Economia Defesa do Consumidor

Atendimento no país vai muito mal, obrigado

Segundo pesquisa, cliente estaria disposto a pagar até 50% a mais por produto e serviço para ser bem tratado

Atendimento de bares e restaurantes estão na mira do Procon
Foto: Eduardo Naddar
Atendimento de bares e restaurantes estão na mira do Procon Foto: Eduardo Naddar

RIO — A simpatia dos brasileiros, famosa mundo afora, tem sido colocada em xeque quando o assunto é o atendimento no comércio e nas empresas prestadoras de serviço. O tema passou a ser frequente até mesmo no Rio de Janeiro, uma das mais conhecidas cidades turísticas do mundo e que receberá a Copa do Mundo, ano que vem, e os Jogos Olímpicos, em 2016. Enquete publicada no site da Defesa do Consumidor do GLOBO mostrou que a maioria dos internautas (81%) considera o serviço ruim. O atendimento no varejo foi apontado como bom para 17% dos 208 participantes, enquanto apenas 2% disseram ser ótimo.

De tão acostumados a encontrar obstáculos na relação com fornecedores, consumidores dizem estar dispostos até a pagar mais em troca de um atendimento de excelência, como mostrou a pesquisa “Qualidade do Atendimento ao Consumidor no Brasil”.

— Isso foi surpreendente: quase metade afirmou que pagaria de 10% a 40% a mais pelo produto ou serviço. E 6% disseram que aceitariam pagar até 50% mais. Problemas acontecem, mas a maneira como vai agir para resolvê-lo é que distingue uma empresa da outra. Mostrar preocupação com o consumidor é fundamental, especialmente agora, que em cinco minutos é possível falar de uma marca nas redes sociais — disse José Jarbas, coordenador da pesquisa e presidente da eCRM123, de soluções para gerenciamento de clientes.

Problema com produto fica secundário

Falta de informação, mau humor, tratamento grosseiro na hora da troca de mercadorias e dificuldade para solucionar problemas são algumas das queixas mais comuns feitas por clientes como Leonardo Vieira. O problema com a peça, conta Vieira, ficou secundário, diante do péssimo atendimento. Ele comprou uma calça na loja Zara do Shopping Leblon, por R$ 109, em agosto. Pouco mais de um mês depois, em 30 de setembro, a peça rasgou nos lados externo e interno da coxa direita e no gancho. Leonardo estava no Centro da cidade e foi imediatamente à loja, na tentativa de trocar o produto.

— Os vendedores não encontraram o mesmo modelo e a calça social de menor valor custava R$ 40 a mais do que o modelo que comprei. Não bastasse a vergonha de ficar seminu no meio da rua, a gerente, extremamente grosseira, me fez passar outro vexame: fiquei mais de meia hora na loja, descalço e vestindo uma bermuda qualquer da loja, enquanto argumentava que a obrigação da loja, na ausência do produto, era efetuar a troca por outro de valor maior próximo. A gerente contra-argumentou afirmando que eu só tinha duas alternativas: pagar a diferença ou me arriscar a ficar nu pelas ruas do Leblon. Tive que arcar com a diferença — contou Vieira.

A Zara, em nota, disse lamentar os aborrecimentos causados ao cliente. Informa que entrou em contato com ele para esclarecer as questões apresentadas e “está tomando as providencias cabíveis.” A empresa garante priorizar a qualidade e o compromisso do bom atendimento aos seus clientes.

A psicóloga Michèle Intrator contou ter vivido experiência de atendimento semelhante à de Vieira na loja Liz Brunner, em Copacabana. Ela foi destratada ao tentar trocar uma camisola de seda, que custou R$ 170 e se rasgou no primeiro uso:

— Cheguei à loja, contei o que tinha acontecido e a gerente foi inflexível. Além disso, alegou que eu deveria ter feito mau uso do produto. Fiquei indignada. Ela foi grosseira e não teve boa vontade para resolver o caso — disse Michèle, que recebeu do fabricante uma camisola nova.

Elizabeth Pazinatto, gerente da loja, nega problemas no atendimento. Segundo ela, foi apenas um mal-entendido:

— A cliente estava realmente muito chateada. Eu disse que, às vezes, problemas daquele tipo ocorrem porque a pessoa usa, por exemplo, um sabão ou outro produto inadequado. E disse que não podíamos trocar naquele momento porque, como revendedores de uma marca, somos obrigados a encaminhar o produto com defeito para o fabricante analisar. E ela não aceitou — argumentou.

Vício de qualidade

A loja seguiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que estabelece, no artigo 18, até 30 dias para solucionar defeitos em produtos dentro da garantia. Só depois deste prazo, o cliente pode exigir um novo produto do mesmo tipo, entregar a mercadoria e receber o dinheiro de volta ou ter desconto no preço. Entretanto, nada impede que o fornecedor tenha uma atitude mais flexível para deixar o cliente satisfeito, conforme destaca a advogada Mariana Ferraz, coordenadora de Educação para o Consumo do Procon carioca:

— No Brasil, a inteligência mercadológica ainda não “pegou”. O consumidor, porém, deve ser cada vez mais crítico e registrar sua reclamação, inclusive se for mal atendido. O atendimento ruim também é considerado um vício de qualidade. Sempre indico que ele primeiro procure registrar a queixa junto à empresa, pelo SAC ou ouvidoria. Se não houver solução, deve procurar um órgão de defesa do consumidor e, em último caso, recorrer à Justiça — explicou a advogada.

Mariana Ferraz faz palestras para empresários e funcionários de hotéis, bares e restaurantes, atendendo à recomendação da Secretaria Nacional do Consumidor para os Procon, com foco na melhora do atendimento.

— A receptividade tem sido muito boa, mas eles desconhecem leis importantes, como a que determina cardápios em português, inglês e espanhol, que precisam estar sempre na entrada do estabelecimento, e a que obriga bares e restaurantes a fornecer gratuitamente água filtrada para consumo do cliente — acrescenta.

Segundo Jarbas, cada cliente insatisfeito que se queixa na internet pode representar prejuízo de até R$ 12 mil para a empresa. O início do problema, porém, pode estar na seleção da equipe de atendimento, ressalta Fátima Mangueira, diretora de uma consultoria de recursos humanos:

— É comum vendedores selecionarem a equipe, sem saber como avaliar competências.

Os números

81% dos internautas avaliaram como ruim o atendimento no comércio, em enquete no site do GLOBO

2% dos participantes da enquete da Defesa disseram que o atendimento no comércio é ótimo

R$ 12 mil é o prejuízo que o consumidor mal atendido pode causar a empresas, diz pesquisa da eCRM 123

90% dos consumidores já tiveram experiência ruim com o atendimento, de acordo com o levantamento

6% dos entrevistados pagariam até 50% mais para ter um bom atendimento, de acordo com a pesquisa

88% dos pesquisados não indicariam para amigos ou parentes a empresa onde foram mal atendidos