Rio

Manifestação deixa um homem morto e fecha ruas de Copacabana

Conflito com PM começou após morte de dançarino, cujo corpo foi encontrado dentro de uma creche no Pavão-Pavãozinho
Ladeira Saint Romain ficou tomada de objetos incendiados Foto: Marcelo Piu / Agência O Globo
Ladeira Saint Romain ficou tomada de objetos incendiados Foto: Marcelo Piu / Agência O Globo

RIO — A morte de um dançarino, numa favela pacificada, provocou, nesta terça-feira, um violento protesto em Copacabana. A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das principais do bairro, teve o trecho entre as ruas Almirante Gonçalves e Sá Ferreira completamente interditado após virar praça de guerra, com barricadas montadas com fogo. A confusão, que também provocou o fechamento do Túnel Sá Freire Alvim, da Rua Raul Pompeia, de lojas e de um dos acessos à estação do metrô da General Osório, começou após a descoberta do corpo de Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG, em uma creche no Pavão-Pavãozinho. Inconformados com a morte do rapaz de 26 anos, que fazia parte do elenco do programa “Esquenta”, da TV Globo, moradores desceram para o asfalto e, acusando policiais da UPP de terem espancado Douglas, começaram o tumulto, por volta das 17h30m, provocando pânico na região e atrapalhando a volta para casa dos trabalhadores que não emendaram o feriadão. Parte da comunidade ficou sem luz.

Morte tem mais de uma versão

O Batalhão de Choque da PM e o Corpo de Bombeiros foram para o local, assim como policiais do 23º BPM (Leblon). Com o reforço no policiamento, começou um intenso tiroteio dentro da comunidade, por volta das 18h30m. Sem poder entrar no morro, centenas de moradores ficaram em ruas próximas à espera de uma trégua. Um rapaz de 27 anos foi morto com um tiro na cabeça, durante o tiroteio. Segundo a secretaria municipal de Saúde, ele foi levado para o Hospital Miguel Couto, na Gávea, com vida, mas não resistiu ao ferimento. Segundo informações da 13ª DP (Ipanema), a vítima se chamava Edilson da Silva dos Santos.

As circunstâncias da morte do dançarino ainda não foram esclarecidas. Amigos acusam policiais militares da UPP de terem espancado Douglas até a morte porque o dançarino teria, na noite de segunda-feira, tirado satisfação com militares pelo sumiço de uma moto de um colega da comunidade. De acordo com um morador, que prefere não ser identificado, a moto teria sido confiscada por policiais, que teriam dito que o veículo era roubado. DG teria reclamado com um PM e sido levado, em seguida, para um local desconhecido. A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) nega.

Outra versão para a morte é que o dançarino teria pulado muros, na noite de segunda, para fugir de um confronto entre policiais e traficantes no morro. Esses enfrentamentos teriam aumentado depois que o chefe do tráfico local, Adauto do Nascimento Gonçalves, o Pitbull, não voltou de uma Visita Periódica ao Lar. Ele está foragido desde junho do ano passado. Segundo amigos da vítima, Douglas, que também era mototaxista na comunidade, teria sido confundido com um bandido. Ao fugir, pulando muros, ele teria se escondido dentro de uma creche, onde teria sido espancado até a morte, após ser descoberto. A UPP também não confirma a informação.

De acordo com a 13ª DP (Ipanema), onde o caso foi registrado, o corpo de Douglas foi descoberto por policiais que faziam a perícia do tiroteio ocorrido na segunda-feira. Segundo a polícia, não havia marcas de tiros no corpo do dançarino. O laudo preliminar da perícia aponta várias fraturas na costela e atesta que as escoriações de Douglas são compatíveis com morte por queda. Maria de Fátima da Silva, mãe do dançarino, no entanto, contou que o corpo do filho estava cheio de marcas de botas, indicando que ele foi espancado. O resultado final da perícia só deve ficar pronto em 15 dias.

— O corpo dele estava cheio de marcas de botas. As costas, todas arranhadas, e as paredes da creche, que são de chapisco, ensanguentadas. A UPP não protege ninguém. A gente vive num regime de arbitrariedade. A gente quer que quem fez isso com meu filho seja punido. O corpo só foi aparecer hoje (terça-feira) porque descobriram que mataram um trabalhador — disse Maria de Fátima.

A mãe, que é auxiliar de enfermagem e dividia um apartamento com o filho na Rua Barão da Torre, contou que Douglas estava com R$ 800, que sumiram. Segundo ela, os documentos do rapaz, que não foram vistos junto ao corpo, apareceram apenas na delegacia, molhados.

Maria de Fátima contou que o filho, com quem ela conversara por telefone por volta das 20h de segunda, tinha ido ao Pavão-Pavãozinho para ensaiar uma música para o “Esquenta”. Douglas, que deixou uma filha de 4 anos, que morava com a mãe na comunidade, tinha duas passagens pela polícia, uma como usuário de drogas, em 2011, quando foi detido com entorpecentes em sua moto, e a outra por lesão corporal, pela Lei Maria da Penha, em 2010. Na primeira prisão, ele confessou que a droga seria para consumo próprio.

Tiros, vandalismo e barulho de explosão

O barulho de tiros e bombas deixou moradores de Copacabana assustados na noite desta terça-feira. Pelo menos um carro foi queimado na subida do Pavão-Pavãozinho, isolada por barricadas montadas com carrinhos de supermercado, caixas de madeira e até eletrodomésticos. Um depósito da Comlurb acabou invadido e teve caçambas com lixo incendiadas. Prédios e um hospital tiveram janelas quebradas. Uma tubulação de ferro também foi deixada na Ladeira Saint Roman, para impedir a entrada de carros. A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das mais importantes do bairro, e o Túnel Sá Freire Alvim ficaram cerca de cinco horas fechados. As vias só foram liberadas pouco antes da meia-noite. O medo era visível no rosto dos moradores do bairro, que presenciaram as cenas de violência. A dona de casa Lúcia Salles, de 70 anos, estava estarrecida com os acontecimentos da noite:

— Quando os tiros começaram, pareciam cenas do Iraque que eu vejo pela TV.

Morador de Copacabana, Thiago Verly disse que a situação foi de desespero:

— Vi muita gente ateando fogo na subida da Rua Saint Roman. A confusão foi generalizada. Um grupo quebrava carros, e muita gente desceu o morro com pedras nas mãos. Na hora, pensei que fosse um ataque contra todo mundo que estava na rua, tipo um arrastão e saí correndo até um hostel.

Já Marcos Quintes, publicitário que estava em uma lanchonete na hora da confusão, conta que tudo aconteceu muito rápido:

— Foi estarrecedor. Estava comendo quando escutei o barulho de sirenes e vi o pessoal do Choque correndo para o acesso à comunidade. Logo depois, quando fui atrás, o comércio fechou as portas dizendo que o morro estava descendo. Fiquei na portaria do Hotel Miramar, onde os funcionários gritavam para que nenhum turista deixasse o hotel. Os turistas acompanhavam pela TV do hotel e não acreditavam que aquilo acontecia ali do lado.

Presidente da Associação de Moradores de Copacabana (Amacopa), Tony Teixeira, também presenciou o tumulto:

— Foi lastimável que isso tenha acontecido, pois estamos em uma semana de feriadão e o bairro estava completamente tomado por turistas. Infelizmente, pessoas inocentes pagam o pato nesta guerra entre a polícia e o tráfico. Precisamos, de fato, transformar a favela e bairro. Isso se a gente quiser parar de enxugar gelo.

Menino de 12 anos teria sido baleado

Com a Nossa Senhora de Copacabana e o Túnel Sá Freire fechados, na altura da Sá Ferreira, o tráfego foi desviado para a Rua Miguel Lemos e a Avenida Atlântica. Apesar da ação dos agentes de trânsito da CET-Rio, houve engarrafamento e muita apreensão por parte dos motoristas. Segundo o Metrô Rio, o acesso da Rua Sá Ferreira à estação da General Osório também teve que ser fechado.

A correria de moradores do asfalto, que voltavam para casa, e os da favela, que desciam o morro fugindo do tiroteio, disseminou uma sensação de insegurança. O cozinheiro Antônio Mauro Nunes de Souza, morador do Pavão-Pavãozinho, disse que estava abrigado do tumulto na esquina da Rua Sá Ferreira com Avenida Nossa Senhora de Copacabana quando viu um menino de 12 anos descer a Ladeira Saint Romain baleado. Até o fim da noite de terça-feira, a polícia não havia confirmado o fato. A Secretaria municipal de Saúde também não confirmou a chegada de qualquer menino ferido. E, segundo o Instituto Médico-Legal (IML), nenhum corpo com essas características chegou ao prédio.

Conflitos em tempos de pacificação

O tumulto após a morte de Douglas Rafael da Silva Pereira não foi o primeiro incidente violento envolvendo as favelas do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo este ano. No último dia 2, moradores do Cantagalo protestaram em frente à estação do metrô, depois que dois homens foram baleados na comunidade. Segundo a PM, um deles seria traficante. Em março, houve dois dias seguidos de conflitos no Pavão-Pavãozinho. Na tarde do dia 5, PMs da UPP trocaram tiros com traficantes. No dia 6, bandidos enfrentaram equipes da Polícia Civil, que foram à favela fazer a perícia do tiroteio da véspera. Os agentes ficaram encurralados no alto da favela e foram resgatados com a chegada de reforços.

No dia 18 de janeiro, parte do comércio de Ipanema fechou, num luto forçado pela morte do traficante Patrick Costa dos Santos, após troca de tiros com soldados da UPP do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo. As duas comunidades, onde vivem pouco mais de 10 mil pessoas, estão pacificadas desde dezembro de 2009.

*Colaboraram Vera Araújo e Alessandro Lo-Bianco