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Por Da Redação; Para O TechTudo


João Ubaldo Ribeiro, meu amigo dileto e escritor predileto, costuma afirmar com sua voz grave que “Se alguém disser que envelhecer é bom porque se fica mais sábio, não acredite. É mentira. Envelhecer é uma…” – e fecha a frase com uma palavra que os franceses se referem como “le mot de Cambronne” e que não cabe aqui por razões óbvias.

Agora mais velho do que ele, endosso tal frase sem restrições. E mais: acho que quem inventou aquela história da “melhor idade” é um fino gozador portador de um inegável humor negro. Mas sou obrigado a admitir que, além de andar de metrô sem pagar (pelo menos assim é no Rio de Janeiro, onde moro), quem envelhece de olhos abertos e acompanha com olhar crítico o que ocorre a seu redor, tira algum proveito do fato de ter visto as coisas evoluírem. O que vale para quase tudo, desde a alteração do conceito de “casamento” até a evolução do tamanho dos arranha-céus, para mais, e dos trajes de banho femininos, para menos. Mas onde a mudança é mais óbvia e, principalmente, mais rápida, é no campo da tecnologia.

Eu vivi (o verbo no pretérito não indica que a ação foi encerrada, apenas se refere aos tempos passados), até o momento, exatamente três quartos de século. Se eu tivesse nascido, digamos, mil anos antes, pouca diferença veria entre os tempos da infância e da idade madura. Os princípios básicos da arquitetura seriam os mesmos e as casas e palácios de minha infância não seriam muito diferentes das do tempo de idoso; o principal meio de transporte seria o cavalo ou veículos tracionados por eles; as armas seriam, durante toda minha vida, adagas, espadas e as demais que costumamos ver nos filmes passados naquela época (no final do primeiro milênio ainda não havia pólvora, que só foi “descoberta” quinhentos anos depois, na China, por alquimistas que buscavam o elixir da longa vida e que, suspeito, com a descoberta inesperada e indesejada, encurtaram a sua). Em suma: as coisas não teriam mudado muito ao longo de toda a minha existência. Se duvidar, pesquise um pouco e examine os quadros retratando cenas da vida diária do último século do primeiro milênio e perceba que aqueles pintados no início daquele século mostram basicamente os mesmos objetos, casas similares e até mesmo roupas muito parecidas com as retratadas nas pinturas do final daquele século.

Já eu nasci em 1939, um tempo em que o máximo do entretenimento doméstico era ouvir rádio. O cinema ainda era em preto e branco e tinha deixado de ser mudo há pouco mais de uma década. E ainda havia telefones de manivela. Televisão? Nem pensar.

Pois bem: ao longo de minha vida testemunhei mudanças que, se na minha juventude alguém me dissesse que ocorreriam, eu jamais acreditaria.

Caneta de pena destacável e caneta tinteiro (Foto: Reprodução) — Foto: TechTudo
Caneta de pena destacável e caneta tinteiro (Foto: Reprodução) — Foto: TechTudo

Pensando bem, no que toca a acompanhar a evolução tecnológica, creio que nasci na época mais propícia. Perco a conta do número de tecnologias que vi nascer e morrer. Um exemplo singelo: canetas tinteiro. Quando eu nasci ainda se usavam canetas de madeira com uma pena metálica que se molhava de tinta, escrevia-se um pouco até a tinta ser drenada da pena que, então, era novamente molhada (eu ainda tenho algumas delas). Quando escorria tinta demais para o papel, o excesso era removido com um papel absorvente chamado “mata-borrão”. Então vieram as canetas tinteiro, feitas de material plástico e que continham um pequeno reservatório, de borracha ou outro material elástico, com uma peça metálica sobre ele que permitia “espremê-lo”. Punha-se a extremidade da caneta onde estava a pena no interior de um tinteiro, espremia-se o reservatório para expulsar o ar, soltava-se a peça metálica para liberar o reservatório que, ao retomar o formato original, sugava a tinta para seu interior. Dava para usar a caneta por alguns dias até a tinta se esgotar, quando então havia que se encher o reservatório novamente (não ache tão bizarro; afinal, seu telefone esperto também precisa ser recarregado com muito mais frequência que as velhas canetas tinteiro). Então vieram as canetas esferográficas e hoje já não mais se veem canetas tinteiro.

Houve outras tecnologias que vi nascer e morrer. Discos de vinil, réguas de cálculo, calculadoras eletromecânicas e mais um monte de geringonças. Inclusive reprodutores de som tipo “walkman” e telefones de disco.

Incidentalmente: dia destes assisti um vídeo anunciando um produto qualquer onde aparecia uma jovem sinalizando para um rapaz que estava distante. Ela tocava sucessivamente a palma da mão esquerda com a ponta do dedo indicador da mão direita e apontava para o rapaz. Custei um pouco a perceber que o gesto significava “vou lhe telefonar”. Não há muitos anos, para transmitir gestualmente a mesma mensagem, se traçava sucessivamente pequenos círculos no ar com o dedo indicador da mão direita…

Mas porque este papo nostálgico logo agora?

Bem, porque um amigo chamou minha atenção para uma notável série de vídeos do YouTube intitulada “Kids React” (crianças reagem) baseada em uma ideia simples porém muito engenhosa: reunir um grupo de crianças e adolescentes, entregar-lhes um objeto usando tecnologia “antiga”, observar suas reações, fazer-lhes algumas perguntas e registrar tudo isto em pequenos vídeos de duração de cerca de sete minutos.

Infelizmente os vídeos são em inglês e sem legendas em português. Mas mesmo aqueles que não têm familiaridade com este idioma vão se divertir com as reações da turminha.

Aqui está o vídeo sobre telefones de disco: Reação infantil a um telefone de disco

Preste atenção na expressão de espanto de cada criança ao receber o aparelho. Depois, perguntadas sobre o que seria “aquilo”, uma delas responde: “isto é o telefone que minha mãe usava quando criança”, o que não deixa de ser verdade. E indagados sobre como sabiam que se tratava de um telefone, um deles retrucou: “Vi no cinema. E um amigo tem um”, denotando que nenhum deles tem qualquer experiência pessoal com “aquilo”.

O apresentador, então, pede que mostrem como se faz uma chamada com aquele tipo de telefone. Todos acabam descobrindo que deve-se segurar o fone próximo ao ouvido e discar o número. Uma das meninas não conseguiu e, quando o apresentador lhe ensina a discar, fica absolutamente encantada com a “novidade”. Mas nenhum deles tem qualquer ideia sobre o “tom de discar”, um conceito que desapareceu nos telefones celulares que a maioria deles usa (o curioso é que ainda existe nos telefones fixos de botão, mas parece que eles não têm grande familiaridade com telefones que não sejam os celulares de tela sensível ao toque). Quando o apresentador reproduziu o toque de ocupado e pergunta o que poderia representar, nenhum deles tem a menor ideia. E quando informados que é um “sinal de ocupado”, um dos garotos pergunta: “Ah, sim, o telefone tem um botão que o dono aperta para avisar que naquele momento ele está ocupado e você não deve ligar para ele?”.

Outra coisa que os surpreendeu foi saber que ligações de longa distância nos tempos dos telefones de disco eram mais caras que as locais. Nos EUA elas custam o mesmo e não há razão para que no Brasil seja diferente, exceto a ganância das prestadoras. Mas o que realmente mais escandalizou as crianças foi saberem “como se manda mensagem de texto” com telefones de disco. Perguntadas à respeito, passaram um bom tempo tentando imaginar uma forma de fazê-lo e, naturalmente, não tiveram sucesso. Quando foram informados que era impossível, um coro vozes exprimindo incredulidade, espanto e repulsa tomou conta da sala. Uma das pequenas perguntou: “E como se falava com os amigos?”. E, depois de alguns segundos, com uma expressão mista de quem “descobriu a pólvora” e não ficou nada contente, ela mesma responde: “Ah, é assim… Telefonando…”.

Nesse momento, a incredulidade atingiu o auge diante da explicação do apresentador: “Naquela época não havia telefones celulares. A única maneira de falar com um amigo era telefonar para ele quando ambos estivessem nas suas casas”, o que causou uma reação tipo “não valia a pena viver em um mundo assim”. E tiveram certeza disso quando descobriram como funcionavam os “orelhões” (“pay phones”). No final, o apresentador passou a cada um deles um telefone celular com tela sensível ao toque. Veja o vídeo e repare na alegria dos jovens e na familiaridade que demonstram com estes aparelhos.

O Segundo vídeo mostra a reação dos pequenos a um antigo “walkman” ainda usando fita cassete: Reação infantil a um “walkman”.

Este foi mais interessante porque o telefone de disco era desconhecido, mas parecia com um telefone. Já o “walkman” não fornece qualquer pista do que vem a ser. Elas viram e reviram o objeto nas mãos, pressionam seus botões, e nada. Ao serem instadas a dar um palpite, surgem as ideias mais estranhas. Uma das meninas acha que é um “boombox” (aqueles aparelhos de som portáteis do tamanho de uma maleta que os americanos carregam junto ao ouvido; faça uma busca no Google e peça “imagens” que você logo os identificará). E os “Ohhh” e “Ahhh” de espanto quando são informados que servem para tocar música são realmente o ponto alto do vídeo.

Então foram solicitados a dizer como se operava aquele trambolho. Futucaram o aparelho de todos os meios e maneiras, mas nenhum deles pensou em abri-lo até que uma das meninas o fez por acaso. E, com seus “walkman” abertos continuaram a tentar extrair algum som dele. Naturalmente não conseguiram. Depois de um par de minutos o apresentador revelou que jamais conseguiriam sem a fita cassete, e entregou uma a cada criança, que a recebeu com os já habituais “Ãhnnn” e “Uhhh” de espanto. O problema é que não faziam a menor ideia de como usá-la.

Alguns desistiram, outros conseguiram encaixar a cassete em seu receptáculo. E começaram a apertar botões sem qualquer resultado. O dispositivo continuava mudo. E quando o apresentador disse que, para ouvir algo, eles precisariam de audiofones, as reações que esta esdrúxula ideia despertou foram das mais desabonadoras: “Eu acho isso meio estranho”, disse uma menina. “Isto é horrível” acrescentou outra. “É a pior coisa do mundo”, comentou um menino para encerrar a questão. Mas ao receberem os fones não tiveram muita dificuldade em conectá-los e ouvir a música – exceto um pequenino que encaixou o fone nos ouvidos com o ajuste de volume no máximo e tomou um susto dos diabos.

Ao serem solicitados a dar sua opinião sobre aquela tecnologia, as avaliações foram demolidoras. Não houve uma única que dissesse algo de bom. Acharam também que, para uma coisa rudimentar como aquela, o preço (US$ 200) era exorbitante (com exceção de um jovem de bom senso que lembrou que um iPhone custa US$ 700), e quando foram informados que pessoas costumavam usar aquilo para ouvir música enquanto se exercitavam correndo, acharam um absurdo correr com todo aquele peso. E um deles alegou que aquele seria um dispositivo portátil interessante para ouvir música, desde que se tivesse “um bolso grande”.

Mas a característica que mais causou alvoroço foi o fato de que, além das cassetes só armazenarem cerca de trinta músicas (nos seus telefones espertos eles costumam armazenar centenas, senão milhares), para passar de uma música para outra não adjacente era preciso movimentar a fita, passando de música em música, até chegar a desejada. Dois deles fingiram chorar ao tomarem ciência desta forma impensável de ouvir músicas na ordem desejada. E no final todos foram unânimes em afirmar peremptoriamente que a tecnologia atual é infinitamente superior.

Pois é isso.

Para mim, que vi essas coisas nascerem e morrerem, elas parecem muito naturais. Por isto me espantei com o número de adultos que, ao olhar para a foto de uma cassete ao lado de um desses lápis sextavados (em uma postagem de uma amiga no Facebook) não conseguiram estabelecer qualquer relação entre os dois objetos (você consegue? Informe nos comentários aí embaixo). Portanto não é de estranhar que as crianças reajam como reagiram.

Isto porque os jovens – e não apenas as crianças – tendem a achar que o mundo “é” como eles o conhecem.

Não é.

No máximo, como dizem os atendentes de telemárquetingue, “está sendo”. Mas vai mudar. E mais depressa do que eles esperam.

Já comentei em algum lugar que meu neto de três anos se põe nas pontas dos pés para alcançar a tela plana de minha televisão e arrasta o dedo sobre ela tentando mudar de canal. Esta é a forma com a qual se acostumou no seu tablete e no telefone celular dos pais e do irmão mais velho. Assim é o mundo dele.

Eu não sei como será daqui a setenta anos. Mas bem que gostaria de saber. Porque observar este tipo de mudança é algo absolutamente fascinante.

B, Piropo

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