Rio

Caso Amarildo: policiais dizem ter sido obrigadas a esconder provas

Depoimentos obtidos pela TV Globo revelam ainda que ordem para que policiais dessem declarações pré-combinadas
Reunião feita pelo major Edson Santos numa calçada no Centro do Rio Foto: TV Globo / Reprodução 'Fantástico'
Reunião feita pelo major Edson Santos numa calçada no Centro do Rio Foto: TV Globo / Reprodução 'Fantástico'

RIO — Quatro mulheres soldados da Polícia Militar do Rio revelaram ao Ministério Público estadual que foram obrigadas a ocultar provas da tortura sofrida pelo ajudante de pedreiro Amarildo de Souza na Rocinha e a dar declarações pré-combinadas aos investigadores do caso. Os depoimentos foram obtidos pelo “Bom Dia Rio”, da TV Globo, com exclusividade. Segundo a reportagem, as soldados disseram que só tiveram coragem de contar o que testemunharam na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha em 14 de julho depois da prisão dos outros policiais envolvidos no crime. Vinte e cinco PMs foram denunciados, e 13 já estão presos, entre eles o ex-comandante da unidade, major Edson Santos.

Uma das soldados contou que estava dentro da UPP quando ouviu gritos de dor e pedidos de socorro atrás da unidade. Ela disse que foi até a parte da frente da sala e tapou os ouvidos para não ouvir mais o que estava acontecendo. Ao concluir que um homem estava sendo torturado e falou para duas colegas: “Isso não se faz nem com um animal”. Segundo a promotora Carmen Eliza de Carvalho, os depoimentos foram marcados pela emoção.

— Elas desabaram. Choraram mesmo. E todas falaram a mesma coisa: ‘Hoje, depois de muitos meses, eu vou conseguir dormir’ — disse a promotora.

De acordo com o MP, uma outra soldado afirmou que o ex-comandante fez uma reunião com os policiais na presença de um advogado. Segundo ela, foi como um pré-depoimento. Na ocasião, todos foram orientados sobre o que deviam dizer aos investigadores. Imagens obtidas pelo “Fantástico”, também da TV Globo, mostram uma das reuniões feitas pelo PM, numa calçada no Centro do Rio.

A sessão de tortura aconteceu atrás de contêineres que servem de base à UPP da Rocinha. O local foi transformado num depósito, sinal de que o objetivo era atrapalhar a investigação. As soldados disseram que foram obrigadas pelos superiores a ficar dentro da sede, junto com outros colegas de farda.

— Todo mundo ouvindo o que estava acontecendo, uma óbvia tortura ali. E aí a Rachel fala: 'Com esse barulho não dá pra trabalhar'. Não é assim: 'O que está acontecendo? Alguém está sendo torturado?' É 'com esse barulho não dá pra trabalhar' — diz a promotora. Rachel de Souza Peixoto pertence ao grupo de 25 PMs que se tornaram réus no caso.

Já a soldado Thais Rodrigues Gusmão, contou que o major Edson Santos deu uma ordem para o tenente Luiz Felipe de Medeiros, então subcomandante da UPP, também preso: “Medeiros, vai até lá e resolve isso aí.” Depois de identificar a participação do tenente Medeiros na sessão de tortura, a soldado Thaís contou ter recebido ordens do major para ir até o Parque Ecológico da Rocinha, que fica ao lado da UPP, e apagar as luzes da área. Thais disse que permaneceu no local por mais de duas horas porque não queria ouvir mais as agressões.

Thais afirmou ainda que ficou no parque com três PMs à paisana que não informaram o que faziam no local. Nesse intervalo de tempo, de acordo com o depoimento de outro policial, PMs da UPP retiraram por um vão no telhado o que se assemelhava a um corpo.

A soldado Thais afirmou que se surpreendeu ao ver o major Edson Santos e cinco policiais descendo do alto da mata. Numa das buscas feitas pela Divisão de Homicídios na Rocinha, cães farejadores latiram muito numa determinada área, o que fez investigadores suspeitarem que o corpo de Amarildo possa ter ficado algum tempo enterrado no local e mais tarde tenha sido levado para fora da comunidade. O corpo de Amarildo permanece desaparecido.

Delegado investigado dará aula em curso da PM

O delegado Ruchester Marreiros, acusado pela Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol) por cometer infrações em um relatório sobre a Operação Paz Armada, que apontou o envolvimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza com o tráfico na Rocinha, será professor da disciplina Legislação Especial no curso de formação de oficiais da Polícia Militar. Segundo o jornal “Extra”, a informação foi publicada no boletim da corporação, na sexta-feira. Procurada, a PM não se manifestou.

A corregedoria concluiu que Ruchester cometeu três infrações: deu informações inexatas ou alteradas; agiu com displicência ou negligência e não exerceu a função policial com probidade, discrição e moderação, deixando de observar as leis com lisura. Na época, Ruchester era delegado-assistente da 15ª DP (Gávea).

Na semana passada, a delegada Martha Rocha, chefe de Polícia Civil, encaminhou o caso à Corregedoria Geral Unificada (CGU). O procedimento apura divergências entre os relatórios de Ruchester e do delegado Orlando Zaccone, titular da 15ª DP. Amarildo sumiu em 14 de julho após ser detido para averiguação por PMs da UPP Rocinha. As investigações apontam que ele morreu e teve o corpo ocultado após tortura na sede da unidade para revelar o esconderijo de armas do tráfico local.

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