Economia

Brasil diz que FMI ‘carrega muito na mão’ na crítica à política fiscal

Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, rebate críticas e diz que país conseguiu ‘excelentes resultados’ do superávit primário, mesmo com crise

WASHINGTON - O governo brasileiro considera sem fundamento a crítica do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que a política fiscal vem sendo sistematicamente corroída, perdeu credibilidade e significa um desequilíbrio para a economia atualmente. Na capital americana para reunião com autoridades dos EUA e do próprio Fundo, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, defendeu que o Brasil faz há 15 anos “um dos maiores superávits primários do mundo”, mesmo em meio aos efeitos da devastadora crise financeira de 2008 sobre as receitas, melhorou a estrutura do endividamento e reduziu a menos da metade a dívida líquida como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). O FMI, disse Holland, está exagerando.

- Não tem, em hipótese alguma no Brasil, a preocupação com a questão fiscal. O FMI carrega muito na mão nesta discussão (fiscal), desnecessariamente. O principal problema fiscal deve estar em outros países, que estão sofrendo com relação dívida/PIB de mais de 100% do PIB. O Brasil tem uma relação de dívida bruta em torno de 59% e com o compromisso de resultado primário superior ao requerido (para reduzir a relação dívida líquida/PIB). Mesmo em ambiente de crise nós conseguimos excelentes resultados primários, reduzir a relação dívida líquida/PIB e crescer 3,1% em média entre 2007 e 2012, cima da média mundial inclusive. A taxa de desemprego no Brasil caiu e colocamos o investimento como variável extremamente importante, lançamos programa de concessões e o PAC vem fazendo suas realizações - afirmou Holland.

O secretário disse que o Brasil, nos últimos dez anos, entregou um superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) entre 2% e 3,8%, com média de 3,1% do PIB no período. Com isso, reduziu a dívida líquida de 68% para 30% do PIB. A dívida bruta, disse ele, mesmo com o crescimento acentuado das reservas internacionais (cujas operações são lastreadas na emissão de títulos públicos) e os empréstimos aos bancos federais, oscilou entre 56% e 59%.

- Tá longe de qualquer discussão de solvência ou endividamento. Temos solidez - enfatizou o secretário.

Segundo ele, o Fundo, em sua metodologia de cálculo da dívida pública, superestima as operações intra-governo, como as emissões para as reservas e para capitalização de estatais e o reforço de caixa dos bancos públicos, que têm contrapartidas contábeis da mesma magnitude, pois também entram como ativos na equação. Por isso o indicador que o organismo calcula para o Brasil está em 69%. Holland manterá reuniões até sexta com o Fundo sobre o aperfeiçoamento do conceito de dívida pública, mas demonstrou pouca disposição do Brasil em alterar radicalmente sua fórmula. A dívida líquida considera só as chamadas operações compromissadas, débito propriamente dito.

Holland defendeu ainda que não falta transparência às contas públicas brasileiras e que todos os mecanismos utilizados no abatimento da meta de superávit e as operações com bancos públicos e empresas estatais foram detalhadamente publicadas em documentos do governo e no Diário Oficial:

- O que temos dito é que, qualquer medida que possa parecer à sociedade e ao mercado confusa, vamos a público explicar.

O governo também discorda da avaliação do FMI de que o programa de estímulos e o ciclo de empréstimos aos bancos públicos devem ser imediatamente encerrados. Holland lembrou que o governo reagiu de forma anticíclica devido aos problemas impostos à economia brasileira pela crise nos países avançados e firmou que “é orientação de política econômica” reduzir gradualmente os repasses às instituições, “até porque o BNDES estará mais envolvido com o financiamento de infraestrutura”. Ele salientou ainda que os estímulos à economia - como os subsídios a investimentos produtivos - têm sido um sucesso e são focados no lado da oferta, com o objetivo de aumentar o produto potencial brasileiro (crescimento que não gera inflação e gargalos).

- São investimentos que são pagáveis ao longo do tempo. A literatura é ampla sobre isso, você aumenta o recolhimento de impostos - disse o secretário.

O Brasil também considera equivocada a avaliação do FMI de que apenas recentemente o governo se preocupou com a ampliação significativa dos investimentos na economia e, como consequência, com a imposição de um freio à expansão da demanda. Segundo Hollande, enquanto o PIB cresceu uma média anual de 3,6% entre 2003 e 2012, a taxa de investimento subiu 5,7% e o consumo, 4,3%.

Fundo não considerou aumento de investimento, diz secretário

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está em vigor desde 2007, destacou o secretário, bem como programas como o Minha Casa Minha Vida e medidas de redução do custo de se investir no país, com impacto sobre produtividade. Ele destacou ainda que setores como o agropecuário e de petróleo e gás também vêm fazendo elevados desembolsos e que o Programa de Investimento em Logística (concessões de infraestrutura) complementa os esforços.

Para Holland, o FMI se prendeu a um contexto defasado e deu pouca atenção a desdobramentos recentes, como a aceleração, nos 12 meses encerrados em agosto, da produção de bens de capitais (máquinas e equipamentos), com expansão média de 10% ao mês. Não por menos, destacou, o mercado já projeta uma alta entre 6% e 6,5% este ano nos investimentos, contra crescimento de 2,5% da economia em geral.

- Com esses dados quero demonstrar que o investimento já vinha crescendo e que este balanceamento (entre consumo e investimento) já estava acontecendo e não foi levado em consideração - ressaltou o secretário.

Holland minimizou também o corte de 0,75 ponto percentual que o FMI fez no crescimento potencial do Brasil, para 3,5%. Este indicador, defendeu, é um artifício estatístico que é fortemente influenciado pelos resultados mais recentes, ou seja, há peso maior do 0,9% de expansão do PIB em 2012 do que dos 7,5% registrados em 2010.

- O Brasil tem demonstrado, em relação à média histórica, um deslocamento para cima do crescimento. Eram 2,5% nos anos 80 e 90, na primeira metade dos 2000 foi a 3,5%, na segunda metade chegou a 4%. No longo prazo, nosso potencial tem crescido e podemos elevá-lo ainda mais - afirmou o secretário.

Um último ponto de discordância é em relação ao comportamento da inflação. Na avaliação do governo do Brasil, o período de pressão inflacionária foi fortemente influenciado pelos alimentos, devido a quebras de safra e outros eventos climáticos dentro e fora do país. Quando o IPCA chegou a 6,6% acumulado em 12 meses, disse o secretários, os alimentos respondiam entre 40% e 50% do índice oficial. Em setembro último, porém, o impacto não foi de 10%. Holland acredita ainda que, devido à metodologia, o FMI também exagera o efeito do mercado de trabalho aquecido sobre os preços.

- Grande parte dos riscos para a inflação já passou. Já temos deflação em alimentos. O Fundo ficou muito preso à avaliação do que ocorreu no segundo semestre de 2012 e no primeiro de 2013 - disse Holland.