Economia

Americanos ainda acreditam que estão em crise mesmo com dados indicando melhoria na economia

Tal comportamento é comum em períodos de recuperação pós crise, afirma especialista
Renda em declínio ajuda a explicar ceticismo dos americanos quanto ao fim da recessão
Foto: SPENCER PLATT / AFP
Renda em declínio ajuda a explicar ceticismo dos americanos quanto ao fim da recessão Foto: SPENCER PLATT / AFP

RIO - Os piores momentos da crise financeira parecem estar no passado, mas seus efeitos ainda são sentidos com força pelos consumidores americanos. Embora os dados oficiais indiquem sensível melhoria na economia dos Estados Unidos, a percepção entre a população é de que ainda estão em recessão, e continuam contendo os gastos fora de casa. Pior, muitos desconfiam das informações oficiais e ouvem com ceticismo o noticiário.

— Eu não acho que nossa recessão passou — afirma Mike Wall, personal trainer e professor em Syracuse, no estado de Nova York. — Os indicadores oficiais não são confiáveis. Atualmente trabalho muito mais e estou em outro trabalho para ter certeza que terei mais dinheiro para poder comprar o essencial — reitera.

— Não sei o quanto devo acreditar nos dados da economia. Eles dizem constantemente que a criação de vagas aumentou, que a economia está melhor, mas até que as coisas voltem ao normal e ainda direi que nós estamos em recessão — diz Jon Leible, treinador de futebol americano na Universidade de New Haven, em Connecticut.

Para Mike, Jon e tantos outros americanos, é natural o sentimento de que a economia não está em retomada, mesmo com dados oficiais, como a confiança do consumidor, no melhor nível em anos. A confiança das famílias residentes nos Estados Unidos subiu a 85,1 pontos, em julho, alcançando a máxima de seis anos segundo a leitura final do indicador elaborado pela Universidade de Michigan.

A confiança do consumidor é um índice que os economistas consideram retardatário, demorando a refletir as mudanças macroeconômicas imediatas. Em grande parte dos casos, isso ocorre porque o consumidor comum mesmo que tenha acesso à informações detalhadas sobre a economia demora a perceber no bolso estas mesmas melhorias.

Há que dizer ainda que grande parte dos consumidores contraem seus débitos nos períodos de expansão econômica e dificilmente se livram deles no mesmo ritmo em que o ambiente macroeconômico piora.

— Tal comportamento dos consumidores, em geral, é comum em períodos de recuperação pós crise. É quase como um “pós-operatório”. A confiança na recuperação ajuda a acelerar o processo, e o inverso é verdadeiro. — afirma Alex Agostini, economista da Austin Ratings. — Logo, mesmo estando melhor, a retomada para os níveis próximos ao potencial de crescimento (3,5%) ainda deve demorar algum tempo.

Vendas em alta mas percepção em baixa

Pesquisa da consultoria britânica Mintel, obtida pelo GLOBO com exclusividade, sobre os possíveis impactos no consumo dos Estados Unidos após a crise econômica de 2008 revela um cenário contraditório: das 13 categorias investigadas, em apenas duas os americanos disseram estar gastando mais: Alimentos para o Lar e Cuidados Domésticos. No entanto, a realidade é outra. Todas as categorias tiveram aumento.

Essa visão distorcida da realidade não é à toa. Para economizar, os consumidores do país afirmaram que deixaram de fazer atividades antes consideradas habituais e ficaram mais caseiros. Cerca de 33% da população diz sair menos com os amigos e familiares para comer em restaurantes e bares de 2012 em relação ao ano anterior; 47% afirmam ter diminuído os gastos com bebidas alcoolicas fora de casa; 36% contam que deixaram de fazer turismo com a mesma frequência; 37% relatam fazer cada vez menos atividade de lazer ou entretenimento e 38% disseram que estão evitando tirar férias.

— Não acho que a recessão acabou, ainda está em andamento apesar de o governo dizer que nós estamos melhor — diz o treinador da Universidade de New Haven. — Tento fazer minhas próprias refeições todos os dias. Limitei minhas idas ao restaurantes ou sair para almoçar. Comprar comida o tempo todo é caro — admite.

Paradoxalmente, os resultados da mesma pesquisa traçam outro perfil da realidade quando os gastos dos consumidores americanos são compilados. Contrariando a percepção da população, na passagem de 2012 com o ano anterior, todas as categorias de consumo tiveram avanço.

O levantamento mostrou que a economia está engatinhando, mas já são sinais de melhora. Os gastos na categoria Transportes cresceram 7%; Alimentação Fora de Casa, Bebidas alcoolicas no Lar e Bebidas Fora do Lar registraram o mesmo avanço de 6%; Cuidados Domésticos (5%) e Alimentação no Lar (3%).

— No geral, os americanos acreditam estar gastando menos com estas categorias porque este é o comportamento que se espera e é o que eles acham que deveriam estar fazendo. Na realidade, todas estas categorias, desde a crise, tiveram avanço — afirma Fiona O´Donnell, analista de Estilo de Vida e Lazer da Mintel. — Todas estas são categorias mais ligadas à diversão, não são necessidades, as pessoas se sentem culpadas quando gastam com entretenimento em momentos nos quais a economia não está bem. Não querem ser consideradas irresponsáveis.

Apesar da aparente disparidade, o levantamento indica que embora os Estados Unidos tenham saído oficialmente da recessão há quase quatro anos e os gastos estarem em leve alta, os americanos mantêm uma abordagem cautelosa quando o assunto é fazer compras de qualquer natureza porque não enxergaram melhorias concretas em sua renda.

— O pior já passou, mas ainda estamos longe de dizer que a crise acabou. Os índices de confiança ainda estão, em média, 10% abaixo dos índices verificados antes da crise e boa parte dessa recuperação da confiança se deve à recuperação das bolsas, uma vez que a renda real do consumidor americano também está relativamente estável. — afirma Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do ABC Brasil.

Os números mais recentes disponíveis indicam que, entre 2007 a 2011, o poder de compra da população americana recuou, em média, 8,1%. De acordo com a Pew Research, a “recuperação” atual, diferentes do ocorrido em qualquer período pós-crise das últimas quatro décadas, ainda não mostrou seus efeitos sobre a renda da população.