Economia

‘Quando você envia uma foto do seu pênis por e-mail, a NSA recebe uma cópia’, diz Snowden

Em entrevista a comediante, ex-espião diz que governo dos EUA está coletando fotos íntimas de cidadãos

Refugiado na Rússia, Edward Snowden concede entrevista bem-humorada ao comediante inglês John Oliver
Foto: Reprodução
Refugiado na Rússia, Edward Snowden concede entrevista bem-humorada ao comediante inglês John Oliver Foto: Reprodução

RIO - O ex-analista da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, hoje refugiado na Rússia, concedeu uma entrevista bem-humorada ao comediante inglês John Oliver, que foi ao ar neste domingo. Durante a conversa, que foi gravada em Moscou para o programa “Last Week Tonight”, o entrevistador sugeriu que os americanos só se oporiam à vigilância maciça do governo americano sobre os dados compartilhados na internet se tivessem certeza de que o Estado tem acesso a fotos íntimas suas. A ideia foi reforçada com um vídeo que mostrou diversos transeuntes, em Nova York, afirmando que isso seria uma invasão de privacidade e que, se o monitoramento acontece mesmo, as pessoas devem exigir leis claras sobre privacidade on-line.

— Este é o limite mais claro para as pessoas: o governo pode ver meu pênis? — argumentou o apresentador, sugerindo que a NSA tem acesso a e-mails pessoais dos internautas.

O ex-operador da NSA que divulgou documentos secretos da agência entrou no clima da brincadeira e, entre risadas e afirmações sérias, descreveu como as autoridades podem violar a privacidade das pessoas, inclusive, ter acesso a fotografias indiscretas.

— A boa notícia é que não há um programa [de espionagem] chamado “fotos de pintos”. A má notícia é que o governo ainda está coletando informações de todo mundo, incluindo fotos de seu pênis — respondeu Snowden. — Isso é visto como algo corriqueiro na cultura da NSA, porque você vê fotos de pessoas nuas o tempo todo.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o então presidente americano, George W. Bush, assinou a lei antiterrorismo “Patriot Act”, cujas implicações só foram descobertas pelos americanos em 2013, depois que Snowden revelou documentos que mostram a amplitude da coleta de informações pelas agências de inteligência. A lei foi alterada nos anos seguintes, e hoje quase todos os elementos dela tornaram-se permanentes, com a exceção do famoso “Artigo 215”. Este artigo que continuará vigente até junho autoriza a NSA a coletar informações sobre os telefones chamados, duração e horário das comunicações, sem registrar o conteúdo.

— A NSA tem a maior capacidade de vigilância que já vimos na história — afirmou Snowden na entrevista. — O que ela vai argumentar é que não usa esse poder para propósitos nefastos contra cidadãos americanos. O problema é que ela está usando essa capacidade para nos tornar vulneráveis, só que então dizendo: “Tenho uma arma apontada para a sua cabeça, mas não vou puxar o gatilho”.

Snowden lembrou que a base legal para o monitoramento de cidadãos comuns está na seção 702 da chamada “FISA Amendment Act”, de 2008, e explicou como isso é feito.

— O Artigo 702 permite a coleta de comunicações de internet fora do país. Se você tem uma conta de e-mail hospedada em outro país, ou que em qualquer momento cruze as fronteiras dos Estados Unidos, a foto do seu pênis vai parar no banco de dados — brinca o ex-agente da CIA, antes de explicar melhor a captura de informações privadas: — Quando você manda uma foto íntima por Gmail, por exemplo, aquilo fica armazenado nos servidores do Google. O Google movimenta essas informações de banco de dados para banco de dados sem seu conhecimento, então suas informaçãoes podem ser levadas para fora dos EUA temporariamente. Ou seja, quando você envia uma foto do seu pênis por e-mail, a NSA recebe uma cópia.

Apesar de estar ciente da coleta de dados, Snowden acredita que os cidadãos não devem parar de compartilhar informações privadas por conta da vigilância do Estado.

— Você não deve mudar seu comportamento porque uma agência está fazendo a coisa errada. Se sacrificarmos nossos valores porque estamos com medo, então não ligamos tanto para eles.

‘MATERIAL FOI PASSADO AOS JORNALISTAS’

Apesar do tom de humor, Oliver também fez perguntas duras ao delator, como uma sobre quantos documentos Snowden realmente leu antes de divulgá-los. O entrevistador questionou se não foi irresponsável expor papéis do serviço secreto sem avaliá-los com cuidado.

— Em minha defesa, não estou mais lidando com nada disso. O material foi passado aos jornalistas. Eles estão usando medidas de segurança para que isso seja passado ao público da forma mais segura possível — justificou Snowden.

O apresentador, no entanto, citou o caso de um documento mal editado pelo jornal New York Times em que era possível ler, por baixo da tarja preta inserida pelo veículo, informações confidenciais perigosas.

— Temos que aceitar que alguns erros são cometidos no jornalismo. Esse é o conceito fundamental da liberdade. Você nunca estará completamente livre de risco se não estiver livre — minimizou o refugiado.