Rio Bairros Zona Sul

Funcionários do Copacabana Palace contam segredos e histórias desconhecidas do hotel

Saia justa com Bill Cinton, set list para U2 e striptease: conheça os bastidores de um espetáculo encenado 24 horas
A fachada do Copacabana Palace: imponência na orla Foto: Divulgação
A fachada do Copacabana Palace: imponência na orla Foto: Divulgação

RIO — Ao colocar um dos pés sobre a calçada da Rua Rodolfo Dantas, a supervisora das camareira Cláudia Nascimento aciona automaticamente uma orquestra imaginária, que, desgovernada, começa a afinar seus instrumentos. Ela atravessa a porta dos fundos do Copacabana Palace, vai para o vestiário, se despe. Com o cuidado de uma bailarina, alisa a meia-calça e se maquia, antes de entrar no aposento que separa os bastidores do palco principal. Lá, checa pela última vez a sua aparência no espelho de corpo inteiro, que avisa o seguinte por meio de um adesivo autocolante: "Atenção, você está prestes a entrar em cena". A frase resume o espetáculo. Uma vez na parte social do hotel, um balé com movimentos milimetricamente calculados é dançado 24 horas por dia, por 650 funcionários. A trilha é tão tensa quanto harmônica — poderia ser, por exemplo, "Inverno", de Vivaldi. Há quase 92 anos, não há espaço para erros.

Por isso, no aniversário de 123 anos de Copacabana, O GLOBO-Zona Sul resolveu "vipar" (como se diz no léxico da hotelaria) os funcionários do hotel e contar algumas das histórias de quem trabalha numa das casas mais luxuosas do Brasil. O concierge Luciano Ruperti, 18 anos de Copa, faz parte desse corpo de baile. Para quem não está familiarizado com o termo em francês que define a sua função, o gaúcho criado no Rio explica que exerce, para resumir grosseiramente, uma função que se assimila a de um “milagreiro”. Antes mesmo de o hóspede chegar, ele prepara uma dezena de opções de programas que podem interessar àquele determinado viajante. Em troca, recebe pedidos diversos — entre eles, alguns bem esdrúxulos.


Sininho: 650 funcionários prontos para trabalhar 24 horas por dia
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Sininho: 650 funcionários prontos para trabalhar 24 horas por dia Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

Pedir para dar um “pulo” em Foz do Iguaçu ou em Manaus e voltar para dormir no hotel é relativamente comum. Solicitação para posar o helicóptero na Praia de Copacabana também já aconteceu. Mas há sempre aqueles que estão em busca de experiências mais exóticas. Certa vez, um casal de russos, que comemorava aniversário de casamento, pediu uma limusine com dois baldes de espumante e atravessou a Avenida Atlântica, parando para brindar o enlace matrimonial com todas as prostitutas que encontravam pelo caminho.

— Tomo conta de tudo o que o hóspede quiser, dentro, obviamente, da legalidade e da moral. Somos realizadores de sonhos — diz Luciano. — Há pouco tempo teve um casal de indianos que me pediu para ir a um clube de striptease. Por mais estranho que seja o pedido, não podemos nunca olhar com estranheza. Não cabe a mim fazer julgamentos.

Pela cartilha dos concierges, a palavra "não" é (quase) proibida. Mesmo se o desejo for impossível, a regra é dizer que uma tentativa será feita e oferecer uma opção que seja similar ao almejado. Arranjar uma acompanhante, por exemplo, está na lista de “nãos” da cartilha, mas, quando o viajante solitário solicita uma moça para aplacar sua carência, uma casa segura lhe é indicada.


Milagreiro. Luciano recebe pedidos: de stiptease a pulo em Manaus
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Milagreiro. Luciano recebe pedidos: de stiptease a pulo em Manaus Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

Anseios do além-mar também não são problema para Luciano. Quem lembra da fantástica cena da sociedade secreta dos concierges no filme “O grande Hotel Budapeste” vai gostar de saber que — com exceção de algumas cores adicionadas pela dramaturgia — a confraria existe de verdade. Os membros do Les Clefs d'Or (ou as chaves de ouro em francês — o símbolo pode ser visto em discretos broches) se comunicam com frequência para discutir como estão, por exemplo, os restaurantes de uma determinada cidade. De quebra, eles resolvem imbróglios diversos.

— Se um concierge do Afeganistão me liga pedindo um pandeiro autografado por alguém da portela, vou providenciar isso. Se eu precisar de um favor na Suíça, ligo para um concierge desse país e por aí vai — explica o funcionamento da irmandade, que exige dos recém-ingressos tempo de profissão, entrevista, carta de recomendação e presença nas reuniões.

Antes de lidar atrás do balcão com alemães (que conferem tudo com olho de gavião) ou com árabes (que pagam em dinheiro, puxando as notas de U$ 100 de rolos enfiados dentro dos bolsos), Luciano ocupou o posto de motorista da Lincoln do Copacabana Palace. Levou muita noiva (e testemunhou brigas de recém-casados), mas a viagem mais interessante foi provavelmente o trajeto para o heliponto da Lagoa, feito com a banda irlandesa U2.

Simpático como ele só, Bono Vox foi interrogando Luciano sobre quais músicas do CD novo estavam sendo tocadas por aqui. Obediente, o então motorista foi listando novidades e velharias da banda apreciadas pelos brasileiros. No dia do show (para o qual ele ganhou ingresso, obviamente), não deu outra: o set list havia sido todo feito pelo concierge.

— Teve um detalhe mais incrível: algumas cartas tinham que ser colocadas debaixo da porta dos quartos e, obviamente, eu me ofereci para fazer isso. Quando chego perto de uma delas, percebo que estão todos juntos ouvindo um DVD do U2 tocando uma das músicas que eu sugeri. Eles estavam conferindo o tom da música — conta, entusiasmado. — No fim, o Bono Vox apertou a minha mão e disse: “Luciano, você é um gentleman". Não aguentei. Entrei no supermercado e fui contar para a caixa.

Nem todos os dias de Luciano, porém, são feitos de arranjos de rosas, arrumadas em vasos de porcelana. Ele lembra, por exemplo, quando levou a tocha olímpica para “dormir” sozinha num quarto reservado para ela e entrou, por acidente, numa das zonas mais perigosas da cidade. O dia em que conheceu o ex-presidente Bill Clinton também teve as suas emoções.


O broche do Les Clefs d'Or entrega quem faz parte da sociedade dos concierges
Foto: guilherme leporace / Agência O Globo
O broche do Les Clefs d'Or entrega quem faz parte da sociedade dos concierges Foto: guilherme leporace / Agência O Globo

Depois de ser entrevistado pelo chefe do FBI e ter o carro completamente revistado, o serviço de inteligência americana percebeu que a Lincoln não era blindada. Clinton teve que se conformar em ir numa vã; e seus agentes (e suas respectivas armas) amontoaram-se no veículo de Luciano.

— Se eu desse uma freada brusca, ia disparar alguma coisa ali. Só lembro deles batendo na minha perna e dizendo “go, go, go!”— lembra, soltando uma gargalhada.

Não está no CV dele, mas a primeira vez em que Luciano entrou no Copa foi de penetra, para espiar a gravação de um clipe do Mick Jagger, quando tinha 16 anos. Na ocasião, um segurança (com quem trabalhou anos depois) deixou piedosamente o rapaz assistir de longe. Para sua decepção, o vocalista dos Stones não estava na cena.

A redenção viria mais tarde, quando lhe foi incumbido reservar um dos elevadores para um membro da banda, que iria chegar de Angra dos Reis pela porta da frente. Com ordens expressas para não deixar ninguém entrar, ele avista, de repente, Mick Jagger vindo da piscina.

— Ele entrou com um segurança que era um armário, e eu fiquei desesperado. O Mick Jagger, todo lord, subiu falando baixinho e pausadamente para o sexto andar. Deixei ele e saí correndo. Quando chego lá embaixo, vejo o Keith Richards passando pela porta giratória com uma cara, tipo Hells Angels, com aquelas tatuagens enrugadas. Os dois rindo, cheirando a caipirinha, falando com outra pegada: “Hey cara, vamos para o sexto andar". Foi rindo, brincando. Quando chegou, olhou para o negão que estava com o Mick e disse “Oh baby!”. Todo mundo caiu na gargalhada, menos o Jagger, que ficou meio constrangido. Eles são muito diferentes, mas se completam — conta, realizado.

LÚCIO, O JAMES BOND DO COPA

Depois de passar nove longos anos numa árdua rotina de treinamento em Londres, ele voltou da terra da rainha com habilidades invejadas por muitos homens. Na lista de competências adquiridas, constam proezas tão diversas quanto tornar-se invisível quando se faz necessário ou ler seu interlocutor com a precisão de um psicólogo. Seu nome é Luiz: Lúcio Flávio Luiz. E a elegância do terno e da gravatinha borboleta provam que essas não são as únicas similaridades com o espião dos filmes 007.


Pérgula. Lúcio usa a linguagem corporal para aperfeiçoar seu trabalho
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Pérgula. Lúcio usa a linguagem corporal para aperfeiçoar seu trabalho Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

O gerente do Pérgula, o restaurante mais frequentado do Copacabana Palace, conta que aprendeu o beabá da profissão trabalhando no Nobu, o restaurante boutique de Robert De Niro. Foi lá que ele diz ter percebido que esse métier não se resumia à coisa de “tirar a nota e servir".

— É muito mais complexo do que isso. Quando se trabalha no mercado de luxo, você precisa saber como sentar as pessoas, como recepcioná-las, como gerenciar o fluxo de clientes. No Nobu, trabalhávamos com iguarias e tínhamos que descrever o prato em minúcias. Dizer que aquele bacalhau negro havia sido pescado nas águas profundas do Alasca — descreve a mise en scène —. As pessoas que vêm ao Copacabana Palace não entram aqui por causa de um prato de comida ou por uma cama bem feita. Elas entram pela experiência. Não é um simples produto.

Foi também do Nobu que Lúcio importou a rotina de começar os trabalhos do dia com o chamado briefing point. Na reunião, que acontece diariamente, os funcionários são informados sobre os vips que estão hospedados no hotel e recebem um documento com diversas informações que podem ser úteis ao longo do dia.

Graças ao exercício de observação, é sabido, por exemplo, que uma certa cantora brasileira é ultrametódica na hora de comer: prato, talheres, pessoas e até garrafas precisam estar sempre posicionados da mesma forma.

— Notei que toda vez que um garçom mexia na garrafa de cerveja, ela virava o rótulo para frente dela. Agora, todos sabem que precisam colocar a cerveja dessa mesma maneira. Não foi um aprendizado falado. A leitura corporal diz muito e, nesse meio, a atenção aos detalhes tem que ser imensa — ensina.

Quem não está hospedado no hotel e aparece só para almoçar durante a semana, é abordado com precisão calculada. Geralmente, os comensais estão em reuniões de trabalho, discutindo assuntos importantes, e querem apenas repassar os seus pedidos e pagar a conta. É nessa hora que entra o poder da invisibilidade.

Outros dados importantes são saber que muçulmanos não comem porco; judeus fogem de camarão e indianos... bem, indianos gostam muito de quiabo.

— Essa semana chegou uma família indiana no hotel, que não come carne. Eles foram passear em uma feira de rua e voltaram com seis quilos de quiabo para o mordomo do casal cozinhar. O quiabo brasileiro deve ser incrível — diverte-se.

NO AR, UM CHEIRINHO DE CAPIM-LIMÃO


Prata da casa. Claudia Nascimento: 30 anos de Copacabana Palace
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Prata da casa. Claudia Nascimento: 30 anos de Copacabana Palace Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

Unidos e em riste, os dedos indicador e médio da funcionária mais antiga do Copacabana Palace costumam locomover-se com mais desenvoltura do que o próprio corpo de sua dona. No batente da porta, em cima da cômoda ou nas menores frestinhas, a supervisora de governança Cláudia Nascimento — ou simplesmente Claudinha — inspeciona com as mãos todos os lugares onde a poeira pode ficar acumulada.

Seu trabalho é checar se as tarefas das camareiras estão sendo bem executadas: a cama tem que estar bem feita, os lençóis não podem ter amassados ou rasgões, os travesseiros têm que estar bem retinhos e os aposentos precisam exalar o cheiro oficial do hotel: uma essência de capim-limão, fabricada pela Avatim, uma empresa localizada em Ilhéus, no Sul da Bahia. Tudo isso tem que ser feito num período máximo de uma hora e meia.

O maior inimigo das camareiras, conta a supervisora, é o charuto, que alguns hóspedes insistem em fumar dentro de seus aposentos. Em segundo, vêm os perfumes fortes, que ficam impregnados nos sofás e nas cortinas.

— Temos um aspirador que solta uma essência de cravo e vai limpando o ar. Mas, para os casos mais graves, temos uma máquina de ozônio que esteriliza tudo em meia hora — entrega o segredo.

Hóspedes bem ou mal comportados costumam ganhar da equipe de Claudinha uma série de mimos, como velas, no caso de recém-casados, bolos para os aniversariantes, cartõezinhos com a temperatura do mar. Se alguém pegar no sono durante a leitura, por exemplo, as camareiras marcam a página do livro do dorminhoco, para que ele não se perca quando acordar.

Tudo isso faz parte de um universo que encantou Cláudia desde o primeiro dia, há exatos 30 anos. Naquela época, uma vizinha teve que levá-la para Copacabana, porque a moça, que morava em Irajá, não sabia como chegar ao bairro.

— Quando entrei, vi aquele mundo, que não tinha nada a ver com a minha vida. Fiquei deslumbrada e, ao mesmo tempo, assustada com a grandiosidade desse prédio. Lembro que eu olhava para ele da praia e ficava pensando em tudo o que tinha aqui dentro. Era uma coisa a desvendar, sabe? — diz ela, com uma ponta de deslumbramento que nunca vai embora. — Até hoje tem um mistério qualquer que me prende aqui. Eu fico pensando que 30 anos é muito tempo para trabalhar num lugar só. Mas eu não sinto isso no dia a dia, entende? Já vi milhares de vezes a galeria de fotos dos artistas que se hospedaram aqui, mas, toda vez que eu passo por ela, paro para admirar. Cada lugarzinho é muito significante para mim.

Por um capricho do destino, a vida pessoal de Claudinha também acabou vinculada ao Copacabana Palace. Um dia, quando chegou para trabalhar, ficou sabendo que um mensageiro do hotel estava de olho em suas belas pernas torneadas pela meia-calça. A paquera virou namoro, o namorou virou casamento (que já dura 21 anos) e o casamento deu frutos.


Amofada. Camareiras conferem todo o serviço em uma hora e meia
Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo
Amofada. Camareiras conferem todo o serviço em uma hora e meia Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

O filho do casal, que já foi duas vezes visitar o Copacabana Palace e completa em 2015 seus 16 anos, costuma dizer para Cláudia, meio que na brincadeira, meio que levando a sério: “Ah, mãe, você e o seu hotel”..

— Minha cabeça não para de trabalhar. Chego em casa e fico pensando: “ah, o meu sofá foi rabiscado. Tem que lavar. E a minha cortina? Está na hora de tirar. Faltou fazer isso, faltou fazer aquilo — enumera ela.

Para o concierge Luciano Ruperti, o grande trunfo do Copacabana Palace é a história do hotel. Por pelo menos uma vez, ele talvez tenha cometido o pecado da omissão: o grande trunfo do Copa também é, certamente, o seu conjunto de funcionários.

DICIONÁRIO

Tornante: Como é chamada a funcionária que substitui uma camareira que está de folga.

Pick up: É o termo que define um apartamento que a camareira acabou de arrumar. A palavra avisa à supervisora que o cômodo está pronto para a inspeção.

Turn down: Arrumar a cama para o hóspede dormir. A camareira coloca os chinelos próximos à cama, chocolates, água e um cartão com a previsão de temperatura para o dia seguinte.

Vipar: Tornar alguém VIP. Não está restrito a alguém que pagou um quarto mais caro. Quem faz aniversário de casamento, por exemplo, é recebido com alguns mimos extras.

NP: Termo que indica o famoso “não perturbe”.

Long stay e arrival: Expressões que definem estada longa e hóspedes que estão chegando, respectivamente.