Economia

Petrobras eleva produção para neutralizar efeitos da interferência política

Com a instalação de nove unidades de produção, estatal eleva capacidade em 50% para engordar caixa
Navio-plataforma Cidade de São Paulo, já em operação no pré-sal da Bacia de Santos
Foto: Divulgação
Navio-plataforma Cidade de São Paulo, já em operação no pré-sal da Bacia de Santos Foto: Divulgação

RIO — As nove unidades de produção que estão sendo instaladas este ano pela Petrobras vão representar um acréscimo de um milhão de barris de petróleo por dia de capacidade instalada no país a partir do ano que vem — o que pode neutralizar os efeitos da interferência política na estatal. O aumento de 50% em relação à capacidade produtiva atual é a chance de a empresa sair da encruzilhada de caixa em que está hoje.

— A gente vai ter um crescimento bastante significativo ano que vem. De 2011 a 2013, andamos de lado, com mais declínio natural (da produção) e menos sondas (novas) — disse a presidente da empresa, Maria das Graças Foster.

O acréscimo na capacidade não significa um aumento imediato da produção nesse volume, pois além de a entrada em operação dos sistemas ser gradual, há o declínio natural dos campos. A presidente não revelou para quanto deve aumentar a produção já em 2014, mas técnicos estimam que poderá alcançar, no mínimo, a média de 2,2 milhões de barris diários no ano que vem, 10% maior que a estimada para este ano.

O fato é que os novos sistemas trarão um incremento na receita no momento em que a Petrobras está com caixa estrangulado pela defasagem no preço dos combustíveis. Hoje, a estatal importa derivados e paga um preço mais elevado do que o cobrado internamente. Com a cotação do dólar em alta, o problema se agrava. O governo, porém, não concede um reajuste que recomponha os preços internos, por causa da pressão inflacionária de itens como gasolina e diesel. A ingerência política é o tema do último dia da série sobre os 60 anos da Petrobras e seus desafios.

Ao reduzir os recursos da companhia disponíveis para investir, o governo — acionista controlador — afeta o ritmo de crescimento da indústria petrolífera brasileira. Assim, a interferência faz com que a companhia tenha mais dificuldades de executar seu audacioso programa de investimentos de US$ 236,7 bilhões de 2013 a 2017, e até alcançar a meta de produzir 4,2 bilhões barris diários em 2020. Para especialistas, o grande dilema da Petrobras é ter acesso a recursos para monetizar as reservas já descobertas, tanto no pós-sal como no pré-sal.

Conforme publicado em reportagem do GLOBO na edição de ontem, a empresa começou a discutir mudanças na sua política de reajuste, com o objetivo justamente de recompor os preços com previsibilidade, no médio prazo. Enquanto isso, porém, a defasagem entre o que é cobrado internamente e os valores lá de fora está em 11% na gasolina e em 23% no diesel, segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Em valores nominais, segundo o CBIE, a empresa teve perda de R$ 2,9 bilhões de janeiro a julho deste ano com gastos com importação superior à receita obtida com a gasolina e o diesel. Se tivesse vendido os produtos com preços compatíveis ao do mercado internacional, sua receita seria de R$ 10,2 bilhões.

Para Ana Siqueira, da Ventor Investimentos, os recursos que a empresa precisa virão do reajuste de preços ou de uma nova capitalização, porque sua capacidade de endividamento está chegando ao limite. A outra opção seria o governo não exigir que a Petrobras tenha, no mínimo, 30% de participação na exploração do pré-sal. Caso contrário, segundo Ana, o desenvolvimento da indústria petrolífera terá seu ritmo ditado pela capacidade de investimentos limitada da Petrobras.

— O cenário a ser trilhado será determinante para o futuro da indústria de petróleo no Brasil e terá grande impacto no desempenho futuro das ações da Petrobras. A companhia tem imenso potencial de geração de valor que não está refletido no preço das suas ações, em função da incerteza do mercado sobre o controle para exercer este potencial.

Endividamento cresce

É com o aumento da produção que a Petrobras pretende reforçar seu caixa e obter recursos para investir.

—A geração operacional de caixa é a nossa principal fonte de recursos e a convergência de preços internacionais é uma das premissas do plano de negócios 2013-2017 — destaca Graça Foster.

Vários dos novos sistemas de produção em que empresa aposta suas fichas estão no pré-sal da Bacia de Santos. São eles: as FPSOs (navio-plataforma) Cidade de São Paulo, Cidade de Itajaí e Cidade de Paraty, P-63, P-55, P-58, P-61, P-62 e TAD (sigla para Tender Assisted Drilling, sonda de apoio que operará conjuntamente a P-61 e P-63). As unidades aumentam a produção do petróleo. No refino, porém, a autossuficiência só virá em 2020.

— Reforço que nossa produção de petróleo crescerá ainda este ano, bem como a produção de derivados, que vem batendo sucessivos recordes de carga processada. Tudo isso reduz nossa exposição às importações — diz Graça Foster.

O controle de preços dos combustíveis foi um problema enfrentado por todos os presidentes que passaram pela companhia.

— O controle de preços é um problema antigo. Para a companhia cumprir o programa de investimentos e atingir as metas desafiadoras, tem que ter recursos, que decorrem dos combustíveis. Ela vive com o que produz e vende — diz Joel Rennó, que presidiu a estatal de 1992 a 1999.

Para David Zylbersztajn, consultor de petróleo e ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o que determinará o futuro da Petrobras é por quanto tempo conseguirá, com fluxo de caixa negativo, realizar investimentos até que os projetos comecem a dar retorno no caixa.

— A dúvida é se a Petrobras aguenta atravessar esse período (de investimentos) com tranquilidade, e ainda por cima subsidiando os combustíveis. A Petrobras está perdendo muito dinheiro ao subsidiar a gasolina, é injustificável. Deveria estar investindo mais — destacou Zylbersztajn, que defende que o governo reduza gradualmente a defasagem dos preços e faça uma campanha para conscientizar a população sobre o uso racional dos combustíveis.

Sem recursos suficientes, nos últimos anos a Petrobras vem elevando seu endividamento — que era de R$ 176,2 bilhões em junho, uma alta de 19% frente a dezembro de 2012. Só com o leilão de Libra, terá que desembolsar, pelo menos, R$ 4,5 bilhões em bônus de assinatura, fora os investimentos.

— O desenvolvimento de Libra pode exigir entre US$ 200 bilhões e US$ 500 bilhões em investimentos. Assim, a empresa deverá arcar com, no mínimo, R$ 60 bilhões desse total. Isso representa um acréscimo de 25% no Plano de Negócios para 2013-2017 — disse Adriano Pires.

Para especialistas, a ingerência política ocorre também na escolha de projetos. Um executivo do setor lembra que na Refinaria Abreu e Lima, o governo determinou que a Petrobras se associasse à estatal venezuelana PDVSA. O contrato foi assinado em 2005, mas a PDVSA não entrou com um único dólar, e a Petrobras está prestes a romper a parceria. Com mais de 80% das obras prontas, custou US$ 18,5 bilhões.

— Ingerência política sempre houve na Petrobras. A questão é saber o quanto está prejudicando a geração de caixa, o endividamento e o investimento — disse Zylbersztajn.

Já Pedro Dittrich, sócio responsável pela área de Petróleo e Gás de TozziniFreire Advogados, acredita que a contabilização de novas reservas ajudará a Petrobras a levantar recursos.

— A empresa deverá focar nos projetos mais lucrativos e estratégicos. No médio e longo prazos, a questão dos combustíveis será equacionada.

Cálculos do CBIE mostram que, sem alinhamento dos preços de derivados, a perda de caixa da estatal será de R$ 30,7 bilhões em dez anos.

— A Petrobras terá que deixar o cacoete de empresa nacional do qual já havia se afastado. Seu compromisso deixa de ser com governos para ser com acionistas, incluído o Estado — disse Pires.