Política

Ipea admite erro em pesquisa que apontou que maioria dos brasileiros apoiava ataques a mulheres

Pesquisa causou repercussão nacional; Ipea informou que houve troca em gráficos

BRASÍLIA O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) anunciou nesta sexta-feira que está errada a informação de que 65% dos brasileiros concordariam total ou parcialmente com a ideia de que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Na verdade, o percentual correto é 26%. Resultado de um levantamento divulgado pelo próprio Ipea na semana passada, o dado provocou polêmica em todo o país, levando até a presidente Dilma Rousseff a lamentá-lo publicamente, destacando que a sociedade brasileira ainda tem muito a avançar.

O erro levou o diretor de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Guerreiro Osorio, a pedir exoneração do cargo. Ele permanecerá no instituto como pesquisador, pois é servidor concursado.

Em nota, o Ipea pediu desculpas e informou que a falha foi provocada por uma “troca de gráficos”, o que alterou os resultados de 4 dos 41 itens da pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres.” Para o instituto, porém, as conclusões do levantamento continuam válidas, uma vez que as respostas a outras questões não foram alteradas. Numa delas, 58,5% dos entrevistados afirmaram concordar com a ideia de que haveria menos estupros se as mulheres soubessem como se comportar.

Como houve a troca de gráficos, o índice de 65% de concordância dizia respeito à seguinte afirmação: “Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar.” Para essa afirmação, a concordância não era de 26%, como divulgado na semana passada.

Outro item da pesquisa que teve os resultados corrigidos dizia: “Em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Na verdade, 58,4% dos entrevistados concordaram totalmente com a afirmação, ao contrário dos 47,2% divulgados inicialmente. Os dados dessa sentença foram trocados pelos da frase: “O que acontece com o casal em casa não interessa aos outros”, cujo índice de concordância total passou de 58,4% para 47,2%.

Para o instituto, “um erro bobo”

O chefe de gabinete do instituto, Sergei Soares, lamentou o equívoco, que atribuiu “a um erro bobo”. Afinal, segundo ele, a falha ocorreu na consolidação dos dados e não na fase de análise das respostas dos entrevistados, quando são extraídos os resultados propriamente ditos.

— Duas das perguntas ficaram trocadas no Excel. É um erro bobo — afirmou o chefe de gabinete, fazendo referência ao software de planilhas de computador.

Sergei disse também que Rafael Osório não teve participação direta no erro, mas pediu exoneração por entender que cabia a ele, como diretor da área e um dos autores do texto, responder pela falha.

A pesquisa consistiu na aplicação de questionários a 3.810 pessoas, entre maio e junho de 2013, em municípios das cinco grandes regiões do país. Tão logo os resultados foram divulgados, uma onda de indignação tomou as redes sociais. Em Brasília, a jornalista Nana Queiroz lançou a campanha “Não mereço ser estuprada”, incentivando mulheres a postarem fotos sem roupa, a fim de demonstrar que vestir pouca roupa não justifica qualquer violência sexual. Ela própria posou sem camisa, cobrindo os seios com o braço, na frente do Congresso.

Ontem, ela lamentou os erros do Ipea, embora tenha registrado que ficava feliz ao saber que o número de pessoas que toleram a agressão a mulheres por causa da roupa é menor do que o originalmente divulgado. A jornalista evitou comentar os demais resultados do levantamento:

— Não confio em mais nenhum dado do Ipea. Confio é no que eu experimentei: por causa do meu protesto, recebi várias ameaças e xingamentos que comprovam que o machismo existe sim — disse Nana.

Nana diz ter recebido mais de cem ameaças de morte pelas redes sociais. Os casos estão sendo investigados pela Polícia Federal. Apesar do medo, a jornalista afirma que não deixará de defender a causa feminista:

— Vou continuar trabalhando até que 0% da população seja contra os ataques a mulheres. Não devemos nos contentar nem com os 26%. É bom saber que essa porcentagem pode ser menor do que a que foi divulgada, mas ela não deveria nem existir.

O chefe de gabinete do Ipea contou que a reação da sociedade foi acompanhada de muitas críticas ao levantamento e à metodologia da pesquisa. Segundo ele, foi isso que levou os pesquisadores a revisar todos os procedimentos.

Para secretária, índice ainda é alto

Para a secretária de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Aparecida Gonçalves, esse dado é revelador do machismo na sociedade brasileira. De um lado, ela considerou positivo que o percentual de brasileiros que toleram agressões a mulheres por causa da roupa que elas vestem seja menor: 26% em vez de 65%. Mas ponderou que o índice de 26% permanece elevado:

— Faça as contas e veja quantas pessoas isso representa.

Na mesma linha, Sergei Soares afirmou que as conclusões gerais do levantamento continuam válidas, isto é, há uma “ambiguidade nos discursos”, conforme o texto que acompanha o levantamento. “O primado do homem sobre a mulher ainda é bastante aceito pela população, mas a violência física não é tolerada.”

— A conclusão não muda: a sociedade continua sendo machista, embora seja um machismo complexo — disse Sergei.

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Tânia Montoro, que é especialista em questões de gênero, afirmou que as perguntas do levantamento foram mal formuladas:

— O estudo é muito tendencioso. Para se verificar como o machismo está inserido na sociedade, seria preciso verificar em que padrões ele se evidencia. A escolaridade e a profissão dos entrevistados é muito importante, e a pesquisa não levou isso em consideração. O que deveria ter sido perguntado é em que tipo de situação a mulher é mais exposta à violência: dentro do ônibus, com roupa curta? Com essas perguntas, o entrevistado teria oportunidade de responder o que realmente pensa, sem margens para outras interpretações.