Economia Defesa do Consumidor

Só 2% recorrem às agências reguladoras

Pesquisa da FGV-Rio mostra que consumidor não confia na Justiça e pouco conhece Anatel, Aneel e ANS

BRASÍLIA e RIO — Pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e divulgada ontem pelo Ministério da Justiça mostra a falta de confiança dos usuários brasileiros de telecomunicações, energia elétrica e planos de saúde nas agências reguladoras e no Judiciário: somente 2% dos consumidores recorrem aos órgãos de regulação e 3% vão à Justiça. A maior parte (63% do total) que reclama seus direitos o faz na própria empresa ou com o prestador do serviço, enquanto 15% recorrem ao Procon. Esses três setores foram escolhidos por estarem entre os mais reclamados nos órgãos de defesa do consumidor.

Segundo a pesquisa “Resolução Extrajudicial de Conflitos dos Serviços Regulados por Agências Governamentais”, divulgada no lançamento do Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça, dos que recorrem ao Judiciário, só 6% declararam confiar na resolução dos problemas por esse mecanismo. Uma das conclusões do estudo é que, embora a maior procura seja pelas empresas, em 51% dos casos não houve acordo ou compensação para o consumidor.

Os pesquisadores ouviram 1.294 pessoas a partir de 18 anos das classes A, B, C e D, residentes em 131 municípios brasileiros. Constataram que, de forma geral, 19% desses consumidores nunca reclamam ou correm atrás de seus direitos porque, segundo 44%, esse tipo de atitude não compensa ou a resolução do problema é muito demorada.

Outra conclusão é que mais de 91% de todos os entrevistados afirmaram ter ouvido falar no Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas apenas 4% disseram conhecer bem esta legislação, enquanto 27% declararam ter consultado a lei alguma vez. Entre os que já utilizaram o CDC, 52% têm ensino superior completo ou mais e 13% cursaram até o ensino fundamental.

Os setores mais citados como exemplos de áreas que desrespeitam seus direitos foram telecomunicações, eletrodomésticos/eletroeletrônicos, serviços financeiros, roupas e calçados, alimentação, luz e energia, saúde, transporte e água.

Na parte qualitativa do estudo, a maioria dos entrevistados disse acreditar que a internet não é o melhor meio de divulgação das agências. Além disso, eles sentem falta de um guia com diretrizes, informando o papel de cada uma delas, especialmente no que se refere aos direitos do consumidor. O levantamento destaca que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é conhecida por 47% dos entrevistados; a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por 29%; e a Agência Nacional de Saúde (ANS), por 17%.

— A maioria das pessoas ouvidas, ou seja: 98%, não sabe que as agências podem resolver problemas de consumo — destacou Leandro Molhano Ribeiro, um dos coordenadores da pesquisa.

ANS e aneel buscam equilíbrio

Segundo o estudo, falta um passo a passo para o consumidor sobre como ampliar seus direitos e reivindicá-los fora da Justiça. Os pesquisadores concluíram que há pouco ou baixo conhecimento sobre mecanismos alternativos de resolução de conflitos e há necessidade de estruturação dos canais de acesso às agências reguladoras, por meio de sites e ouvidorias. E o principal objetivo do estudo, disse Ribeiro, é sugerir às três reguladoras formas de chamarem para si a responsabilidade de dar aos clientes caminhos alternativos à judicialização.

— De forma geral, a pesquisa mostrou que as pessoas desconhecem ou não têm as reguladoras como referência para reclamar sobre má prestação de serviços ou defeitos de produtos. E é papel das reguladoras zelar pelos consumidores — ressaltou.

Carlos Thadeu Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), avaliou que o baixo índice de procura pelas reguladoras para o registro de reclamações é um reflexo da origem desses órgãos, criados, a princípio, para zelar pelo equilíbrio do mercado e dialogar com as empresas do setor.

— Mas hoje isso já está mudando. As agências estão cada vez mais voltadas a políticas de proteção ao consumidor, apesar de ainda terem muito a trilhar, tendo de melhorar a comunicação e os canais de atendimento.

Já o juiz Flávio Citro, coordenador do Centro Permanente dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Rio, ressaltou que números do Conselho Nacional de Justiça mostram que ações de consumo somam quase metade dos 92 milhões de processos no Judiciário brasileiro e que, destes, entre 30% e 40% dizem respeito a setores regulados de consumo.

— A pesquisa indica que, pelo jeito, há ainda uma demanda reprimida, que desconhece que pode buscar a Justiça ou não a tem como referência, assim como o caso das reguladoras.

Bruno Sobral de Carvalho, diretor de Fiscalização da ANS, destacou que existem hoje 50 milhões de beneficiários e planos e seguros de saúde e que o principal instrumento da agência é a Notificação de Investigação Preliminar, que trata de cobertura assistencial. A ideia é intermediar conflitos e promover acordos. Em nota, a ANS acrescentou que “é acionada pelos consumidores mais que o dobro do que os Procons de todo o país sobre o assunto planos de saúde”.

Anatel: 2 milhões de queixas

Ricardo Brandão, procurador-geral da Aneel, disse que uma das providências já tomadas são as reuniões transmitidas ao vivo, fazendo com que os atores envolvidos melhorassem seu desempenho. E acrescentou que o site está sendo melhorado para atender aos consumidores, mas salientou que a agência não é um órgão de defesa do consumidor: tem a missão é buscar equilíbrio entre usuários e empresas.

Elisa Peixoto, superintendente de relações com os consumidores da Anatel, disse que mais de 60,8% dos atendimentos feitos pela agência são para esclarecer dúvidas e questões sobre seu funcionamento. De janeiro a agosto deste ano, foram recebidas dois milhões de queixas.

— Oitenta por cento das reclamações são resolvidas em até cinco dias úteis, o que nos anima, mas demonstra que as operadoras poderiam resolver esses problemas antes de eles chegarem — comentou, acrescentando que entre as principais queixas está a oferta não cumprida.

Para Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor e um dos pesquisadores da FGV, o estudo mostra que as barreiras de acesso criadas pelas empresas para atender às demandas dos clientes desestimulam que eles levem as queixas adiante:

— No fim é uma análise de custo-benefício, que leva em consideração o valor do bem: se o valor é baixo, mas o abuso é repetitivo, o consumidor também pode decidir reclamar. O fato é que essa relação existe e a dificuldade do acesso é um desestímulo. A análise dos dados mostra que o atendimento deve ser levado em consideração no processo regulatório.