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Piratas na raia olímpica: bandidos roubam barcos na Baía de Guanabara

Onda de furtos a embarcações atinge até locais que receberão delegações

Barcos atracados em vagas molhadas do Clube Naval: piratas não poupam os cenários dos Jogos Olímpicos e têm sido vistos roubando embarcações à noite
Foto: Analice Paron
Barcos atracados em vagas molhadas do Clube Naval: piratas não poupam os cenários dos Jogos Olímpicos e têm sido vistos roubando embarcações à noite Foto: Analice Paron

NITERÓI - Noite de 10 de abril, orla de Charitas. Na paisagem escura, salpicada de pequenos pontos de luz ao fundo e marcada pelo harmônico balançar de barcos, o lento movimento de um deles entre os demais sugere a dureza e a solidão do trabalho no mar. Naquela noite, porém, pode ter sido o lastro de mais um ataque pirata na área. Discretos e silenciosos, vestidos com toucas ninja e trajes escuros — segundo relatos —, os piratas modernos aproximam-se em barcos com motor desligado e se valem da escuridão para saquear outras embarcações. A comunidade de navegadores estima que este ano já houve dezenas de ataques e furtos a embarcações atracadas ou fundeadas junto às marinas e aos clubes náuticos nas orlas de Jurujuba e Charitas, a maioria nos meses de março e abril.

O elevado índice de furtos especializados contra alvos tão restritos e localizados representa não apenas um desafio para a polícia, mas esbarra na segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, uma vez que ameaça a tradicional e prestigiosa comunidade de iates clubes do Rio e de Niterói que acolherá atletas e delegações internacionais nas Olimpíadas. Os alvos dos piratas são motores, geradores, botes, acessórios e equipamentos de sonar e GPS. Em alguns casos, são levados também objetos de pouco valor, como as boias de proteção lateral das embarcações e até coolers com bebidas e comidas.

TESTEMUNHA POR ACIDENTE

O trader Guilherme Fuchs quase esbarrou com os criminosos no dia 10 de abril. Ele percebeu que uma lancha circulava em torno de seu veleiro, ancorado numa marina particular em Jurujuba, mas não imaginou que poderiam ser ladrões.

— Eu estava num outro barco e vi uma lancha circulando perto do meu veleiro, a poucos metros. Acendi a luz do barco em que estava, e eles foram embora. Apaguei, e eles voltaram. Eu acendia, e eles se distanciavam. Acabei indo para casa, mas, ao voltar, no dia seguinte, constatei que haviam levado o motor de popa do meu veleiro — conta Fuchs, que mora em Charitas e estima um prejuízo de R$ 10 mil. — Na mesma noite, saquearam também a lancha de um vizinho e outros barcos perto dali.


Barco de pescas, veleiros e lanchas em Jurujuba
Foto: Analice Paron
Barco de pescas, veleiros e lanchas em Jurujuba Foto: Analice Paron

Outra vítima da pirataria, o empresário André Victor do Espírito Santo passou por uma experiência mais perigosa e angustiante naquela mesma noite. Ele chegou em sua lancha às 22h30m e, por volta de 1h30m, ligou a TV e o ar-condicionado da cabine e se deitou. De madrugada, enquanto dormia, os criminosos levaram o bote de apoio que estava preso à popa de sua lancha:

— Dormia com frequência no barco. Agora, não mais. Não há segurança alguma na orla, nem nos clubes, principalmente no Naval. Há meses vemos isso acontecer, e só esta semana colocaram um farol para melhorar a iluminação.

Também navegador, Rodrigo Chaudon não tem mais sossego desde que soube que uma lancha ao lado da sua foi saqueada mês passado em Jurujuba.

— Disseram que três caras encapuzados passaram por vários barcos e levaram o que puderam. E isso numa área que será usada e frequentada por delegações olímpicas — relata, indignado. — A gente tinha certa tranquilidade. Agora, não pode deixar nada de valor no barco.

O relato de Chaudon coincide com o de pescadores que dizem ter visto homens pulando de um barco para outro na escuridão.

— O pessoal aqui fala até em armar emboscada para acabar com isso — conta Luiz Paulo.

Hoje, a segurança nas águas da orla da baía parece depender da sorte de cada um. O comando do 1º Distrito Naval da Marinha do Brasil, em nota, informa que os furtos de equipamentos de embarcações atracadas em marinas e clubes náuticos ou fundeadas em suas proximidades são da competência daquelas entidades e dos órgãos de segurança pública. O 12º BPM alega que realiza apenas o patrulhamento por terra, no entorno das marinas, com motos e viaturas policiais.


Enseada de Charitas
Foto: Analice Paron
Enseada de Charitas Foto: Analice Paron

— Isso explica por que tem pirataria — comenta surpreso Mario Andrada, diretor de comunicação do Comitê Rio 2016. — É lamentável que isso esteja ocorrendo. É algo que entristece, mas não afeta diretamente os Jogos. As embarcações não ficam no mar, são retiradas e guardadas depois — acrescenta, lembrando que todas as forças de segurança estarão no Rio durante os Jogos Olímpicos.

A tradição nos esportes náuticos trouxe a Niterói oito delegações de vela — Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, Irlanda, Itália, Polônia, Nova Zelândia e Suíça — para aclimatação e treinamento pré-olímpico. O Clube Naval de Charitas, o Projeto Grael, o Jurujuba Iate Clube e o Iate Clube Brasileiro estão entre os centros que recebem os navegadores.

CLUBES TÊM SISTEMAS PRÓPRIOS DE SEGURANÇA

Embora a enseada de Jurujuba concentre a maior parte dos casos levantados pelo GLOBO-Niterói, os clubes também estão preocupados. O vice-diretor de náutica do Clube Naval de Charitas, Jorge Salabert, conhece os relatos de furtos na região de Jurujuba, mas diz que o clube garante a segurança de associados e equipamentos e também das delegações olímpicas que atualmente utilizam suas instalações.

Em nota, o Clube Naval de Charitas trata como “suposta” uma ocorrência de furto dentro de sua área. Acrescenta, entretanto, que o associado envolvido está suspenso, cumprindo sanção por problemas de caráter disciplinar e que o roubo carece de comprovação. Ainda de acordo com o clube, vigias treinados patrulham todas as áreas, ininterruptamente. Graças a um centro de monitoramento com 80 câmeras são gravadas imagens de todas as instalações do local. O Jurujuba Iate Clube, em nota, informa que não tem conhecimento de roubos de embarcações na área de propriedade privada do clube.

A Polícia Civil confirma que houve registro de furto numa embarcação este mês no Clube Naval, e registro fora da área do clube, em Jurujuba. Não foi possível levantar, no entanto, o total de ocorrências porque elas são tipificadas sem menção a barcos. Os registros se misturam a 2.213 furtos ocorridos na área do 12º BPM no primeiro trimestre e a 131 na 79ª DP (Charitas).