Brasil Educação

Assembleia gaúcha retira direito a identidade de gênero do Plano Estadual de Educação

O projeto de lei, apresentado em 2014 pelo governo anterior, previa políticas de valorização e respeito às populações transgêneras nas escolas

PORTO ALEGRE – O governo gaúcho apresentou 36 emendas supressivas ao Plano Estadual de Educação, votado na sessão de terça-feira na Assembleia Legislativa, e conseguiu retirar do texto todas as referências ao direito de identidade de gênero que constavam no documento. As supressões foram aprovadas em plenário, sob protestos da oposição.

O projeto de lei, apresentado em dezembro de 2014 pelo governo anterior, previa políticas pedagógicas de valorização e respeito às populações transgêneras nas escolas, incluindo conteúdos curriculares sobre o tema e ações afirmativas, como espaços compartilhados entre os estudantes. A expressão “identidade de gênero” estava presente em 14 artigos do texto.

O secretário estadual de Educação, Vieira da Cunha, acompanhou pessoalmente a sessão e negociou a apresentação das emendas. Com o plenário lotado de ativistas, tanto em defesa das políticas em favor dos transgêneros quanto de representantes de igrejas evangélicas, a discussão foi tensa, com vaias de lado a lado. No final, o governo conseguiu suprimir os trechos considerados “indevidos”.

— As emendas alinham nosso documento ao Plano Nacional de Educação, que não faz menção à questão de gênero. A escola não precisa e não deve ensinar a uma criança de 4 ou 5 anos o que é. Somos a favor da liberdade, mas com cada um cuidando de si — justificou o líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB).

Na semana passada, a seção regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Arquidiocese de Porto Alegre enviaram aos deputados gaúchos um documento conjunto em que atacavam os itens do Plano que garantiam a diversidade de gênero nas escolas públicas. A carta também foi remetida aos vereadores de 29 cidades sob sua jurisdição, onde há planos municipais em tramitação.

O documento, assinado pelos principais líderes católicos do Rio Grande do Sul, advertia para os riscos da introdução de uma “ideologia de gênero” nos planos em tramitação, que devem ser cadastrados no Ministério da Educação até a próxima quarta-feira. Os religiosos reclamam que foram pegos de surpresa com a inclusão de itens que, segundo a Igreja, “desconstroem valores consagrados pela família”.

O documento também acusava o Plano de distorcer o conceito de homem e mulher. Segundo os bispos, a “ressignificação antropológica” dos papéis masculino e feminino não deve ter “reconhecimento oficial”.

Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a votação do Plano Municipal de Educação está marcada para esta quarta-feira — prazo limite para a aprovação. Na proposta do documento, a 23ª meta também inclui políticas curriculares para garantir o direito à diversidade e identidade de gênero nas escolas da capital.

O deputado Pedro Ruas (PSOL) lamentou a decisão, considerada por ele como um “retrocesso”.

— Estamos abolindo aqui um direito que é consensual em termos universais. Ensinar respeito às diferenças e contra o preconceito e afirmar a inclusão é uma das tarefas primordiais da escola — criticou o parlamentar.

O arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, justificou a pressão sobre o projeto do Plano no que se refere à sexualidade:

— Nossa intenção, ao redigir e divulgar a carta, é que se abrisse o debate para as verdadeiras partes interessadas, que são os pais dos estudantes. São eles que têm a primazia sobre a educação dos filhos, especialmente no que tange à moral e ao sexo — justificou.

O religioso sustenta que o Plano Nacional de Educação, aprovado em junho do ano passado, não faz menção à adoção da promoção da identidade de gênero como diretriz geral a ser adotada no sistema público.

A presidente do Conselho Estadual de Educação, Cecília Farias, reagiu à alteração do documento, debatido em uma dezena de audiências públicas desde 2013.

— A discussão foi plural, coletiva e democrática. Por isso as questões contra o preconceito apareceram de forma tão clara. Há uma dívida histórica da legislação sobre as diferenças de gênero, que existem e precisam ser respeitadas. As iniciativas contrárias a isso são desproporcionais — criticou.

Os planos estaduais e municipais de educação fazem parte do Plano Nacional de Educação (PNE). Entre elas, a inclusão de crianças e adolescentes na escola, a valorização do professor e os investimentos em educação, que até 2024 devem ser de, no mínimo, o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente o investimento na área é 6,6%.