07/11/2013 08h00 - Atualizado em 07/11/2013 14h07

Cães e cavalos ajudam a tratar doentes mentais e com Parkinson

Terapia Assistida por Animais (TAA) tem reflexos físicos e emocionais.
'As pessoas deixam de lado seus problemas e angústias', diz veterinária.

Bibiana DionísioDo G1 PR

Parkinson (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Projeto "Amigo Bicho" leva cãe para TAA com pacientes com  Parkinson (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

Pacientes de doenças como Parkinson, Alzheimer, câncer, autismo, síndrome de Down, depressão, alcoolismo e também outras patologias relacionadas ao sistema neurológico contam hoje com um complemento ao tratamento. A chamada Terapia Assistida por Animais (TAA) pode utilizar gatos, coelhos, tartarugas, chinchilas, cães e cavalos para amenizar os sintomas e ajudar na melhora dos doentes. Fundamentalmente, a TAA trabalha com a interação homem-animal para obter benefícios biopsicossociais, ou seja, vantagens físicas, psicológicas e também sociais daqueles que viram a vida mudar após a descoberta de uma doença.

Os resultados emocionais são visíveis ainda durante as sessões de TAA. Em Curitiba, o projeto “Amigo Bicho” leva essa alternativa para nove instituições, entre hospitais, escolas especiais e orfanatos. Na Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsonismo (APPP) mensalmente voluntário "emprestam" os cães de estimação para atividades com portadores de Parkinson. De forma lúdica e com as reações inesperadas dos animais, as sessões com foco no aspecto motor ganham outra dimensão.

Célia Maria de Paula tem 71 anos e há 13 descobriu que tinha Parkinson. Além da medicação indicada pelo médico e da fisioterapia convencional, nos últimos quatro anos, ela aderiu a TAA. “Eu acho que está fazendo muito bem. Eu estou perdendo a coordenação motora nas mãos e já caí várias vezes na rua. As pernas já estão travando na hora que eu vou dar o passo, mas eu estou levando a sério. Também faço a fisioterapia e já fiz acupuntura, massoterapia, faço tudo o que eu posso”, conta a aposentada. Para Célia, a TAA tem proporcionado resultados significativos tanto no aspecto físico quanto no emocional. Desde que soube da doença, por orientação médica, ela procurou ler sobre o assunto.

Célia Maria de Paula Müller, de 71 anos, descobriu o Parkinson há 13  (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Célia Maria de Paula Müller, de 71 anos, descobriu
o Parkinson há 13 anos
(Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

Ela diz que, como o Parkinson é uma doença progressiva e degenerativa, é importante para o doente se informar. Célia procurou ler sobre as doenças e se preparou para saber lidar com os sintomas. Os reflexos do Parkinson, contudo, começaram a se intensificar no último ano.

“Eu não tenho tremor, tenho a rigidez dos braços e das pernas. A impressão que dá é que as mãos abrem sozinhas e cai o que eu estou segurando. Não é frequente, mas acontece. Às vezes, dormindo, eu acordo com a rigidez no braço. É raro, mas também ocorre de eu acordar com o soco que o braço dá”.

As sessões são coordenadas pela terapeuta ocupacional Andressa Chodur, de 30 anos. Ela explica que, quando se fala em TAA, as pessoas tendem a assimilar com mais facilidade os possíveis benefícios psicológicos e emocionais, entretanto, ela enfatiza que toda a atividade desenvolvida é pensada para contribuir com o tratamento convencional. No caso dos portadores de Parkinson, a TAA é direcionada para a questão motora. Ela lembra que apesar das pessoas relacionarem a doença ao tremor, a lentidão e a rigidez dos membros são o que mais incapacitam o doente. Por esse motivo, as ações feitas de forma automática pelo organismo acabam sendo prejudicadas.

“Por exemplo, se você [portador de Parkinson] quer fazer um movimento e não consegue e fica em cima daquilo, tentando e tentando, vai gerar mais ansiedade e dificultar mais ainda. O fator emocional influencia bastante e você vai ficar mais rígido. Uma técnica que a gente usa bastante é desviar o foco de atenção. Com o cachorro é exatamente isso. Ao invés da pessoa prestar atenção na marcha, ela presta atenção no cachorro que está no lado e o movimento acaba saindo mais fácil. Tem casos em que a pessoa não consegue esticar o braço, por simplesmente esticar. Se ela quer fazer carinho no cachorro, ela consegue esticar. O foco vira o cachorro e não aquilo que estava limitando”.

Atividades são pensadaspara desenvolver músculos e movimentos comprometidos pelo Parkinson (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Atividades são pensadas para desenvolver músculos e movimentos comprometidos pelo Parkinson (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

Na sessão, os doentes fazem exercícios que estimulam o alongamento dos braços e das pernas, trabalham a postura, o fortalecimento de algumas regiões do corpo e a coordenação fina (movimentos menores e mais detalhados). “Se fosse uma terapia convencional eu iria falar para segurar as pernas estendidas por 20 segundo. Agora, você segurar por 20 segundos porque o cachorro vai passar por baixo é muito mais estimulante”, comenta. Existe, como informa a terapeuta, um estudo dos exercícios para que sejam desenvolvidas as áreas mais carentes dos doentes. Andressa destaca que em uma ação prazerosa para os pacientes é possível trabalhar diversos movimentos.

De qualquer forma, Andressa também valoriza a questão emocional. Segundo ela, como o Parkinson oscila muito, os efeitos psicológicos perduram mais. “Eu já vi paciente que estava cadeirante pegar e levantar durante a sessão. Já a questão emocional vai perdurar mais, eles saem daqui mais animados e isso perdura pelos próximos dias”.

Eturo Massuda, tem 89 anos, e viu os sintomas do Parkinson piorarem após um AVC (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Eturo Massuda, tem 89 anos, e viu os sintomas do
Parkinson piorarem após um AVC
(Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

Esse entusiasmo é o que faz Eturo Massuda, de 89 anos, participar das sessões de TAA na Associação Paranaense dos Portadores de Parkinsonismo. Há 15 anos, ele foi diagnosticado com Parkinson, porém, no último ano, após um Acidente Vascular Cerebral (AVC), ele perdeu a capacidade de se movimentar, aderindo a uma cadeira de rodas, e não consegue mais falar. A filha de Massuda, Lídia Massuda, de 50 anos, dedica a vida para cuidar do pai.

“Um mês depois do AVC parece que o Parkinson avançou muito. Ele adora vir para a associação. Nossa, para ele, é a única coisa que tem. Eu levo ele para passear, mas para ele, especial para ele, é vir aqui. É uma pena ser uma vez por mês, acho que deveria ser semanal. O psicológico conta mais do que a parte motora no caso dele que já está bem debilitado. Ele se anima, não quer ficar só deitado, fica mais sentado. Eu sinto que ele fica mais animado”, comenta  a filha.

De acordo com a veterinária Letícia Séra Castanho, que é a coordenadora e a fundadora do projeto “Amigo Bicho”, a TAA faz com que o organismo libere substancias específicas. “Estudos mostram que apenas cinco ou 10 minutos de contato com o animal, faz com que o corpo libere substâncias como a prolactina e ocitocina que causam a sensação de bem estar, diminuindo o stress, o mau humor, a tristeza, a ansiedade e também reduzindo o tempo de internamento em hospitais e, desta forma, ajudando a responder melhor as terapias convencionais”, explica.

Os animais de comportamento dócil trazem ao ser humano momentos de felicidade e é nestes momentos que as pessoas deixam de lado seus problemas e angústias"
Letícia Séra Castanho, veterinária

Ainda que a TAA possa ser desenvolvida com diversos animais, Castanho destaca que o cão tem um amor incondicional pelo ser humano. Isso, na avaliação dela, acaba sendo um elo importante para as terapias.

“Os animais de comportamento dócil trazem ao ser humano momentos de felicidade e é nestes momentos que as pessoas deixam de lado seus problemas e angústias”, afirma a veterinária.

Todo o trabalho é voluntário. Aquele que tiver cão de estimação pode participar desde que o animal seja saudável e esteja com todas as vacinas e vermífugos em dia. É preciso que o cachorro seja dócil. Antes de animal começar a auxiliar os doentes, ele passa por um teste comportamental e de saúde no Hospital Veterinário Batel, onde Castanho trabalha. Se todos os pré-requisitos forem atendidos, o novo voluntário fará uma visita experimental e, se tudo correr bem, ele estará apto a iniciar as atividades nas instituições atendidas pelo projeto.

ONG utiliza equoterapia para doenças neurológicas
O uso de cavalos para a complementação de terapias convencionais pode ocorrer para diferentes doenças, desde que não haja nenhuma contraindicação. O Instituto de Atendimento e Pesquisa em Equoterapia, conhecido como Andaluz, que fica em Curitiba, utiliza a técnica principalmente para tratar pacientes com paralisia cerebral. Contudo, autistas, pessoas que passaram por uma AVC, que tiveram alguma lesão medular ou ainda outras síndromes com comprometimento motor e cognitivo também podem aderir a equoterapia.

Pacientes com Síndrome de Down tem consegue om mais facilidade passar para a fase de pré-equitação (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Pacientes com Síndrome de Down conseguem com mais facilidade passar para a fase de pré-equitação (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

“O paciente que procura a equoterapia procura, principalmente, a parte do equilíbrio. O cavalo ao passo, na verdade, tem o mesmo número de passos do que uma pessoa adulta. O movimento que ele faz na anca dele é o mesmo que nós fazemos no nosso quadril, enquanto andamos. Então, o estimulo é o seguinte: a pessoa que está em cima do cavalo tem a sensação da marcha, tem a sensação do andar, só que com as pernas do cavalo”, explica a fisioterapeuta Ana Carolina Pereira Matos, de 37 anos, que desde 2005 trabalha com essa espécie de TAA.

Os benefícios mais relevantes, acrescenta a fisioterapeuta, é o ganho do equilíbrio de cabeça, de tronco, de associação de cinturas – movimento que fazemos quando andamos - e coordenação de movimentos. A fisioterapeuta lembra da socialização, que melhora por meio dos vínculos com o cavalo e com as terapeutas responsáveis pela sessões.

“Uma das principais coisas que ocorrem no início é a melhora da autoestima do paciente. Seja ele com apenas problemas motores, mas também um pouco de déficit cognitivo. Em um mês a gente já percebe a diferença. Eles se sentem mais poderosos por estarem em cima de um animal grande. Isso acontece tanto com a criança quanto com o adulto”, destacou Ana Matos.

Ana Matos e Viviane Miara (esquerda), que são fundadoras e oordenadoras da ONG Andaluz (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Ana Matos e Viviane Miara (esquerda), que são
fundadoras e coordenadoras da ONG Andaluz
(Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

O recomendado é que a equoterapia seja feito por, no mínimo, seis meses para trazer resultados. Ainda assim, Matos lembra que a fisioterapia convencional é indispensável. Todavia, os pacientes não ganham alta. “Não existe um tempo determinado. Algumas crianças fazem como uma prevenção. Em outras, a gente consegue atingir o ponto de uma marcha independente. A criança está bem independente nas atividades da vida diária, então, elas param de fazer o cavalo e vão fazer outro tipo de esporte”, comenta a fisioterapeuta.

Existe ainda a possibilidade do encaminhamento desses pacientes para a chamada pré-equitação, que é uma parte da terapia na qual o paciente, especialmente criança, pode montar a cavalo sozinha. De acordo com Matos, é comum crianças com Síndrome de Down conseguirem chegar a este estágio. “A parte cognitiva é boa e eles conseguem entender bem os comandos. Eles têm a capacidade de dominar as rédeas porque eles têm uma independência maior”, complementa.

Uma vez por semana, Mariana Bidá, que tem Síndrome de Down, faz a equoterapia. Ela tem seis anos e é acompanhada pelos avós, que comemoram a evolução da neta, especialmente, no aspecto da capacidade de concentração. “O grande problema do Down, que eu vejo, é que eles são dóceis e carinhosos, mas dispersivos. O trato com animais faz com que eles aprendam a direcionar para um foco e ter mais atenção. Ela aprendeu a ter atenção, essa é minha observação”, disse o avô de Marina, Adriano Bidá. 

Bidá conta que Mariana adora as sessões de equoterapia e que a família pretende incentivá-la a passar para a equitação. “É uma coisa que a gente quer, se ela gostar, nós vamos fazer”, comenta.

Amanda Bidá, de seis anos, tem Síndrome de Down e faz equoterapia há mais de um ano (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)Amanda Bidá, de seis anos, tem Síndrome de Down e faz equoterapia há mais de um ano (Foto: Bibiana Dionísio/ G1 PR)

Contraindicações
Basicamente, não existe uma restrição para o uso da equoterapia. No caso de idosos, porém, não é recomendado principalmente se o paciente tiver osteoporose ou artrose. O empecilho ocorre porque, como o tratamento é com cavalos, pode ocorrer algum movimento brusco que se torne perigoso.

Quanto às crianças, o tratamento não pode ser feito naquelas com paralisia cerebral que possuam luxação de quadril ou escoliose superior a 30º. Eliminando-se esses aspectos, desde que o médico emita um laudo atestando que não existe comprometimento ósseo algum ou qualquer problema na coluna vertebral e que o crescimento ocorre normalmente, qualquer criança pode fazer a equoterapia. Matos lembrou que já teve paciente que começou as sessões com um ano e nove meses.

Por ser uma ONG, 60% dos pacientes pagam pelo treinamento. Esse recurso é utilizado para a manutenção do espaço e para arcar com a equoterapia dos demais pacientes.

Serviço
- Projeto “Amigo Bicho” – Instituições e pessoas interessadas em ser voluntárias podem entrar em contato pelo telefone 3039 6644 ou por e-mail lecastanho@yahoo.com.br.

- O Instituto de Atendimento e Pesquisa em Equoterapia (Andaluz) – (41) 3027-1666.

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