Rio

Lista revela que vereadores e policial deram dinheiro a ativistas

Relação divulgada na internet detalha contribuições para festa de ativistas do Ocupa Câmara
Lista divulgada pelo site da 'Revista Veja' Foto: Reprodução / Internet
Lista divulgada pelo site da 'Revista Veja' Foto: Reprodução / Internet

RIO - A ativista Elisa Quadros, a Sininho, presa em outubro junto com mais 31 pessoas que participavam do movimento Ocupa Câmara, depois de deixar a cadeia continuou a circular com desenvoltura pelo Palácio Pedro Ernesto. Uma das líderes das manifestações de rua, a ativista e amigos visitaram os gabinetes do Legislativo carioca em dezembro. O objetivo foi coletar fundos para uma festa de Natal para a população de rua da Cinelândia. De lá, saíram com contribuições dos gabinetes de dois vereadores do PSOL: Renato Cinco (R$ 300) e Jefferson Moura (R$ 400). Curiosamente, o mesmo prédio tinha sido invadido duas vezes em agosto por parte do grupo, em protesto contra a composição da CPI dos Ônibus.

De doação em doação, a festa saiu graças a várias contribuições. Até uma autoridade policial, categoria sempre criticada por black blocs e movimentos sociais, meteu a mão no bolso: o delegado Orlando Zaccone. O policial colaborou com R$ 200 e no evento ainda proferiu uma palestra sobre o direito de protestar. Os nomes constam de uma lista de prestação de contas que circulou pelas redes sociais e foi divulgada nesta quinta-feira pelo site da revista “Veja”.

A relação inclui ainda o nome do juiz João Batista Damasceno, que teria pago R$ 100. Dos citados, apenas o juiz negou ter contribuído para o evento. Com participação de cerca de 300 pessoas, a festa custou R$ 1.699,96 e foi realizada no dia 23 de dezembro, na Cinelândia.

A conveniência de recolher dinheiro de políticos gerou discussão entre os próprios manifestantes. Afinal, o Legislativo era um dos alvos de críticas. Em alguns protestos, a fachada da Câmara chegou a ser atacada por black blocs. A questão acabou sendo abordada pela própria Sininho em sua página no Facebook, em postagem datada de 19 de janeiro.

Cautela com as críticas

Sem citar claramente a festa de dezembro, ela conta: “Por acaso o nome de algum politico foi falado em algum momento no evento? Não. Eles doaram como civis, não políticos. E foi incrível. Sem politicagem, as pessoas se divertiram, aprenderam, comeram, ganharam,” escreveu,

Na mesma postagem, Sininho também desabafa, contando os problemas pessoais que passou a enfrentar depois que aderiu às manifestações. Ela disse que havia sido despejada, estava desempregada e deixou de falar com os pais. Também afirmou não ter ficado com o dinheiro recolhido.

A informação sobre doações causou mal-estar no Legislativo, por ter sido para uma causa dos mesmos ativistas que acamparam semanas em frente à Casa, promovendo uma invasão que impediu o funcionamento do Legislativo por vários dias. Mas, entre os que concordaram em falar, houve cautela com as críticas, já que o ano é de eleições. O presidente da Câmara, Jorge Felippe (PMDB), ressaltou que doar dinheiro não é crime.

— As doações foram como pessoas físicas. A decisão de dar dinheiro é da consciência de cada um. Não vou criticar ninguém. Eu, por exemplo, não contribuiria — disse Jorge Felippe.

Tereza Bergher (PSDB) ressaltou que as doações foram legais. Mas ela reprovou a iniciativa:

— Por um lado, parece tudo bem. O dinheiro é deles e não há qualquer impedimento legal. Mas a questão é que o Palácio Pedro Ernesto ficou dias sem funcionar por causa da ocupação. Quem saiu no prejuízo foi a população carioca.

Ainda não é possível saber se as doações podem ou não ser tema de debates no Conselho de Ética, porque o grupo está acéfalo. Após dois anos de legislatura, todas as comissões são declaradas vagas para a escolha de novos integrantes.

Em nota, a Polícia Civil informou que o conteúdo da lista será alvo de investigação da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). Segundo a polícia, o objetivo é confirmar se o dinheiro doado foi usado para financiar atos criminosos em manifestações. A unidade especializada também vai receber da 17ª DP (São Cristóvão) cópias dos depoimentos já colhidos, para investigar o possível aliciamento de pessoas para protestos. A Coordenadoria de Informação e Inteligência Policiais (Cinpol) dará apoio a todo o processo.

Juiz citado em lista nega contribuição

O delegado Orlando Zaccone, atualmente titular da 30ªDP (Marechal Hermes), confirmou ter feito a doação. Ele contou que foi procurado por Sininho e outros integrantes do Ocupa Câmara para fazer uma palestra sobre o direto de liberdade de manifestações durante uma festa para sem-teto que circulavam no Centro. Mas que só doou dinheiro depois de ver como estava sendo gasto.

— Aceitei o convite e na hora me pediram uma contribuição. Decidi só dar o dinheiro quando fui ao evento e vi no que o dinheiro seria realmente gasto. Não contribuí para a causa dos black blocs, mas para um movimento pacífico. O grupo me pediu para esclarecer os direitos que os cidadãos têm para protestar e apresentar suas reivindicações — disse Zaccone.

O vereador Jefferson Moura (PSOL) argumentou que a doação foi feita por funcionários de seu gabinete, que foram procurados por um grupo do qual fazia parte a ativista Sininho. Mas afirmou que ele mesmo teria doado, por considerar que os recursos se destinavam a um evento social. Jefferson disse desconhecer que a doação teria ligação com o Ocupa Câmara.

— Era um evento para a população de rua. Quando eles visitaram o gabinete, eu estava de férias. Senão eu mesmo teria contribuído — disse o vereador, que durante a invasão à sede do Legislativo pelo Ocupa Câmara, negociou várias vezes a permanência, e depois a saída, dos manifestantes no Palácio Pedro Ernesto.

Renato Cinco, também vereador pelo PSOL, está viajando, mas sua assessoria confirmou, em nota, a contribuição: “O objetivo era oferecer um jantar natalino a moradores de rua na Cinelândia. Tanto que a lista inclui água, gelo, pão, rabanada e papel-toalha.”

A colaboração de Cinco foi considerada natural pelos colegas do vereador, já que este é ligado aos movimentos sociais. Segundo registros da casa, Sininho visitou o gabinete de Cinco pelo menos 20 vezes em 2013. Um de seus assessores chegou a ser preso duas vezes durante protestos, acusado de desobediência, gerando processos judiciais. Um dos casos está arquivado, e o outro continua em andamento. Esse assessor não quis dar entrevistas.

Em nota, o juiz João Damasceno negou ter feito doações ao grupo: “Jamais contribuí financeiramente para qualquer manifestação ou entidade da sociedade civil que as convoque. Abro meu sigilo bancário”, afirmou em nota.