Olímpico. Além disso, haveria 18 estações elevatórias espalhadas pelas Vargens.

A sustentabilidade também se faz presente no plano, que prevê iluminação inteligente, com sensor de presença; aproveitamento da água da chuva; e instalação subterrânea de rede de telecomunicações.

Parâmetros urbanísticos

Adensamento proposto pela secretaria de urbanismo - Divulgação

Incluído no mesmo projeto de lei da Operação Urbano Consorciada, o novo PEU das Vargens foi elaborado em um trabalho de cerca de dois anos desenvolvido pelas secretarias municipais de Urbanismo (SMU), Obras, Meio Ambiente e Transporte, junto com Rio Águas e Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. Os novos parâmetros para a região foram redefinidos após a percepção de que o PEU de 2009, até agora suspenso, resultaria num adensamento inconcebível para o local.

A SMU, representada nas audiências públicas pela secretária Maria Madalena Saint Martin, pela gerente da AP4 Estela Fontenele e pela coordenadora-geral de planejamento urbano Glória Torres, deixou claro que a nova proposta buscou, nos parâmetros de adensamento, fazer uma média entre os índices do Jardim Oceânico e do Recreio. Com isso, o adensamento máximo projetado foi de 320 habitantes por hectare. O número no Jardim Oceânico é de 262; e, no Recreio, de 393. Com o PEU de 2009, esse índice seria de 547 nas Vargens, o que faria desta a área mais populosa de toda a AP4.

A diretriz básica da proposta é o Índice de Aproveitamento de Terreno (IAT) básico de 1. Esse índice estabelece quanto de uma determinada área pode receber construções. Em alguns zoneamentos, o número pode chegar a 1,5, através de outorgas.

— Nós utilizamos os zoneamentos já definidos pelo último PEU. O que mudamos foi a redução do IAT de uma forma geral. Assim, respeitamos melhor a fragilidade ambiental da área — explicou Estela Fontenele.

Meio Ambiente

Parques seriam criados nas margens dos canais - Divulgação

"Hoje já vivemos um holocausto ambiental”. Assim o biólogo Mario Moscatelli, contratado pelo consórcio para realizar os estudos de meio ambiente da proposta de OUC, definiu a situação da cidade, em especial na Baixada de Jacarepaguá, que abrange as Vargens. A fragilidade da região nesse aspecto foi um dos principais temas abordados. As principais propostas apresentadas são recuperar a Praia da Macumba, que seria oficializada como uma “praia das Vargens”; realizar a macrodrenagem de 40 quilômetros de canais e criar parques lineares e centrais.

Na Praia da Macumba, a intenção é construir um molhe, como há no Quebra-Mar da Barra, que possibilitaria a navegabilidade dos canais, diminuiria a possibilidade de poluição do mar e “renaturalizaria” a praia, que hoje sofre com o encurtamento da faixa de areia em dias de ressaca.

— O calçadão construído no local avançou sobre a areia. O molhe ajudaria num engordamento da praia, que nada mais é do que o aumento da faixa de areia. A Praia da Macumba seria qualificada, e seu potencial de lazer e turismo poderia ser mais bem aproveitado — explicou o oceanógrafo David Zee, também contratado pelo consórcio.

O conceito ambiental do projeto, explica o especialista, foi de trazer a perspectiva de inovação de tecnologia ambiental, para que a região se torne sustentável.

— A edificação por si só não torna uma cidade viável ou funcional. Tudo depende dos equipamentos urbanos, e a maioria nas Vargens está relegada. Quando o adensamento populacional era pequeno, o poder público não dava tanta atenção, mas agora planejamos uma infraestrutura urbana, com redes de energia elétrica, água pluvial, esgoto e telecom subterrâneos, como é numa cidade moderna. Estamos preparando o local para o futuro.

Molhe ajudaria a renaturalizar a Praia da Macumba - Divulgação

Dentro das Vargens, parques contribuiriam para a preservação das áreas verdes. Os planos do consórcio são ousados, com 1,5 milhão de metros quadrados de parques lineares, com desenhos inspirados no Parque Madureira; e 650 mil metros quadrados distribuídos em quatro parques centrais. Os lineares seriam feitos nas faixas marginais dos rios, o que auxiliaria também na preservação destes. O plano ainda prevê uma árvore a cada dois metros e meio nas ruas.

A proposta dos parques lineares, porém, entra em conflito com outra questão: a presença de diversas comunidades nas faixas marginais de rios. O consórcio, assim como o novo PEU, prevê a remoção de parte delas, mas não detalha quais nem como isso seria feito. O fato foi lembrado durante as audiências públicas. A professora de Planejamento Urbano da UFRJ Ana Lúcia Nogueira destacou a falta de detalhamento das remoções:

— Louvo a proposta dos parques, mas isso tem um custo alto. Quem vai assumir isso? Como será o reassentamento?