Economia

Paralisação vai custar à economia americana US$ 300 milhões por dia, diz IHS

Impacto diário do fechamento deve crescer à medida que afeta a confiança do consumidor e os gastos de empresas e famílias
Estudantes do Corcoran College of Art and Design, que teriam aula na Galeria Nacional de Arte, ficaram do lado de fora devido ao impasse no Orçamento americano. Eles não tinham ideia de que todos os museus nacionais ficariam de portas fechadas Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Estudantes do Corcoran College of Art and Design, que teriam aula na Galeria Nacional de Arte, ficaram do lado de fora devido ao impasse no Orçamento americano. Eles não tinham ideia de que todos os museus nacionais ficariam de portas fechadas Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS

WASHINGTON E SÃO PAULO - Os EUA amanheceram nesta segunda-feira em apagão administrativo pela primeira vez em 17 anos, e as portas do governo federal em todo o país permanecerão parcialmente fechadas por tempo indeterminado, devido à falta de aprovação, pelo Congresso, da lei orçamentária. Republicanos e democratas passaram o dia empurrando a fatura para o outro lado do espectro político, num impasse que já deixou 800 mil servidores de licença, fechou quase mil parques, museus e monumentos nacionais, como a Estátua da Liberdade, e ainda vai atrasar o pagamento da folha e de fornecedores.

A intransigência em Washington sobre a autorização de despesas federais — que a oposição quer atrelar ao adiamento da reforma da Saúde, cujas partes centrais começaram, ironicamente, a vigorar nesta segunda — vai custar US$ 300 milhões por dia à ainda frágil economia, segundo a consultoria IHS. Só em salários do funcionalismo, cada semana represará US$ 1 bilhão em gastos, o que pode frear a recuperação da principal potência do planeta, com consequências globais.

No fim do túnel, a única luz foi o início de uma revolta da ala moderada dos republicanos. Este grupo, até então refém dos radicais nas discussões para autorização temporária de gastos federais, passou a pressionar o presidente da Câmara, John Boehner, a colocar em votação um projeto de lei que libere fundos ao Executivo sem emendas contra a reforma da Saúde, conhecida como Obamacare. Democratas endossariam a proposta, pondo fim ao apagão.

Os moderados consideram que os republicanos estão perdendo a batalha para os democratas aos olhos da opinião pública e amargarão derrota nas urnas se insistirem na conduta obstrucionista. Pesquisa da rede CNN com o instituto ORC apurou que a intenção de voto em democratas deu um salto — vencendo a preferência por republicanos por nove pontos de vantagem — nos últimos cinco dias.

— Republicanos lutaram a batalha justa (contra a Obamacare). A briga continua mas não irá avançar às custas do fechamento do governo, que prejudica a economia e os militares. Chegou a hora de aprovar uma autorização temporária de gastos que reabra o Executivo — disse o deputado Scott Rigell.

Do Senado, vieram palavras de endosso:

— Seria uma lógica turva assumir que indo mais fundo nesse rumo, quando os republicanos serão responsabilizados, vai nos beneficiar — disse o senador pelo Arizona Jeff Flake. — O poder está com os democratas.

Porém, a solução ainda estava longe de ganhar a adesão de Boehner no início da noite desta segunda, pois um confronto aberto com os radicais pode custar sua permanência no cargo. Após o Senado derrubar pela quarta vez projeto da Câmara pela manhã, inclusive uma reunião de negociação entre as duas Casas, os líderes republicanos desenharam nova estratégia, pela qual apresentariam autorizações fatiadas de gastos, começando pela assistência aos veteranos, os parques nacionais e o Orçamento da capital Washington.

A ideia é atenuar o impacto do apagão em áreas de muita visibilidade e demonstrar que a Câmara continua trabalhando por um acordo. Ao mesmo tempo, é uma tentativa de colar nos democratas a pecha de intransigentes e de que a base do presidente Barack Obama quer extrair ganhos eleitorais em 2014. Autorizações fatiadas precisam de dois terços dos votos parlamentares — ou seja, democratas precisam apoiá-las. Como a situação não concorda com a tática, os republicanos querem que ela arque com o ônus da continuidade do apagão.

Mas os três projetos de autorização fatiada dos gastos foram rejeitados pela Câmara na noite desta segunda. De todo jeito, eles representavam uma capitulação parcial: pela primeira vez, a proposta dos republicanos não tinha um ataque direto à Obamacare não foi incluído. Para alguns analistas, é um sinal de que os republicanos buscam uma saída para o impasse. Os democratas, porém, criticaram a tátitca republicana.

— Agora eles estão focando na escolha a dedo de algumas partes do governo de que eles gostam. É outra ideia maluca de republicanos que estão sendo dirigidos pelo Tea Party — atacou o líder democrata no Senado, Harry Reid.

Teto da dívida pode ser novo embate

Afinada, a Casa Branca informou que Obama vetaria autorizações fatiadas, posição considerada “insustentavelmente hipócrita”.

— Esses esforços não são sérios e não são uma forma de administrar. Se os republicanos estão legitimamente preocupados com os impactos do apagão, devem fazer seu trabalho e aprovar uma autorização de gastos sem emendas — disse a porta-voz de Obama, Amy Brundage.

O próprio Obama disse não haver espaço de negociação sobre a reforma da Saúde e que “uma facção de um partido em uma Casa” do Congresso não pode “manter a economia inteira refém de uma cruzada ideológica”.

— Uma grande parte da reforma da saúde está em curso. Está ratificada e veio para ficar — disse Obama. — Não vou ceder a demandas irresponsáveis.

Ele disse ainda que não vai barganhar o aumento do teto da dívida, hoje em US$ 16,7 trilhões, a ser alcançado dia 17, data que pode marcar novo embate entre republicanos e democratas:

— O Congresso já elevou 45 vezes o teto da dívida desde Ronald Reagan. Não custará nem um único centavo aos contribuintes, não é autorização para gastar mais. Um default (calote) seria um apagão econômico. Não negociarei a responsabilidade do Congresso de pagar contas.

Apesar da paralisação, o mercado financeiro teve um dia de ganhos. Na avaliação dos analistas, caso o impasse se prolongue, Federal Reserve (Fed, o banco central americano) poderá adiar o início da redução dos estímulos à economia, o que é avaliado como positivo. Nos EUA, o S&P 500 subiu 0,8%; o Dow Jones, 0,41%; e o Nasdaq, 1,23%. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 1,61%. No Brasil, o dólar comercial subiu 0,58%, a R$ 2,229 na venda. O BC fez seu leilão diário e vendeu todo o lote, totalizando US$ 497,8 milhões. (Colaborou João Sorima Neto)