17/11/2013 09h00 - Atualizado em 17/11/2013 09h00

Produtor enfrenta dificuldade para multiplicar sementes de orgânicos

Maioria dos produtores orgânicos utiliza sementes convencionais.
Produção de sementes orgânicas fica restrita aos pequenos agricultores.

Do Globo Rural

A maioria das frutas e hortaliças orgânicas é produzida no Brasil com sementes convencionais. O Ministério da Agricultura imaginou que poderia acabar com essa contradição determinando que antes do fim deste ano toda a produção do setor só utilizasse sementes orgânicas.

A decisão virou uma espécie de fantasma para muitos produtores que se sentiram ameaçados na atividade. No fim, o ministério recuou. Mas o tema ainda preocupa os agricultores orgânicos.

Uma das maiores produtoras de hortaliças orgânicas do país tem 50 hectares plantados com 25 tipos diferentes de verduras e legumes. Em volta dos canteiros há cortinas vegetais que barram o vento e atraem insetos para ajudar a manter o equilíbrio da horta. No lugar, tem uma pequena fábrica de biofertilizantes.

A fazenda, com selo de certificação orgânica, recorre ao mercado convencional na hora de plantar. A azul indica que a semente recebeu algum tipo de tratamento químico antes de chegar à propriedade. 

  A Fazenda Malunga e a maioria dos produtores orgânicos utilizam essas sementes. Elas estão dentro da lei que permite o uso de sementes não orgânicas nesse sistema de cultivo. Se a fazenda resolvesse usar semente orgânica, muitas hortaliças deixariam de ser cultivadas ou, no mínimo, a variedade seria menor. Na estufa de mudinhas há sete tipos diferentes de alface. Atualmente, não existe no mercado nenhuma empresa que ofereça sementes orgânicas que pudessem substituir as mudas na escala de produção da fazenda.

Há 27 anos, o proprietário Joe Valle planta orgânicos. Houve época em que o produtor tentou produzir as próprias sementes na fazenda. Mas hoje, mesmo com 220 funcionários, ele desistiu. “Nós teríamos que ter, vamos dizer, uma outra empresa, uma outra fazenda, um outro espaço só para a produção de sementes. E a gente quer ser produtor de hortaliças nesse sentido. A gente não quer produzir semente nesse momento porque a gente não tem aptidão, não tem perfil, não tem habilidade nem conhecimento suficiente pra produzir semente. Muitas sementes precisam de climas completamente diferentes dos que temos aqui hoje. Então, era impossível produzir algumas sementes aqui”, diz Valle.

A produção de sementes orgânicas existe no Brasil, mas em quantidade reduzida e fica restrita aos pequenos agricultores como Jorge Horita, no município de Mairinque, em São Paulo. Ele planta 50 variedades de grãos, raízes e hortaliças e só consegue multiplicar sementes de 20 delas. Todas as sementes produzidas na propriedade são para consumo próprio. O sítio do produtor tem oito hectares plantados. Se fosse produzir as sementes próprias, ele teria que abrir mão de boa parte da área de cultivo.

“Eu imagino que comprometeria em torno de uns 50% dessas áreas porque elas não podem estar em movimento. Elas têm que estar intactas, preservadas. Então, eu destinaria uma grande área. Eu perderia uma grande área produtiva”, diz Horita.

Já que a produção de sementes orgânicas em todo o país é pequena, uma das formas de consegui-las é fazer a troca entre os próprios agricultores da região. No sul de Minas Gerais, 28 agricultores biodinâmicos, que é um tipo de orgânico, formaram uma associação e há quatro anos produzem as próprias sementes. Eles já são auto-suficientes em 15 cultivares. Agora, o grupo faz experimentos para aumentar a lista a partir da próxima safra.

Com a consultoria do agrônomo Vladimir Moreira, o associado Joaquim Alvarenga está fazendo uma experiência com a multiplicação de batata a partir do broto em vez do plantar o tubérculo, como é usual. Essa é uma técnica que busca melhorar o controle de virose.

O agricultor Benedito Alvarenga comprou de outro associado sementes orgânicas de ervilha e ficou surpreso com o resultado. “A produtividade dela deu até 35% a mais do que a convencional. Eu ate fiquei abismado de ver porque eu não esperava isso. Achava que ia dar igual convencional. Só que superou”, diz.

Uma empresa de sementes convencionais do município de Orizona, em Goiás, abastece boa parte do mercado brasileiro e ainda exporta para mais de cinco países. A semente de tomate é separada na hora da colheita. A máquina colhe o fruto que passa pela esteira rolante. Depois, é feita a limpeza com a separação de galhos e folhas. Só o fruto vai para a extratora, onde é esmagado e o que sobrou da polpa vira adubo para o próximo plantio de verão, que será de soja. As sementes inteiras seguem para as bombonas.

Na unidade de beneficiamento, as sementes ficam nos tambores por até 72 horas, fermentando, para soltar a mucilagem. Depois, na lavagem, ganham um banho de ácido clorídrico, por 15 minutos, para eliminar fungos e bactérias. Então, vão para o secador, até ficar com apenas 7% de umidade. Daí, partem para a matriz da empresa, em Santo Antonio de Posse, no estado de São Paulo.

As sementes de todas as espécies passam por uma análise de qualidade. No laboratório é feito o teste de germinação em pequenas amostras. Quando o lote é aprovado, o produto vai para o processo de beneficiamento.

Algumas sementes são tão valiosas que não podem ser vendidas a quilo. A comercialização é feita por unidade. A empresa usa uma máquina israelense projetada para contar diamantes e que foi adaptada pelo próprio fabricante para reconhecer sementes. O equipamento faz a contagem uma a uma antes de a semente ir para a embalagem.

A empresa testa até três mil novas variedades por ano, atrás de um produto que agrade. Só 5% costumam vingar. “É como qualquer outra indústria. Você tem que confirmar o resultado antes de colocar para o consumidor final. Então, você testa em diferentes regiões, em diferentes épocas de cultivo, em diferentes solos, em diferentes condições de luz e de doenças também”, diz o agrônomo Maurício Coutinho, responsável pelo experimento.

O dono da empresa Steven Udsen explica porque é feito tanto investimento. “É um processo bastante demorado pra fazer a pesquisa genética que leva a um produto que tenha tanto um apelo comercial para o produtor, para o consumidor final. Tudo isso tem que levar em conta”, diz.

Mesmo com tanta experiência, Udsen explica que se eles quisessem começar uma produção de sementes orgânicas hoje, não conseguiriam. “Não em larga escala. É sempre o mercado que determina o interesse. Se existir uma demanda para esse tipo de produto, eu acho que, como qualquer empresa, é dever nosso focar nisso. Mas hoje essa demanda nessa escala não existe”, explica.

Uma normativa do Ministério da Agricultura havia determinado que a partir de dezembro deste ano seria obrigatório usar sementes orgânicas para o cultivo de produtos agroecológicos. Mas o governo percebeu que se entrar em vigor, não haverá semente suficiente para abastecer o mercado. Para o coordenador de agroecologia do ministério, Rogério Dias, a lei brasileira dos orgânicos é muito recente, só tem dez anos, e que agora o Brasil avança nesse setor.

“Os materiais que existem são suficientes? Eles atenderiam a todos os produtores nas diferentes situações do Brasil? Então, a gente precisa estar avaliando porque a legislação é nacional. Muito provavelmente, com o passar do tempo, a gente vai passar a ter listas de materiais que não poderá usar sementes convencionais por ter material adequado no Estado”, diz.

A Embrapa, em Brasília, é a sede do terceiro maior banco de sementes do mundo. A empresa faz algumas pesquisas com sementes orgânicas. São tratamentos com óleos essenciais, extrato de verme composto e termoterapia. Tudo é feito para tentar substituir os produtos químicos. Alguns produzem resultados animadores.

A agrônoma da Embrapa, Mariane Vidal, pesquisadoras de orgânicos, aponta para distorções nas pesquisas brasileiras. “Toda a pesquisa da agricultura vem trabalhando nas últimas décadas ou desde sempre para a questão da produção no sistema convencional. A questão da pesquisa voltada para a produção orgânica é muito recente”, diz.

Para a agrônoma, o caminho é que a produção de sementes obedeça a critérios regionais e que não seja em grande escala para atender às necessidades e os desejos de quem quer ter nas mãos as condições de multiplicar suas próprias sementes.

Na União Europeia, todos os produtos agroecológicos têm que ser produzidos a partir de sementes orgânicas. Existe um banco de sementes que reúne todas as espécies disponíveis para os agricultores. Quando um produtor decide cultivar uma variedade que não está disponível nesse banco, ele é obrigado a pedir uma autorização específica para usar uma semente convencional.

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