Economia

Redução de gastos federais deixa agências reguladoras à míngua

Anatel, Anac e Aneel ficam sem recursos para fiscalização e atendimento

BRASÍLIA - Com a missão de fiscalizar e zelar pela qualidade dos serviços prestados aos consumidores, as agências reguladoras são grandes vítimas dos cortes no Orçamento executados pelo governo federal no segundo semestre. Na tentativa de equilibrar as contas públicas - debilitadas por outras despesas, como gastos previdenciários, sociais e desonerações - os cortes resultaram no bloqueio de boa parte do orçamento das agências, inviabilizando, na prática, em muitos casos, o trabalho de fiscalização desses órgãos, também afetados pelas indicações políticas dos dirigentes.

Juntos, os fundos setoriais das áreas de telecomunicações, energia elétrica, aviação civil e planos de saúde recolhem por ano cerca de R$ 12,5 bilhões em taxas. Este dinheiro é mais do que suficiente para financiar as atividades das agências reguladoras, mas a maior parte desses recursos tem ficado retida nos cofres públicos para ajudar na economia que o governo precisa fazer para pagar os juros da dívida, o chamado superávit fiscal primário.

Com cortes de R$ 73 milhões no orçamento, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ficou sem poder utilizar carros na fiscalização em vários escritórios regionais por falta de recursos. Em vários estados foram rescindidos os contratos de aluguel dos veículos ou os carros estão parados por falta de verbas para comprar combustível. Do total de 27 escritórios, 16 estão nesta situação. O escritório do Rio conta apenas com um veículo. Segundo uma fonte do setor, a agência poderá fechar alguns escritórios regionais por não ter mais como pagar os aluguéis. Com a necessidade de cortar despesas de custeio, a agência acabou reduzindo na prática a carga horária dos funcionários e cortou empregados terceirizados.

Na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o corte de R$ 13 milhões atingiu em cheio as auditorias nas empresas aéreas e oficinas de manutenção e as atividades de certificação de produtos aeronáuticos, prejudicando empresas fabricantes e exportadoras, como a Embraer, por exemplo. De acordo com dados da agência, das 1.126 ações de certificação programadas, foram realizadas 75% até outubro.

Segundo uma fonte do setor ligada à Anac, o problema na certificação afeta também os aeroportos. Isso ocorre com o Santos Dumont, no Rio, e está prejudicando a implementação de procedimentos de alta precisão, que vão permitir voos em situação de visibilidade reduzida. Os processos de habilitação de pilotos, que precisam passar em provas práticas, também estão atrasados. No órgão, o corte foi feito nas despesas com passagens e diárias dos técnicos que fazem inspeções em todo o país, tanto na aviação geral quanto comercial, além de habilitar profissionais do setor.

Empresa vai à Justiça para ter aval da Anac

Recentemente, uma empresa de táxi aéreo teve que entrar na Justiça para ser inspecionada pela Anac e retomar suas atividades. No processo, a companhia alegou que a Anac justificou a falta de recursos financeiros para não realizar a inspeção. A assessoria de imprensa da agência informou que foi notificada e se posicionará no prazo estipulada pela sentença judicial. Em nota, a Anac informou que priorizou as inspeções na aviação comercial (na base de operações das empresas), para preservar a segurança dos passageiros. Disse ainda que está pleiteando junto ao Ministério do Planejamento mais recursos para as ações de auditoria.

“A quantidade de auditorias em empresas teve que ser revista. O impacto também foi sentido na certificação, uma vez que a Anac é a autoridade primária para manutenção da certificação de organizações de produção aeronáutica, com prejuízo às empresas na fabricação e exportação de produtos aeronáuticos”, informou a Anac em resposta ao GLOBO.

No caso do orçamento da Anatel, de R$ 152 milhões, R$ 100,6 milhões foram destinados a ações relacionadas à Copa de 2014 e não foram contingenciados. Mas só restaram R$ 51,4 milhões para as demais atividades da agência, sendo que R$ 41 milhões foram contingenciados em maio. Segundo a agência, o Ministério das Comunicações liberou mais R$ 12,1 milhões, sendo R$ 5 milhões exclusivamente para o funcionamento do call center, que, também segundo fontes do setor, estava ameaçado de fechar suas portas.

— Com esse cenário de asfixia, contingenciamento de verbas, falta de infraestrutura básica para trabalhar, carência de servidores, demora e politização da nomeação de diretores, quem sofre é a sociedade, que fica com o péssimo atendimento, e a prestação de serviços essenciais, sem fiscalização e regulação — disse o diretor do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências), Ricardo Holanda.

No caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a fiscalização também foi afetada. Segundo a agência, R$ 73 milhões do seu orçamento — quase 50% do total de R$ 153 milhões — foram contingenciados. A Aneel precisa ter uma estrutura forte de fiscalização porque é responsável por acompanhar o desempenho e a qualidade dos serviços das usinas hidrelétricas, termelétricas e transmissoras. E, principalmente, das distribuidoras de energia, que prestam serviços diretamente aos mais de 171 milhões de consumidores em todo o país, ou 90% da população. Nos últimos 12 meses, a população sofreu com oito grandes apagões, quatro com impacto no Nordeste.

Em acórdão resultante de uma auditoria realizada nas agências reguladoras em 2011, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que o governo federal tomasse medidas para garantir a autonomia financeira, de forma que fossem considerados órgãos setoriais, com orçamentos independentes dos ministérios aos quais são vinculadas, conforme está garantido na lei. Mas nada foi feito a respeito até hoje.

O Ministério do Planejamento se eximiu de qualquer responsabilidade em relação ao orçamento das agências e disse, por meio de sua assessoria, que “a execução orçamentária das agências deve ser verificada junto a estas instituições e aos órgãos superiores (ministérios) às quais estão vinculadas”. Afirmou que as agências têm autonomia financeira “garantida com orçamento próprio”, mas disse que elas “estão submetidas ao arcabouço legal e financeiro que rege as autarquias”.