Saem discos, tacos e gelo; entram bolas, chuteiras e grama.
A terra do hóquei vai virar, ao menos por uma noite, o grande palco do futebol
na América do Norte nesta quarta-feira. O motivo é nobre: o Montreal Impact
está perto de se tornar o primeiro clube do país a conquistar a Champions
League da Concacaf e, como consequência, disputar o Mundial de Clubes da Fifa, em
dezembro, no Japão. Para isso, após ficar no 1 a 1 com o América do México, fora, na semana passada, o
time, atual lanterna da MLS (a principal liga dos Estados Unidos, que conta com mais duas equipes do Canadá), precisa de um empate sem gols ou vitória simples sobre, em casa, na decisão marcada para as 21h (de Brasília).
– Sabemos que somos os azarões, mas somos as zebras desde
o começo do campeonato e ainda estamos aqui – afirmou o treinador do Montreal,
Frank Klopas.
Zebra é a definição apropriada para a equipe. Afinal, a possível façanha pode ganhar
contornos épicos se observarmos os números da franquia na principal liga americana de
futebol profissional – apesar de canadense, o time da região de Quebec disputa a MLS, assim
como o Toronto FC e o Vancouver Whitecaps: foram apenas sete vitórias dos
últimos 47 jogos na competição.
Resultado: além de ser o dono da pior campanha
nas duas conferências neste ano (é importante dizer que jogou menos que os rivais), repete o fracasso da temporada passada, quando foi o lanterna
da competição.
– Por exemplo, vamos dizer, seria como, só que em proporções diferentes,
se São Caetano, Santo André ou algum outro time pequeno de São Paulo fosse
ao Mundial – explica o recordista de jogos com o Montreal na era MLS, com 107
jogos, o meia brasileiro Felipe, que se transferiu para o New York RB em
janeiro passado.
Apesar dos recentes fracassos na MLS, a classificação para a Champions League da
Concacaf, ou Concachampions, foi por outra via. Em um país com apenas cinco
times profissionais (além do trio da MLS, o Ottawa Fury e o FC Edmonton
disputam a NASL, liga menor também dos Estados Unidos e que conta com o Fort Lauderdale Strikers de Léo Moura), a melhor forma de disputar o torneio continental é através da
Copa do Canadá. Dito e feito: o Montreal garantiu a vaga na competição ao
superar os vizinhos no torneio de tiro curto antes da Copa do Mundo do ano
passado.
Era o primeiro passo para uma campanha de contornos épicos
que chega ao seu capítulo final nesta quarta-feira. A participação na primeira
fase foi para ninguém botar defeito: três vitórias e um empate em quatro jogos.
Depois, as dificuldades cresceram, assim como o poder de superação do modesto
time canadense. Nas quartas, eliminou o enjoado Pachuca com dois empates (graças
a um gol marcado aos 49 do segundo tempo). Na semifinal, a vítima foi o Alajuelense,
da Costa Rica, novamente em razão dos gols marcados como visitante – vitória por 2 a 0 em
casa e derrota por 4 a 2 fora. Falta apenas saber se o desfecho será feliz ou
não.
– O mais difícil eles conseguiram, que foi chegar na
final. Agora vão jogar dentro de casa, em um estádio lotado, e diante de pessoas
que estão começando a gostar muito de futebol. Mas tem que respeitar o América,
que perdeu de três na Costa Rica e ganhou de seis em casa – explicou o brasileiro,
que ficou três anos no time canadense e ainda disputou a primeira fase da
Concachampions antes de se mudar para Nova York.
FUTEBOL NA TERRA DO HÓQUEI NO GELO
O velho esporte bretão é uma novidade para os moradores dessa região francesa do Canadá, que tem outra preferência: o hóquei no gelo. O Montreal Canadiens é um símbolo da cidade e o time mais icônico da NHL, competição na qual é o maior vencedor.
O fato de dividir a cidade com o símbolo de um local que respira hóquei no gelo não quer dizer que os torcedores estejam indiferentes diante da campanha do time. Todos os 59.020 ingressos para a final foram vendidos antecipadamente, prova que a população de Montreal comprou a ideia de torcer para um time de futebol.
– Montreal é uma cidade com muitas culturas diferentes,
com muitos europeus e latinos. O futebol no Canadá está crescendo muito. Nos
Estados Unidos, as pessoas já passaram a gostar de futebol. São melhores do que
eram há quatro anos. Para a cidade, é muito importante. Tem o time de hóquei
com maior número de títulos, mas o futebol está crescendo. Não esperavam que,
em tão pouco tempo, poderia ganhar alguma coisa. Seria algo importante ver o Canadá
no Mundial de Clubes – completou o meia do New York RB, que não chegou a jogar profissionalmente no Brasil.
EX-TIME DE PAULINHO CRICIÚMA, NESTA E DI VAIO
Mesmo sendo o patinho feio da MLS nas últimas temporadas, o Montreal Impact é o segundo time da liga americana a disputar a decisão da competição desde que foi rebatizada como Champions League - o Real Salt Lake foi à final em 2010/11, mas caiu diante do Monterrey. O último time da MLS a levar o caneco do torneio, ainda com o nome de Champions Cup, foi o Los Angeles Galaxy, em 2000 - já os mexicanos tentam o décimo título seguido. Por essa razão, nunca um time de Canadá ou EUA disputou o Mundial de Clubes, organizado pela Fifa ano a ano desde 2005.
– Acho que os times da MLS começaram a valorizar
a Concacaf nos últimos dois ou três anos. Por outro lado, há os times
mexicanos. Eles têm outro calendário e já chegam em melhor forma. Eles têm
grandes times, como o Monterrey, que sempre está no Mundial, e investem muito
dinheiro - diz o meia brasileiro, ao tentar explicar o desequilíbrio entre mexicanos, americanos, canadenses e demais países que disputam o torneio.
Antes de chegar à MLS em 2012, o Montreal disputava a NASL, que
ganhou os holofotes no Brasil recentemente por conta do Fort Lauderdale
Strikers (Ronaldo Fenômeno é um dos donos e Léo Moura foi contratado como estrela neste ano). O time canadense existe desde a década de 90, já
contou
com Paulinho Criciúma em seu elenco e tem gosto por italianos: o
ex-zagueiro Alessandro Nesta e o ex-atacante Marco Di Vaio já vestiram a
camisa azul e negra. Atualmente, a referência do time é o
argentino Ignacio Piatti. Autor do gol no jogo de ida contra o América,
ele tem experiência em conquistas continentais: ano passado foi um dos
destaques do San Lorenzo na conquista da Libertadores.
ESCASSEZ DE GOLEIROS
Se na linha de frente pode contar com Piatti, o treinador do Montreal arrumou um problema e tanto na defesa. Ou melhor, três. Esse é o número desfalques que Frank Klopas tem no gol para segurar o forte ataque liderado por Oribe Peralta. O goleiro titular Evan Bush está suspenso, o suplente Erik Kronberg não pode jogar por ter atuado na competição pelo Sporting Kansas City e o terceiro reserva Maxime Crépeau integra o departamento médico.
Diante da escassez de goleiros no time canadense, John Smits foi cedido pelo FC Edmonton, da NASL, ao Montreal para as semifinais. O problema é que ele não passa confiança para um jogo desse tamanho. Por isso, o clube correu para contratar outro para a posição. E conseguiu: o veterano Kristian Nicht, de 33 anos, do Indy Eleven, da NASL.
Cinco vezes campeão da competição continental (1977, 1987, 1990, 1992 e 2006), o América precisa da vitória ou de outro empate, desde que marque ao menos dois gols - novo 1 a 1 leva para os pênaltis. A situação do Montreal seria mais confortável se Oribe Peralta não tivesse marcado aos 44 da segunda etapa, evitando a derrota mexicana diante de 105 mil torcedores dentro do Estádio Azteca.