Edição do dia 09/08/2013

09/08/2013 22h49 - Atualizado em 22/08/2013 22h16

Adolescentes carregam caminhões de pedras no sertão do Piauí

Em todo o país, o Piauí é proporcionalmente o estado que tem mais crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalhando.

Esta deveria ser uma imagem comum: crianças brincando sem problemas. Mas nem sempre é assim. O Globo Repórter foi ao Piauí. Um estado de paisagens belíssimas e um entardecer deslumbrante.

Em todo o país, o Piauí é proporcionalmente o estado que tem mais crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, trabalhando. Mas é difícil encontrar menores nas atividades mais duras, mais pesadas. Porque, geralmente, esse tipo de trabalho é feito meio escondido. Mas com paciência, a gente encontra.

O programa percorreu o sertão do Piauí para ver se crianças e adolescentes ainda trabalham em atividades proibidas pra eles.  Partimos para uma região de pedreiras. Sabemos que muitos ainda trabalham, mas onde estão? 

E não é preciso procurar muito para ver certas cenas. É uma atividade que eles fazem muito bem. Tão jovens e cheios de experiência. As mãos já estão acostumadas. Fazem tudo com naturalidade. É trabalho de criança catar pedras na beira da estrada? “A vida é dura. Aí temos que trabalhar“, afirma um menino.

A extração de pedras está na lista das piores formas de trabalho infantil. Por isso, é uma atividade proibida para menores de 18 anos. Expostos ao sol e a uma temperatura de quase 40°C, esses pequenos guerreiros aprenderam a não reclamar do cansaço.

“Acostuma. Hoje em dia , assim, estou acostumado”, diz um menino. 

Um menino tem só 12 anos, mas trabalha como gente grande.

Globo Repórter: O pai e a mãe sabem que você está aqui?
Menino: Sabem.

Ele conta que só vai para escola depois de terminar o serviço. “Na hora que encher o caminha, a gente vai”, diz.

Um, dois, são muitos arremessos por dia. Eles precisam trabalhar curvados. Ganham por carregamento. Duas caçambas cheias de pedras valem R$ 100. Dinheiro que dividem por quatro.
 
As pedras vão ser levadas para uma loja de material de construção que pertence ao dono do caminhão, que diz que também começou a trabalhar ainda pequeno. Ele tenta se justificar.

“Eu conheço os pais deles. É autorizado até pelos pais deles. Faço isso até na atitude de ajudar, Porque a região é muito carente”, afirma Antônio Francisco Pereira, comerciante.

Mas até quando isso vai acontecer?

“Existem casos de crianças no trabalho, de 4 anos, 5 anos. Nas estatísticas do Brasil atualmente, é possível medir essa incidência a partir dos 5 anos de idade”, conta Laís Abramo, diretora da OIT/Brasil.

“As denuncias chegam e ao mesmo também não temos gente suficiente. Mas na medida do possível estamos atendendo todas as denúncias que chegam até nós”, declara Paula Mazullo,
superintendente do Ministério do Trabalho – Piauí.

Mas não é só no interior que menores trabalham ilegalmente. O Globo Repórter fez algumas imagens na capital, numa avenida movimentada, às margens do Rio Parnaíba.

Em Teresina, no Piauí, muitos menores, adolescentes, trabalham numa atividade perigosa, arriscada. Eles lavam carros no meio da rua. Para atrair a clientela, eles esquecem o perigo.

A lei proíbe esse tipo de trabalho para crianças e adolescentes por causa do contato com produtos químicos e do risco de atropelamentos.

Globo Repórter: Mas pode lavar carro com 16 anos?
Menino: Pode. Aqui pode.
Globo Repórter: Você estuda? Em que ano você está?
Menino: Estudo. Estou na oitava. Atrasado um pouco, mas...

Jovens trabalhadores sem carteira assinada e sem benefícios sociais.

Globo Repórter: Você trabalha desde que idade?
Menino: desde meus oito anos.
Globo Repórter: Mas oito anos não pode trabalhar
Menino: Mas eu ficava ajudando os meninos. Aí resolvi entrar no ramo também.

Quase sempre esses jovens trabalham uma média de dez horas por dia e ainda estudam à noite.

“Eu trabalho das 7h30 às 17h30”, conta o menino.

Resultado: o Piauí tem quase metade dos alunos do ensino médio com problema de defasagem escolar. Um índice bem acima da média nacional. E a taxa de abandono é praticamente o dobro da média do país.

As histórias se repetem.

Globo Repórter: Desde que idade você lava carro?
Menino: Deste os 13.
Globo Repórter: Você ganha quanto trabalhando aqui?
Menino: R$50, R$40.
Globo Repórter: Por dia?
Menino: É. Depende do dia.

“O combate ao trabalho infantil no Brasil, que se deu a partir dos anos 90, começou de uma forma muito difícil porque havia uma cultura na sociedade que criança que estava no trabalho infantil, era melhor ela estar trabalhando porque senão ela ia roubar. Como se a ela não fosse dado outro destino”, afirma Paula Mazullo.

“A entrada precoce no mercado de trabalho reduz muito as possibilidades de uma renda futura quando essa pessoa for adulta, do acesso a um trabalho decente. Então, uma criança, um adolescente, que entre no mercado de trabalho sem ter o ensino básico, ensino fundamental completo, ele vai ter muito menos condições de ter um trabalho adequado”, ressalta Laís Abramo.

Não é preciso refletir muito pra entender que toda criança precisa ter um tempo de brincar. E que carregar pedras definitivamente não é uma brincadeira.