Economia

Família Guinle quer reaver na Justiça o aeroporto de Guarulhos

Para herdeiros, governo descumpriu termos da doação do terreno, feita há 73 anos; pedido de indenização pode chegar a R$ 5 bilhões

SÃO PAULO - Os herdeiros da família Guinle querem retomar o terreno do Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica) doado à União há 73 anos e avaliado em R$ 5 bilhões. Os Guinle ingressaram na terça-feira com uma notificação judicial na Justiça Federal de Guarulhos afirmando que os termos da doação, feita em 1940, foram descumpridos pelo governo. O terreno de 9,72 milhões de metros quadrados foi doado pelas famílias Guinle e Samuel Ribeiro, através da Empreza Agrícola Mavilis, da qual eram sócias.

De acordo com o advogado Fabio Goldschmidt, que representa os Guinle, em face da Segunda Guerra Mundial, a doação foi feita ao governo para fortalecer o sistema de defesa do Brasil com a construção de um aeródromo militar, que deveria ficar sob jurisdição do então Ministério da Guerra.

A transferência do terreno foi feita por “doação modal”, com efetividade submetida ao cumprimento de condições, como o objetivo de utilidade pública e a jurisdição militar. Ainda segundo Goldschmidt, a partir de 2011 a União teria descumprido essas condições, transferindo a jurisdição do Ministério da Defesa para a Secretaria de Aviação Civil (SAC), criada para administrar o setor. Em 2012, uma nova medida do governo transferindo 51% da área para a iniciativa privada, segundo o advogado, teria descumprido os termos da doação: a concessão do controle e administração de Cumbica para um consórcio de particulares.

— A doação modal traz encargos, o cumprimento de condições, que são claras e de conhecimento público. Nos surpreende que isso tenha sido negligenciado por eles (órgãos do governo e empresas concessionárias). A concessão foi feita a empresas privadas e até mesmo a uma empresa estrangeira, o que frustra a finalidade da doação. Os frutos deveriam reverter integralmente em prol da sociedade brasileira e, agora, não revertem mais— disse Goldschmidt.

A notificação judicial é dirigida a União, Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e às empresas que compõem a concessionária gestora do aeroporto: Infraero, Investimentos e Participações em Infraestrutura S.A. (Invepar) e Airports Company South Africa (ACSA). Também foram notificados os sócios da Invepar: Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), grupo OAS, Fundação dos Economiários Federais (Funcef), e Caixa de Investimento dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ).

Os herdeiros que apontam o suposto descumprimento dos termos de doação modal são José Eduardo Guinle, Luiz Eduardo Guinle, Octávio Eduardo Guinle, Georgiana Salles Pinto Guinle e Gabriel Guinle. O advogado Nelson Nery, contratado pelos herdeiros para dar um parecer sobre a viabilidade jurídica da ação, disse que o pedido é viável, uma vez que o terreno doado saiu do controle da administração pública para a iniciativa privada com a licitação do aeroporto de Cumbica, o que fere o acordo realizado na época da doação.

— O governo brasileiro descumpriu o acordo e eles querem a reversão do patrimônio. A partir da privatização da área doada, a família se sentiu no direito de reivindicar a anulação da doação, independentemente do tempo — disse Nery.

O advogado Fabio Goldschimdt afirma que a família vai aguardar a manifestação das partes e pode dar prosseguimento a uma possível ação de indenização. O valor não foi estipulado, mas trabalha-se com uma avaliação de R$ 5 bilhões, feita a partir dos valores pagos pela União por terrenos contíguos ao aeroporto.

A Secretaria de Aviação Civil (SAC) disse que “a concessão do aeroporto de Guarulhos, especificamente, não gera fato que faça ressurgir qualquer direito do doador do imóvel, já que a concessão não altera ou desvirtua a natureza da prestação de serviço público”. A SAC esclareceu ainda que “a pretensão declarada dos herdeiros da família Guinle, em nada prejudica o programa de concessões e será devidamente tratada no âmbito do poder judiciário”.

Procuradas, a GRU Airport, que administra o aeroporto de Guarulhos, e a Invepar, controladora do consórcio que venceu a licitação, não quiseram falar sobre o assunto.