Economia

‘Investimento é problema no Brasil’, afirma economista-chefe do FMI

Para Olivier Blanchard, crescimento previsto para o país em 2014, de 2,5%, ‘não é tão catastrófico’

Blanchard: melhora na economia americana favorece exportações do Brasil
Foto: Andrew Harrer / Bloomberg
Blanchard: melhora na economia americana favorece exportações do Brasil Foto: Andrew Harrer / Bloomberg

WASHINGTON - Economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao longo da mais severa crise global em mais de oito décadas, Olivier Blanchard se diz “cautelosamente otimista” com a perspectiva de recuperação da economia mundial. No seu cenário de riscos estão a batalha fiscal americana, as reformas financeiras e bancárias incompletas e a possibilidade de os países emergentes não se reestruturarem como devem para enfrentar as turbulências que estão por vir e ganharem tração novamente. Entre os desafios específicos do Brasil está o aumento dos investimentos, para aumentar o potencial de expansão. Porém, diz que o ritmo de crescimento projetado para 2014, de 2,5%, “não é tão catastrófico quanto parece”.

O Brasil terá em 2014 a menor taxa de crescimento (2,5%, o mesmo de 2013) entre os principais mercados emergentes. O que deu errado com o Brasil?

Primeiro, não é tão catastrófico quanto parece, muito países gostariam de ter crescimento assim (risos). Em geral, houve uma redução do crescimento potencial em vários mercados emergentes, o Brasil foi afetado como muitos outros. Isso deve-se talvez a uma década dos 2000 que foi especial, com alto preço das commodities, baixas taxas de juros, grande entrada de capitais externos. Ainda que não seja o fim deste quadro, não deverá ser tão forte como antes. O Brasil tem tido flutuações cíclicas em torno disso, tiveram em 2011 um ano muito ruim, depois subiram, caíram. O país está operando num ambiente complexo, as decisões corretas de política monetária, de política fiscal são difíceis. E acho que há um problema mais estrutural no Brasil, que é investimento. E baixo investimento tem efeitos de curto prazo, pois afeta a demanda, e de longo prazo, porque afeta estoque de capital e a habilidade de produzir.

Temos a caminho o início da reversão da política monetária expansionista dos EUA, cuja expectativa já causou prejuízos ao Brasil e outros mercados emergentes. Quão prejudicial pode ser se a reversão ocorrer no momento errado?

Está claro que, esperando que os acidentes fiscais não se materializem, a recuperação americana ficará mais forte. A política monetária terá que reagir a isso com taxas de juros mais altas. O (Fed) não vai fazer isso se a recuperação for interrompida. Se começar (a redução), será porque a economia está melhor. Eu acho que, para o Brasil, há algumas boas notícias e outras ruins. A boa notícia é que à medida em que a economia dos EUA está forte, isso será bom para exportações e assim por diante. Por outro lado, pode ter uma complicação, que é saída de capitais. Quando houve (recentemente, com a expectativa de mudança da política do Fed), o Brasil fez a coisa certa, que foi deixar o real se desvalorizar. E, se mais vier, pode fazer mais. Se soubéssemos exatamente quando vai acontecer, semana que vem, daqui a um mês, seria tudo mais suave. Mas o Fed, como todos nós, olha para os dados e decide se deve fazer agora ou depois. Acho que o princípio deles (diretores do Fed) está claro, o que eles querem fazer é não matar a recuperação. Mas também não querem que ela seja tão forte que crie bolhas e assim por diante. Podemos ver de novo o que vimos em setembro, quando o mercado achou que o Fed faria uma coisa, mas os dados não eram fortes o suficiente, então o Fed não fez. Acredito que haverá surpresas ao longo do caminho, e toda vez que houver uma surpresa teremos movimentos no mercado de câmbio. Isso dificultará a vida de todo mundo, incluindo o Brasil.

O senhor disse que, se não houver acordo nos EUA para aumento do teto da dívida, a economia americana pode entrar em recessão. O resto do mundo também poderá entrar em recessão?

Um default dos EUA teria efeitos importantes sobre as economias mundiais. Primeiro, se houver uma recessão nos EUA, as exportações para os EUA vão entrar em colapso, e isso vai afetar economias. Só isso já seria ruim. Mas então, os mercados financeiros podem ficar disfuncionais em algum ponto, então poderia haver grandes efeitos financeiros. Por exemplo, investidores podem ficar mais avessas a risco, então os spreads dos bônus brasileiros podem subir 2, 3 pontos percentuais. O Brasil então se veria com menos exportações, juros mais elevados. Isso mataria o crescimento no Brasil? Não sei. Mas certamente teria um efeito significativo. Eu não acredito que isso (calote e recessão) vai acontecer, mas se acontecer, o mundo todo sofrerá.

Parece que a última vez que vimos este tipo de tensão sobre o que está à espera da economia global foi em abril do ano passado, com o acirramento da crise na zona do euro, a discussão do muro de contenção com recursos dos membros do FMI. Vivemos momento comparável com a ameaça fiscal americana, no qual podemos de novo reduzir o ritmo da recuperação global?

Sim e não. Acho que a probabilidade do default dos EUA é muito menor do que a de uma supercrise na zona do euro no ano passado. Porque é uma questão puramente política. Na Europa, forças econômicas estavam por trás das tensões, era muito mais difícil de resolver. Aqui (nos EUA) é basicamente a necessidade de acordo político, que pode ser alcançado a qualquer momento. Segundo, cada crise é diferente. Pegue o Lehman Brothers, por exemplo. Era um evento financeiro muito grande, no qual não sabíamos quem devia a quem, quem poderia pagar. Era andar num fog. Agora é diferente. Sabemos o que é, é um devedor, o governo dos EUA, que não teria condições de pagar juros ou principal da dívida. É um evento muito mais bem definido. O que não significa que seria fácil lidar com isso.

As batalhas fiscais nos EUA, a espera para as próximas decisões da chanceler alemã, Angela Merkel, que acaba de sair vitoriosa das eleições. Parece que a tomada de decisões políticas tem sido uma fonte de incertezas. Qual o papel que a política tem representado na recuperação lenta da economia mundial?

Crises têm implicações políticas, e a política por sua vez afeta a evolução da crise. Crises normalmente tornam reformas mais urgentes do ponto de vista econômico, mas também tornam mais difícil que os governos as consigam fazer. Ou, para pegar um exemplo, regular os bancos é essencial, mas bancos são poderosos politicamente, o que torna reformas da regulação financeira mais difíceis. A ascensão do Tea Party não parece diretamente relacionada à crise americana, embora possa ser em parte uma reação das pessoas ao resgate dos bancos. Mas sua influência nos eventos econômicos atuais, como o apagão parcial administrativo e a crise do teto da dívida, são ilustrações de como a política pode influenciar a economia.

A China é outro pólo que pode afetar o mundo. O senhor está confiante de que a China conseguirá fazer de forma tranquila esta transição do investimento para o consumo como motor de crescimento?

Esta é a intenção do atual plano de 5 anos chinês. É um projeto difícil, que envolve mudanças em governança, para que as firmas distribuam mais dividendos, uma estratégia industrial diferente, uma reforma do sistema financeiro, a melhoria do sistema de seguridade social. Até agora, a desaceleração do crescimento veio amplamente da redução do investimento, por sua vez providenciado pelo aperto do crédito. A queda do investimento ainda não foi equilibrada com o correspondente aumento do consumo. Isso é o desafio para a China na próxima década.

Parece haver um tom pessimista no último relatório do FMI a respeito da economia global. Preocupa a possibilidade de levar mais e mais tempo para uma recuperação plena? Quando o senhor acredita que isso acontecerá?

Eu me descreveria como cautelosamente otimista no momento. É verdade que revisamos um pouco para baixo o crescimento da economia mundial, mas não é o número correto de se olhar. É preciso acompanhar duas evoluções. Os pacientes doentes, os países avançados, estão se recuperando. A recuperação não é ótima, mas está ocorrendo. Os pacientes saudáveis, os mercados emergentes, estão desacelerando. Mas permanecem amplamente saudáveis. No líquido, o mais importante é a recuperação dos ricos. É disto que vem o otimismo. Dito isso, nem tudo vai bem. O crescimento das economias avançadas é positivo, mas ainda está longe de ser suficiente para reduzir o desemprego. A reforma do setor financeiro não está completa, bem como a união bancária da Europa. Nosso trabalho (no FMI) é dizer: olha, há progresso, mas há muito mais a fazer. Isso não é pessimismo, é apenas aconselhamento prudente.