Economia

Gás não convencional nos EUA muda mapa energético mundial

Produção cresce 30% em cinco anos e gera 2 milhões de empregos

Poço é perfurado com fracking hidráulico no Texas: gás de xisto representa 40% da produção americana
Foto: Jim Wilson/The New York Times/16/09/2013
Poço é perfurado com fracking hidráulico no Texas: gás de xisto representa 40% da produção americana Foto: Jim Wilson/The New York Times/16/09/2013

WASHINGTON - Acostumados por meio século a examinar o tabuleiro internacional para garantir sua segurança energética, e traumatizados pelo choque de oferta que completa quatro décadas, os Estados Unidos há cinco anos aprenderam que o caminho para menor independência é cavar o quintal de casa. Desde 2008, é o mundo que observa atento a revolução na exploração americana de gás e petróleo não-convencional, especialmente das abundantes formações de xisto. A produção nacional dos insumos avançou 30% no período e animou o setor de energia, que criou quase dois milhões de empregos.

O preço do gás despencou, elevando a competitividade de indústrias locais, e os EUA se preparam para serem exportadores líquidos do produto. Dada não há muito como emperrada, a exploração de petróleo renasceu e as importações estão ladeira abaixo, liberando 2 milhões de barris diariamente no mercado internacional, antecipando uma redução dos interesses americanos no Oriente Médio e alterando o xadrez do comércio global de energia.

A mágica dos EUA - maiores consumidores de petróleo e gás do mundo - para reescrever sua história energética atende pelo nome de fraturação hidráulica (fracking). Com esta tecnologia, as empresas perfuram a terra a grandes profundidades e injetam potentes jatos de água para causar fissuras e liberar gás e petróleo de sólidas e generosas formações de xisto.

- Os EUA não são a única nação abençoada com abundantes reservas de energia não-convencional. Mas é das únicas que conseguiram transformar o potencial do xisto em realidade, porque tem vantagens únicas, como alta habilidade tecnológica, reservas estáveis, direitos de propriedade bem definidos, generoso suprimento de água, baixa densidade populacional e os incentivos corretos. Assim se faz uma revolução - resume Kevin Logan, economista-chefe para os EUA do HSBC.

Preços caíram 54% desde 2008

A explosão do preço do petróleo e do gás no mercado internacional há cinco anos encontrou no amadurecimento da tecnologia de fracking, utilizada desde 1980, a combinação perfeita de incentivo à indústria de energia americana, pois tornou economicamente viável a operação de xisto em larga escala. Rapidamente, as empresas, lidando com produção convencional declinante, incrementaram a exploração em bacias de xisto do Texas e da Dakota do Norte e desbravaram em massa intactas formações geológicas, como a de Marcellus, na Costa Leste.

O gás natural foi a primeira aposta a se pagar. De 2% do total em 1990, o gás de xisto representa hoje 40% da produção americana anual de 23 trilhões de pés cúbicos, inundando o país com um volume tão grande do insumo que os preços tiveram queda vertiginosa no mercado doméstico, de 54%, desde 2008: de US$ 8 para US$ 3,70 da unidade de referência de venda. Na Europa, está em cerca de US$ 12 e no Japão, US$ 16.

As importações de gás - que há cinco anos estimava-se chegarem a US$ 100 bilhões em 2012 - caíram 25% e os EUA ampliaram o processo de venda do insumo ao exterior, com alta de 50% para o México e de 27% para o Canadá. Estes mercados, porém, ficaram pequenos para o potencial americano e o Departamento de Energia já aprovou a construção de quatro unidades de produção de gás liquefeito para exportação, com capacidade de 2,4 trilhões de pés cúbicos por ano. Outras 18 instalações estão sendo avaliadas.

Atividade impulsiona PIB

Com energia mais barata, as indústrias química, de plásticos, metalúrgica e de papel e celulose - que representam 31% das exportações de manufaturados dos EUA e 34% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial - recuperaram tração e voltaram ao mapa global. Levantamento do HSBC aponta que 6 multinacionais de químicos e plásticos e uma de metalurgia anunciaram, nos últimos dois anos, a construção de fábricas no país.

A exploração de petróleo do xisto e outras formações não convencionais aproveitou-se diretamente do desenvolvimento acelerado do mercado de gás. A extração média de 250 mil barris/dia em 2008 pulou para 2 milhões este ano, 20% da exploração diária nos EUA - em 2011, o país foi o que registrou a maior expansão de produção fora da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

O boom de petróleo não-convencional não deverá durar tanto quanto o do gás, segundo especialistas, mais cerca de 10 anos. Mas será suficiente para reduzir a dependência do exterior, o que é chave econômica e politicamente para os EUA. As importações, que há cinco anos cobriam 60% do consumo, caíram para 42%. E o número ainda vai baixar, pois a estimativa é alcançar quatro milhões de barris de óleo não-convencional em 2020.

Segundo a Administração de Informações Energéticas dos EUA (EIA, na sigla em inglês), a revolução do xisto e outras fontes não-convencionais já derrubou de 24% para 17% a fatia das importações no consumo americano de energia e derivados. A previsão é reduzir a dependência a 10% em 15 anos.

O efeito colateral na economia, no entanto, extrapola o balanço energético. Num país em que a indústria foi severamente castigada pela competição externa e eliminou permanentemente postos de trabalho, o resgate do setor de energia representa vitalidade. O HSBC estimou que o impacto da revolução energética do xisto pode impulsionar o PIB entre 0,2% e 0,3% anualmente nos próximos dez anos - nada desprezível para um país que está crescendo pouco mais de 2%.

O historiador Daniel Yergin, um dos maiores especialistas no quadro energético americano, projeta que as atividades do xisto vão mais do que dobrar a geração de vagas, empregando quatro milhões de trabalhadores em 2020. E, segundo o Fundo Monetário Internacional, que dedicou parte da avaliação anual dos EUA ao tema, o déficit externo da conta de energia caiu US$ 90 bilhões nos últimos cinco anos, de 2,7% para 1,9% do PIB.

- É um grande ganho para os EUA, um gatilho ao dinamismo que prova a capacidade de regeneração da economia americana. É bom para as contas externas e para setores industriais que usam intensivamente energia. O dólar fica menos apreciado, o que aumenta a posição frente aos mercados emergentes. É um bom momento sobretudo para o setor de manufaturados - avalia Gian-Maria Ferretti, chefe da missão para os EUA do FMI.

Pesquisa da revista “Foreign Policy” com 57 especialistas, conduzida no ano passado, revela que o desdobramento do boom energético americano será a redução da independência externa. Isso já está redesenhando o mercado global de energia. Por exemplo, a indústria do México está se beneficiando do gás barato americano, enquanto integrantes da Opep como Algéria e Angola veem queda de 50% nos volumes exportados aos EUA.

O principal efeito, porém, será a redução do peso do Oriente Médio no fornecimento de petróleo e gás aos EUA. O excedente deverá pressionar os preços controlados pelo cartel internacional para níveis entre US$ 80 e US$ 90, com impacto para as receitas de uma região com grandes demandas socioeconômicas. Menos dependente, os EUA terão menos interesses no Oriente Médio, onde gasta boa parte da energia de sua política externa, deixando um vácuo de influência em área instável.

A China já compra mais petróleo do Golfo Pérsico do que os EUA e a tendência é que a Rússia – segundo maior produtor de gás do mundo e um dos principais de petróleo - tenha nos chineses seus principais clientes no mundo. Hoje, os russos contam com o mercado europeu como destino número 1 de suas exportações. A Europa, por sua vez, poderá comprar mais gás e petróleo dos EUA - cuja cadeia está crescentemente integrada ao do Canadá - e de outros países das Américas.

Essas mudanças sugerem um quadro em que os Hemisférios Ocidental e Oriental reduzirão trocas e forjarão novas alianças regionais. O Brasil, com a expansão do pré-sal, é ator privilegiado desta reconfiguração, sugere Daniel Yergin.

- Se pegarmos o que está acontecendo no Brasil e no Canadá, veremos um reequilíbrio dos fluxos globais de petróleo. Ao fim da atual década, o Hemisfério Ocidental já pode estar importando muito pouco petróleo do Hemisfério Oriental - disse o historiador ao “Wall Street Journal”, no ano passado.