Economia

Economia dos EUA engata recuperação, mas desemprego continua alto e famílias estão endividadas

Recuperação completa só deve ocorrer em 2015, sete anos após crise global

WASHINGTON - Cinco anos após alterarem o eixo da economia global, como epicentro da mais grave crise financeira internacional em oito décadas, os EUA escaparam da beira do abismo e ressurgiram como locomotiva da recuperação mundial. Com um receituário ancorado no ativismo estatal — com resgate pela Casa Branca de bancos e empresas, por meio do Programa de Ajuda para Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), um pacote de estímulo de mais de US$ 2 trilhões e um inédito programa de injeção de recursos no mercado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) —, os EUA impuseram limites ao sistema financeiro e crescem há nove trimestres consecutivos.

Além disso, o país registra contratação de trabalhadores há 42 meses, experimenta renovação de fôlego no arrasado mercado imobiliário e é a única economia no mundo em retomada sólida. Mas, como um paciente que passou pela UTI, os EUA ainda precisam de tratamento, dizem analistas. A recuperação completa é esperada só para 2015 e uma lista de desafios foi acentuada pela Grande Recessão. Enfrentá-la definirá o futuro da maior potência do planeta.

— A economia americana ainda está no conserto. As perspectivas são boas. Mas, cinco anos depois, o desemprego permanece muito alto, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) cresce abaixo do ideal e o mercado imobiliário apresenta constrangimentos. O fato de os EUA não estarem completamente curados prova a severidade da crise que enfrentaram — diz Gian-Maria Ferretti, chefe da missão de avaliação dos EUA do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O banco de investimentos Lehman Brothers sucumbiu em 15 de setembro de 2008, iniciando nos EUA uma turbulência devastadora. A explosão da bolha imobiliária, no verão de 2007, derrubara preços de imóveis e elevara consideravelmente o endividamento das famílias e a inadimplência. Houve um efeito dominó na economia, uma vez que o risco da farra do crédito fora compartilhado, mediante instrumentos financeiros tão complicados quanto frágeis, sem qualquer regulação.

Empresas seguram US$ 1,7 tri em investimentos

A Casa Branca e o Fed intervieram, mas não evitaram dois anos de recessão — o PIB caiu 0,34% em 2008 e 3,1% em 2009 — e viram a taxa de desemprego dobrar, de 5% em 2007 para 9,9% em 2009. A renda do trabalhador estagnou e nove milhões de pessoas foram jogadas abaixo da linha da pobreza. Com a queda das Bolsas (afetando a poupança para aposentadoria) e dos preços das residências, principais ativos dos americanos, as famílias haviam perdido US$ 16 trilhões no início de 2009, auge do caos, em relação ao melhor momento antes da crise. Ainda estão US$ 1 trilhão mais pobres do que quando entraram na turbulência.

— De 18 meses para cá, a crise propriamente dita foi superada. Mas a economia ainda sofre efeito do choque. Há três desafios a curto prazo: encerrar o processo de equilíbrio das finanças das famílias; recuperar o ímpeto de investimentos das empresas; e fortalecer o mercado imobiliário — diz Kevin Logan, economista-chefe para EUA do HSBC.

Um dos principais motivos para a recuperação ainda lenta da economia americana é o alto desemprego. A taxa de desocupação está em 7,3%, acima dos 6,5% considerados ideais pelo Fed. Há muito subemprego e a renda não reagiu.

Além disso, a população está excessivamente no vermelho. As dívidas, entre 2001 e 2008, década de exuberância econômica, passaram de 95% para 130% da renda total. O consumo das famílias, que representa mais de 70% do PIB, continua desapontador e deve subir apenas 2% este ano:

— Foram sete anos criando dívidas, já são cinco pagando, então ainda levará mais uns dois anos para o processo acabar — diz Logan.

Este cenário complica o ímpeto de investimento das empresas. Historicamente, a taxa de investimento nos EUA é de cerca de 20% do PIB. A crise a derrubou para 14,7% em 2009 e hoje está um pouco acima de 16%. O mundo corporativo tem US$ 1,7 trilhão parado no caixa, diz o Fed.

Nos próximos 12 meses, dizem os analistas, começará outro teste de fogo para a economia americana: a redução gradual dos estímulos do Fed. Para Kenneth Rogoff, professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, a medida é precipitada: a inflação está baixa o suficiente e o desemprego, alto. A mudança de rumo significará ainda o fim da era do dinheiro fácil e barato para os agentes de mercado. O economista Douglas Elliott, do Brookings Institution, diz que, neste período, investidores assumiram riscos excessivos. Só o anúncio dos planos do Fed fez especuladores anteciparem que as apostas terão de mudar e começarem a vender papéis. Se virar uma espiral, pode haver novas turbulências:

— Os amortecedores hoje são muito maiores, em termos de capital e provisionamento. Os reguladores também estão muito mais atentos e não vejo bolhas significativas em nenhum mercado. Mas não dá para descartar novas flutuações.