Economia

Pesquisador argentino diz que América do Sul não vai escapar de desvalorização cambial

Roberto Frenkel afirma que vulnerabilidade externa da região foi reduzida

RIO - Professor da Universidade de Buenos Aires e pesquisador do Centro de Estudos de Estado e de Sociedade (Cedes), Roberto Frenkel afirma que os países emergentes, especialmente na América do Sul, não escaparão de um processo de desvalorização cambial para se ajustar ao novo cenário mundial, com elevação das taxas de juros nos Estados Unidos e menor ritmo de expansão da economia chinesa. A atual situação do câmbio muito apreciado tende a dificultar esse ajuste, com consequências como inflação.

— Peru, Colômbia, Chile, Brasil e Argentina são alguns dos países que apreciaram demais suas moedas e agora terão que subir o câmbio — diz Frenkel, que está no Rio para participar do seminário “Governança Financeira depois da Crise”, promovido pelo Minds, Instituto Multidisciplinar de Desenvolvimento e Estratégia, em parceria com o Levy Economics Institute.

Na avaliação de Frenkel, a vulnerabilidade externa dos países sul-americanos recuou e não se deve ver uma crise como no passado. A região não aproveitou integralmente, no entanto, o bom momento da economia mundial nos últimos anos.

Crítico às políticas do governo de Cristina Kirchner, Frenkel diz que a Argentina tem um grave desequilíbrio em seu balanço de pagamentos, além de uma inflação “insustentável”.

Alguns economistas afirmam que a recuperação da economia mundial está forte, outros dizem que o movimento não é sustentável. Qual é a sua avaliação?

Os Estados Unidos estão se recuperando lentamente. Aliás, é isso que tem provocado o ajuste na política monetária. A Europa, por sua vez, continua na crise, a situação não está resolvida para nenhum país. Houve um incremento do Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e riquezas de um país), mas a União Europeia vai continuar com sua grande crise. O que se vê de diferente é o ritmo de crescimento econômico dos países emergentes. Os países emergentes continuam crescendo mais rápido que os desenvolvidos, mas a taxa de expansão desacelerou. Aquele ganho mais rápido dos emergentes acabou.

Países emergentes tiveram um certo alívio quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manteve os estímulos à economia na última semana. O que veremos agora?

A decisão do Federal Reserve (Fed, banco central americano) de manter os estímulos é temporária. É certo que em algum momento as taxas de juros dos Estados Unidos vão subir. Essa perspectiva é bem concreta, mesmo que o Fed diga que vai manter o estímulo. É certo que a política monetária vai mudar. E a China também está mudando seu ritmo de crescimento para permitir a transição de seu modelo de crescimento de uma base de exportações para ser puxado pelo consumo interno. O que vemos é um novo ritmo de crescimento da economia mundial, e é preciso se ajustar a isso.

Como os emergentes devem ficar nesse cenário?

O crescimento menor da China afeta principalmente os exportadores de minerais e metais, já que o investimento será menor. E muitos emergentes estão com o câmbio apreciado e terão que se ajustar. A Índia, com um déficit grande em conta corrente e saída de capitais, tem uma situação mais complicada.

A vulnerabilidade externa dos países da América do Sul está menor?

A situação hoje na maioria dos países é robusta, existe um endividamento menor e esse ajustamento (ao novo ritmo da economia) não vai gerar crise como no passado. A vulnerabilidade externa foi muito reduzida. Mas o que na verdade se viu é que quase uma década excepcionalmente boa para a economia (entre 2002 e 2012) não foi aproveitada pelos países da América do Sul. A Argentina vive hoje tomada pelo forte populismo. O Brasil, por sua vez, alcançou um crescimento baixo. A região precisa de um crescimento econômico maior, que seja suficiente para alcançar um novo nível de desenvolvimento.

Como os países da América do Sul terão que lidar com o câmbio?

O tema central da economia da América do Sul hoje é como lidar com a desvalorização do câmbio neste momento de ajustamento ao novo cenário mundial, que complica a política econômica. Os países da região estão com o câmbio muito apreciado. Os exportadores foram beneficiados pela melhora do preço de exportações. Houve uma desvalorização transitória, mas seguiu-se uma apreciação cambial. Nessa situação de câmbio apreciado, fica mais difícil se ajustar a um novo cenário mundial. Esse ajuste se faz pelo câmbio mais alto. Quanto mais apreciado o câmbio, mais custoso é o ajustamento. E a desvalorização cambial traz consequências como o impacto na inflação e a queda salarial a curto prazo. Peru, Colômbia, Chile, Brasil, Argentina são alguns dos países que apreciaram demais suas moedas e agora terão que subir o câmbio.

Quais as principais dificuldades hoje da economia argentina?

Há um problema grave no balanço de pagamentos. Nós estamos perdendo reservas e, por causa do risco político, não temos acesso ao financiamento do mercado externo. E nesse contexto temos um controle forte do câmbio. Há o câmbio paralelo e o fixo, com uma diferença de cerca de 60%. Esse câmbio paralelo é o sintoma do grande desequilíbrio atual. Vamos ter que sair dessa situação.

É possível esperar um ajuste pelo governo?

Está claro que o governo de Cristina Kirchner não deve ser reeleito. A dúvida é se esse governo vai fazer esse ajuste antes de sair ou deixar os problemas para o próximo presidente.

A desvalorização do câmbio deve ter impacto maior na Argentina por causa de uma inflação já elevada?

A inflação na Argentina está muito distante dos números oficiais, o governo falsifica os dados. É uma situação insustentável. Nós temos uma inflação de 25% ao ano. No Brasil, os economistas estão preocupados com o efeito do câmbio na inflação. Agora imagine o impacto na Argentina. O país vai enfrentar uma aceleração inflacionária grande por causa do câmbio, que terá que passar por uma desvalorização significativa.