Rio

Vidigal passa por febre de expansão imobiliária

Posto de fiscalização da prefeitura é retirado, e novas obras surgem a cada dia na favela

Homem carrega tijolos para o interior do Vidigal
Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Homem carrega tijolos para o interior do Vidigal Foto: Gabriel de Paiva / O Globo

RIO - Pilhas de tijolos, areia, vergalhões e entulho. Por todos os lados da Favela do Vidigal, em São Conrado, é possível ver paredes sendo erguidas em ritmo acelerado. Segundo o presidente da Associação de Moradores do Vidigal, Wanderley Ferreira, a compra de casas por estrangeiros é, em parte, responsável pelo avanço da especulação imobiliária e pela multiplicação das obras. Muitos deles estariam construindo pousadas e albergues. Além disso, ainda de acordo com a associação, desde a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) à favela, em janeiro, a sede do Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) não está mais na comunidade. Com isso, o crescimento estaria ocorrendo sem fiscalização da prefeitura.

— O crescimento do Vidigal está desordenado. As pessoas têm construído em áreas de risco. A minha preocupação é que ocorra uma tragédia como a que vimos no Morro do Bumba, em Niterói. O pior é que os agentes do Pouso saíram da comunidade assim que a UPP chegou, e ficamos sem a fiscalização da prefeitura — comenta Ferreira, lembrando que a associação não tem poder de impedir as obras nas casas.

De acordo com moradores da comunidade, a especulação imobiliária também já elevou os preços dos imóveis no Vidigal. O aluguel de um conjugado (com quarto, sala, cozinha e banheiro), que há quase quatro anos custava R$ 205, já chega a R$ 700. A compra do mesmo imóvel, que saía por cerca de R$ 10 mil, pode chegar a R$ 40 mil, dependendo da localização e do tamanho.

— Os moradores também estão ganhando o título de posse dos terrenos das suas casas, e isso está contribuindo para a valorização e realização de reformas — explicou o presidente da associação de moradores, acrescentando que já procurou a prefeitura, por diversas vezes, para reclamar da ausência da fiscalização. — Há obras de cinco e até seis andares em locais de risco. Com um deslizamento, as casas de cima podem cair nas que estão mais abaixo. Será como efeito dominó.

Preocupado, um morador da comunidade, que preferiu não se identificar, contou que o entulho das obras é jogado até nas valas de águas pluviais e em área de mata da comunidade.

— Se juntarmos todo o entulho que está no morro, ele encheria de seis a sete caminhões. As obras estão a pleno vapor — diz o morador.

Dono de uma casa de materiais de construção na Rampa do 14, uma das entradas da comunidade, Marco Rogério Targa estocou na calçada da Avenida Niemeyer cerca de 2 mil tijolos. Segundo ele, o material seria vendido em pequenas quantidades. Na sexta-feira passada, operários carregavam os tijolos em sacos e num carrinho de mão.

— As obras que ocorrem aqui são apenas de modificação. Nada é para expansão. Coloquei os tijolos na calçada na segunda-feira e vamos retirá-los — garantiu Marco Rogério.

De acordo com policiais militares da UPP do Vidigal todos os dias há movimentação de caminhões e operários com carrinhos de mão subindo as ruas da favela com vários tipos de material de construção. Na comunidade, repórteres do GLOBO flagraram um local já preparado para receber uma nova construção. Um barranco, próximo a uma casa, havia sido escavado.

A construção de um hotel cinco estrelas no alto do Vidigal, com 11 quartos e projeto do arquiteto Helio Pellegrino, também é motivo de preocupação. A obra não tem licença. Segundo Wanderley Ferreira, a comunidade sofre com problemas de infraestrutura, como falta de água, e esgoto a céu aberto, além de queda de energia e trânsito caótico, que podem ser agravados com a inauguração do empreendimento.

— O hotel será bom para trazer visibilidade à comunidade. Não somos contra o empreendimento, mas é importante que o Vidigal receba melhorias em relação à infraestrutura primeiramente. Em nenhum momento fomos consultados sobre os problemas que essa construção pode trazer para a comunidade.

Sem dar explicações sobre o motivo da retirada da estrutura física do Pouso no Vidigal, a Secretaria municipal de Urbanismo disse que o atendimento está sendo realizado de acordo com as demandas e denúncias, feitas pelo telefone 1746 ou pela ouvidoria do órgão da prefeitura. De acordo com a nota, ao ser constatada alguma irregularidade, o imóvel pode ser notificado, embargado e autuado. O caso também é encaminhado para a Secretaria da Ordem Pública (Seop) se houver necessidade de fazer a demolição.

Ainda conforme a secretaria, o Vidigal foi declarado Área Especial de Interesse Social (AEIS) em 1998, pela Lei 2.704. Desde então, teve seus 120 logradouros públicos (ruas e praças) reconhecidos oficialmente e as regras oficiais de ocupação estipuladas. São permitidas reconstruções e modificações, além de reformas nas edificações existentes, desde que atendam aos parâmetros indicados no decreto. Contudo, qualquer obra deve ser autorizada pelos arquitetos e engenheiros sociais da prefeitura. Quanto às obras do hotel, a secretaria explicou apenas que o projeto está sendo analisado pela prefeitura.

Sobre os tijolos na calçada da loja de material de construção, a Seop informou que o proprietário não pode expor produtos em via pública. A secretaria disse que vai encaminhar equipe ao local para que sejam tomadas as providências necessárias.