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ANS obriga planos de saúde a oferecer 87 novas coberturas em 2014

Medida também obriga que sejam oferecidos 37 medicamentos orais para o tratamento de câncer e 50 exames
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez o anúncio na manhã desta segunda Foto: Jorge William / Agência O Globo
Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez o anúncio na manhã desta segunda Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA — A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou nesta segunda-feira que os planos de saúde individuais e coletivos serão obrigados a oferecer 87 novos procedimentos a partir de janeiro de 2014.  Serão 37 medicamentos orais para o tratamento de câncer e 50 exames, consultas e cirurgias. As alterações são resultado de consulta pública realizada pela agência entre junho e julho. Têm direito às incorporações todos os consumidores de planos contratados a partir de janeiro de 1999, ou adaptados à legislação.

— Isso beneficia diretamente 42,5 milhões de consumidores dos planos de assistência médico-hospitalar e mais de 18 milhões dos planos exclusivamente odontológicos — disse o diretor presidente da ANS, André Longo. — A gente espera reduzir também a judicialização que envolve essas questões a partir dessa medida — acrescentou.

Longo explicou que a principal novidade é a inclusão do tratamento para o câncer em casa, com medicamentos via oral. Segundo a agência, serão ofertados medicamentos para o tratamento de tumores de grande prevalência entre a população, como estômago, fígado, intestino, rim, testículo, mama, útero e ovário.

A atualização da cobertura obrigatória é realizada a cada dois anos. Segundo Longo, a consulta pública teve recorde de participação, com 7.340 contribuições. Dessas, 50% dos consumidores, 16% das operadoras e 15% dos prestadores de serviços de saúde e gestores em saúde.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o novo rol representa uma mudança de paradigma em relação ao que era oferecido tradicionalmente pelos planos de saúde. Ele explicou que as operadoras não eram obrigadas a oferecer assistência farmacêutica fora dos ambulatórios. No entanto, com o avanço do tratamento do câncer, disse, é necessário oferecer novos medicamentos que podem ser administrados em casa.

— Não era obrigatório para os planos de saúde garantir a assistência farmacêutica. Agora, com essa decisão da ANS, a gente tem a compreensão de que esse tipo de tratamento é tão bom para o paciente que tem que ser obrigatório também para os planos de saúde — afirmou Padilha.

O ministro explicou que cada plano de saúde pode adotar a sua forma de distribuição dos remédios. Entre as opções está o ressarcimento para o paciente que pagar pelos produtos.

— Outros (planos) podem se associar a distribuidoras e a farmácias e terão que cumprir regras de segurança desses medicamentos — disse o ministro, que observou que essa distribuição será devidamente acompanhada pelas agências de vigilância sanitária e pela própria ANS.

A advogada Renata Vilhena Silva, especialista em Direito à Saúde, lembra que os medicamentos orais contra câncer são uma demanda antiga dos usuários. Na avaliação da advogada, esta incorporação é uma conquista que terá consequencias positivas no Sistema Único de Saúde (SUS):

— A medida evitará que os consumidores tenham de recorrer à Justiça para terem acesso a esses medicamentos, além de desafogar o Sistema Único de Saúde, pois muitos beneficiários de planos acabavam buscando esses remédios no SUS, diante da falta de cobertura dos planos.

Por outro lado, a ANS mais uma vez limita o número de medicamentos que devem ser cobertos, extrapolando o seu papel de agência fiscalizadora, pondera a advogada. Segundo Renata, cabe à Anvisa autorizar quais medicamentos estarão disponíveis no mercado nacional e os planos de saúde não podem negá-los para o tratamento de uma doença.

As multas previstas para as operadoras que não cumprirem a cobertura obrigatória é de R$ 80 mil. O consumidor pode fazer denúncia ao entrar em contato com o Disque ANS (0800-701-9656) ou comparecer a um dos 12 Núcleos da ANS existentes em todas as regiões do Brasil.

Reajuste dos planos

Padilha afirmou que, se houver impacto no custo das mensalidades dos convênios, ele só será sentido a partir de 2015. A ANS vai analisar, ao longo do ano que vem, o custo da inclusão dos novos procedimentos.

— Historicamente, a inclusão de novos medicamentos e de novas cirurgias não justifica aumentos expressivos dos planos de saúde - observou.

Pelas regras atuais, a ANS estabelece o reajuste apenas para os planos individuais e familiares. Ele é definido com base em critérios técnicos, como a média dos percentuais aplicados pelas operadoras de planos coletivos com mais de 30 vidas – que atendem mais de 80% dos usuários. O ministro disse que, embora a ampliação do rol nunca tenha sido o principal motivo de impacto no custo, a ANS criou um observatório para avaliar algum possível abuso por parte dos planos coletivos nos reajustes.

Segundo André Longo, em 2013, o impacto da ampliação do rol no reajuste foi de 0,7 ponto percentual. Este ano, a ANS limitou em 9,04% o índice de aumento para os planos de saúde médico-hospitalares individuais/familiares de cerca de 8,4 milhões de beneficiários, o que representa 17,6% dos consumidores de planos de assistência médica no Brasil.

— O maior impacto da série histórica foi de 1,1 ponto percentual e o menor foi zero — disse Longo.

Mais consultas

O novo rol de procedimentos, segundo a ANS, contempla também o cuidado integral à saúde e o tratamento multidisciplinar ao prever na cobertura obrigatória consulta com fisioterapeuta, além de ampliar o número de consultas e sessões de seis para 12 com profissionais de especialidades como fonoaudiologia, nutrição, psicologia e terapia ocupacional. Pacientes, por exemplo, que queiram se submeter aos procedimentos de laqueadura, vasectomia, cirurgia bariátrica, implante coclear e pessoas que passaram por ostomia têm direito a 12 sessões de psicologia.

Além disso, foram incluídas 28 cirurgias por videolaparoscopia – procedimentos menos invasivos que reduzem os riscos para o paciente e o tempo de internação. Também estão no rol o tratamento de dores crônicas nas costas utilizando radiofrequência e o de tumores neuroendócrinos por medicina nuclear. Os planos também deverão oferecer bolsas coletoras intestinais ou urinárias para pacientes ostomizados, além dos equipamentos de proteção e segurança, como as barreiras protetoras de pelo. No rol odontológico, passam a constar a realização de enxertos periodontais; teste de identificação da acidez da saliva; e tunelização (cirurgia de gengiva destinada a facilitar a higienização dentária).

Ampliação

Além de realizar as inclusões, a ANS ampliou o uso de outros 44 procedimentos já ofertados no rol da agência. Entre eles está o exame pet scan, que passa de três para oito indicações. Além de tumor pulmonar para células não pequenas, linfoma e câncer colorretal, o exame passa a ser indicado também para a detecção de nódulo pulmonar solitário, câncer de mama metastático, câncer de cabeça e pescoço, melanoma e câncer de esôfago.

Ressarcimento

Padilha disse que, este ano, o SUS registrará um recorde no ressarcimento correspondente a procedimentos feitos em pacientes que pagam planos de saúde. Pela lei atual, o governo pode pedir o ressarcimento das operadoras. Somente no primeiro semestre de 2013, foram devolvidos R$ 84,8 milhões. De acordo com o ministro, no acumulado de 2011 a 2013, serão ressarcidos cerca de R$ 239 milhões – quase o dobro do valor registrado ao longo de uma década.

— Em 10 anos, desde a criação da ANS, até 2010, o ressarcimento total tinha sido de R$ 123 milhões - disse Padilha.

Na avaliação do ministro, a ampliação do rol reduzirá a pressão sobre o SUS. Segundo ele, se o paciente continuar usando a rede pública de saúde para ter acesso aos novos procedimentos de oferta obrigatória pelos convênios, o SUS pedirá o ressarcimento aos planos.

Fraudes

Padilha afirmou que o Ministério da Saúde intensificará as medidas para evitar fraudes no Sistema Único de Saúde (SUS). Ele destacou que, de 2008 a 2012, de um valor de R$ 55 bilhões apurado, o governo identificou mais de R$ 800 milhões em desvios. Uma das novas medidas será a implementação da ficha de internação eletrônica a partir de janeiro de 2014.

— O Ministério da Saúde já desenvolveu desde 2012 um instrumento que coloca na internet o número do cartão SUS. Então, os hospitais e as clínicas já podem utilizar esse instrumento para evitar troca de nomes, duplicidade de informações. A secretaria municipal de saúde pode utilizar esse instrumento para acompanhar e ele passa a ser obrigatório a partir de janeiro de 2014 - explicou.

Abramge pede reajuste imediato do valor das mensalidades

A Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) garantiu que todas as coberturas incluídas serão oferecidas pelas operadoras filiadas. Porém, entende que deveria ser previsto um "ajuste imediato dos valores das mensalidades para compensar o aumento dos custos para as operadoras, acarretado pela inclusão de novas coberturas, que, lamentavelmente, provocará inflação para o usuário final, o que pode agravar a elitização da Saúde Suplementar".

A entidade disse, ainda, que as empresas associadas estão preocupadas com a logística da distribuição dos medicamentos para uso oral no caombate ao câncer, "seja ela direta, por meio de parcerias, ou reembolso aos pacientes. Aspectos como o descarte de medicamentos de unidades não utilizadas, má administração, ou erros no armazenamento e conservação devem ser considerados".

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que reúne 31 operadoras de planos de saúde, defende que a incorporação de novas coberturas obrigatórias seja feita sempre de forma criteriosa, "pois a revisão do rol tem efeito sobre os custos, com previsão do crescimento das despesas assistenciais das operadoras de saúde, e os recursos que mantêm os planos vêm das mensalidades pagas pelos beneficiários".

A FenaSaúde ainda ressaltou que a inflação médica no Brasil, incrementada pela ampliação das coberturas, aumenta a distância entre os custos assistenciais das operadoras de saúde e a inflação geral de preços, que serve de referência para o orçamento de famílias e empresas. Disse também que as incorporações "trazem impactos financeiros representativos, que não podem ser medidos previamente, mas apenas com o acompanhamento da execução dos novos procedimentos, principalmente em relação a medidas mais abrangentes, como a inclusão de medicamentos orais contra o câncer para uso em domicílio".

Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que esteve presente em todas as reuniões técnicas para a elaboração do rol de procedimentos, a ANS deveria regular as exceções e não ditar o que as operadoras devem oferecer aos usuários.

— A lógica do rol está errada, nunca fecha. O objetivo do consumidor ao contratar um plano de saúde é ter a coberura, o atendimento total quando precisar. Não um tratamento pela metade. Mais uma vez, vemos que o interesse público não está sendo atendido - destacou Joana Cruz, advogada do Idec.

Quanto à proposta da Abramge de aumento imediato de mensalidades, Joana Cruz comentou que todas as empresas estão cientes, "há muito tempo", dos ajustes apresentados pela ANS a cada dois anos. Portanto, já deveriam considerar em seus orçamentos a possibilidade de aumento de cuistos. A advogada destacou ainda que, como em qualquer setor, são as empresas que devem arcar com o ônus e os riscos inerentes à atividade que exercem.