Saúde Ciência

Voyager 1 já vaga entre as estrelas

Análise de novos dados leva comitê de cientistas da Nasa a anunciar oficialmente que nave finalmente deixou o Sistema Solar e está no espaço interestelar

Ilustração da Nasa mostra a Voyager vagando no espaço: novos dados mostram que sonda saiu do Sistema Solar e entrou no espaço interestelar em agosto do ano passado
Foto: Nasa / Nasa
Ilustração da Nasa mostra a Voyager vagando no espaço: novos dados mostram que sonda saiu do Sistema Solar e entrou no espaço interestelar em agosto do ano passado Foto: Nasa / Nasa

RIO - Agora é oficial: lançada pela Nasa há 36 anos, a sonda Voyager 1 realmente saiu da heliosfera, a zona de influência do campo magnético do Sol, em agosto do ano passado e é o primeiro objeto feito pela Humanidade a vagar pelo espaço interestelar. Depois de anos de expectativa e diversos sinais de que a nave estava na fronteira do Sistema Solar, análise de dados sobre a densidade do plasma em torno dela, publicada na edição desta semana da revista “Science”, era o que faltava para que o comitê de cientistas responsáveis pela missão finalmente concordasse que a histórica passagem de fato ocorreu.

- Agora que temos estes novos e importantes dados, acreditamos que este é o histórico salto da Humanidade rumo ao espaço interestelar – afirmou Edward Stone, cientista-chefe da missão e professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, que em entrevista a O GLOBO em junho último destacou que caberia a ele e ao comitê a decisão final sobre o assunto. - A equipe da Voyager precisava de tempo para analisar estas observações e entendê-las, mas agora podemos responder à questão que todos ficamos nos perguntando: “já chegamos lá?”. Sim, chegamos.

Os sinais de que a sonda estava prestes a cruzar a fronteira do espaço interestelar, a cerca de 18,5 bilhões de quilômetros do Sol, começaram a chegar em 2004, quando seus instrumentos mostraram que ela tinha passado pela zona terminal da heliosfera (conhecida como termination shock em inglês) e entrado na chamada heliopausa, a última camada da zona de influência do campo magnético do Sol. Desde então, eles registram um forte aumento no número de raios cósmicos altamente energéticos vindos de fora do Sistema Solar, ao mesmo tempo que observam uma constante queda na quantidade de partículas carregadas provenientes do Sol, dois dos principais sinais que os cientistas esperavam para confirmar a passagem. Mas ainda faltava um terceiro, uma mudança abrupta na direção do campo magnético em torno da Voyager 1.

E apesar deste último sinal ainda não ter sido detectado, os novos dados sobre a densidade de plasma serviram como indicação final para que os cientistas da Nasa chegassem a um consenso sobre a posição da Voyager 1. Em um recente estudo publicado no periódico “The Astrophysical Journal Letters”, pesquisadores criaram um modelo para explicar a conexão dos campos magnéticos do Sol e do espaço interestelar na heliopausa, propondo que as mudanças detectadas na quantidade de partículas carregadas em torno da nave eram “assinaturas” deste mecanismo.

Diante disso, Don Gurnett, cientista responsável pelo sensor de ondas de plasma da sonda, e sua equipe na Universidade de Iowa decidiram analisar as oscilações que ainda podem ser detectadas pelas longas antenas do instrumento - que deixou de funcionar propriamente ainda na década de 80 - em conjunção com dados do magnetômetro da nave entre 9 de abril e 22 de maio deste ano. Eles descobriram então que a Voyager 1 estava numa região do espaço em que a densidade de elétrons em torno dela ficava em 0,08 por centímetro cúbico, em linha com as previsões do modelo de que no meio interestelar ela deveria ser entre 0,05 e 0,22 por centímetro cúbico, muito acima das encontradas dentro da heliosfera ou na heliopausa.

Mas a análise não parou por aí. Gurnett e equipe também revisaram observações mais antigas, identificando outro intervalo onde as oscilações eram similares às registradas este ano no período entre 23 de outubro e 27 de novembro de 2012. Eles calcularam que então a densidade de elétrons em torno da nave era de 0,06 por centímetro cúbico, indicando que houve uma leve elevação no espaço entre as duas medições.

- Literalmente pulamos de nossas cadeiras quando vimos estas oscilações em nossos dados, pois eles mostravam que a nave estava em uma região inteiramente nova, comparável ao que era esperado para o espaço interestelar e totalmente diferente da dentro da “bolha” do Sol – lembrou. - Claramente havíamos passado pela heliopausa, a hipotética fronteira entre o plasma solar e o interestelar, provavelmente em agosto de 2012.

Por fim, Gurnett e seus colegas usaram outro artigo publicado pelo cientista na própria “Science” em 1993 no qual ele aproveitou uma série de intensas erupções solares para estudar a heliosfera. Então, 400 dias depois das tempestades solares, eles detectaram o eco de rádio da colisão das ondas de choque das erupções com a heliopausa, a uma distância estimada entre 116 e 117 unidades astronômicas (cerca de 150 milhões de quilômetros cada) na faixa de 2 kilohertz. Voltando aos dados mais recentes da Voyager 1, os cientistas procuraram por reverberações na densidade de plasma que também fossem de 2 kilohertz. E estas reverberações coincidiram com as medições de outros detectores da nave feitas em 25 de agosto de 2012 que mostraram um forte aumento no número de raios cósmicos altamente energéticos vindos de fora do Sistema Solar e grande queda na quantidade de partículas carregadas provenientes do Sol, os dois sinais da partida da Voyager 1 do Sistema Solar que já tinham sido detectados.

- A Voyager audaciosamente foi onde nenhuma outra sonda jamais foi antes, marcando um dos maiores feitos tecnológicos nos anais da História da ciência e, ao entrar no espaço interestelar, escreve um novo capítulo nas realizações e empreendimentos científicos da Humanidade - comemorou John Grunsfeld, diretor de Ciência da Nasa. - Talvez no futuro exploradores do espaço profundo alcancem a Voyager, nossa primeira embaixadora interestelar, e reflitam como essa intrépida nave espacial permitiu abriu as portas para seu futuro.

Vale lembrar que embora tenha deixado a heliosfera para trás e entrado no espaço interestelar, a Voyager 1 ainda não está verdadeiramente fora do Sistema Solar no sentido mais restrito do termo. Isso porque a maioria dos cientistas concorda que o Sistema Solar em sua acepção mais ampla só termina na chamada Nuvem de Oort, aglomerado de bolas de gelo, gases congelados e rochas espaciais que orbita o Sol a cerca de um ano-luz de distância e de onde se originam os cometas. A nuvem marca o fim da zona de predominância da gravidade de nossa estrela, isto é, onde ela começa a perder o “cabo de guerra” com a gravidade das demais estrelas da Via Láctea. A Voyager 1 só deverá alcançar a parte interna da Nuvem de Oort daqui a aproximadamente 300 anos e a expectativa é que só a deixe em 30 mil anos. Já daqui a 40 mil anos a sonda vai passar relativamente perto (1,7 ano-luz) da estrela conhecida como AC +79 3888, sofrendo um novo puxão gravitacional que deverá colocá-la em uma órbita em torno do centro de nossa galáxia onde vai vagar pelo resto da eternidade do Universo.