É de superação que o Fluminense precisa para
continuar na Copa do Brasil. E é em Carlinhos que o grupo tricolor tem um
exemplo de que enquanto há vida há esperança e é preciso lutar. Foi a lição
deixada por um bebezinho chamado Noah, que viveu menos de três meses, mas mudou
a vida do lateral-esquerdo e trouxe um aprendizado.
- Meu filho ficou dois meses e 15 dias lutando pela
vida. Foram muitas coisas que aconteceram com ele no hospital, e ele brigando,
mesmo tão pequeno. Isso motiva, me deu uma lição muito grande. Mesmo na
dificuldade, na dor, você nunca pode desistir - disse Carlinhos.
Noah é irmão de Miguel, o gêmeo que sobreviveu e
hoje dá lições e mais lições em Carlinhos e Lessandra. Casados há quatro anos,
superaram juntos a perda de um filho. E não foi a primeira vez. Em abril de
2013, ela estava grávida e sofreu um aborto. O chão do casal desabava. O sucesso da nova tentativa trouxe alento, mas em 2 de janeiro deste ano os
bebês chegaram prematuros e foram direto para a UTI de um hospital em Santos. Dali
em diante, Carlinhos ficaria dividido entre o trabalho e a preocupação com as
crianças.
- Estava tudo pronto para nascerem no Rio, mas
vieram antes e nasceram em Santos. Nossas famílias são de lá. A gente estava
com as crianças no hospital, minha esposa ia lá dar leite. E todo fim de semana
com folga eu ia. Estava aqui, mas com a cabeça lá. Veio meu problema do púbis,
que complicou ainda mais. Mas fui indo e aconteceu o que a gente até esperava.
Ir lá e ver o sofrimento dele, mas Deus sabe que faz. Deixou o Miguel com a
gente, nos dá toda a felicidade do mundo. Dorme o dia inteiro, à noite a gente
tem que cuidar dele (risos).
Carlinhos e Lessandra ganharam olheiras com gosto.
Miguel está saudável e cresce forte e cercado de afeto. Até ao Maracanã ele já
foi. Entrou no colo do pai antes do jogo contra o Vasco, pela semifinal da Taça
Guanabara. O casal pretende contar toda a história a ele no futuro.
- Ele vai saber, sim. Vai saber da luta do irmão
dele.
Durante uma conversa de quase uma hora, o jogador e a esposa apresentaram Miguel e contaram detalhes do drama que viveram com a perda de Noah. Agora, só querem saber do crescimento do filho. Abraçado por companheiros e torcedores, o camisa 6 espera retribuir o apoio com vitória e classificação. Por Noah, por Miguel, pelos tricolores.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
A exposição do caso dos seus filhos incomodou?
Ano passado, a primeira vez, estávamos concentrados
para o jogo contra o Flamengo (pela Taça Rio), minha esposa me ligou para falar
(do aborto na primeira gravidez). Me abalou muito, meu companheiro de quarto
era o Edinho. Saí, fiquei fora do quarto, fui para o jogo. Não estava em
condições ideais de jogar, mas não queria atrapalhar outras pessoas. Segurei
aquilo ali, mas as pessoas sabem que sou muito alegre, vieram me perguntar, o
Rodrigo Caetano (ex-diretor executivo de futebol) veio falar, o Abel Braga,
técnico na época, veio falar comigo se eu deixaria ele falar. Era um momento
difícil na Libertadores, ele achou que poderíamos ficar mais fortes com aquilo.
Deixei para ele decidir, ele falou, o pessoal fez uma homenagem linda em São
Januário. E nesse ano foi isso. Passamos essa dificuldade de dois meses e 15
dias. Eu sozinho aqui, minha esposa em Santos.
Mudou sua relação com a torcida depois dos dois
episódios? Como foi a participação dela?
Mudou a minha forma de pensar algumas coisas.
Serviu para o resto do ano aquilo ali. Fui um jogador diferente no Fluminense, virou
a situação ali em relação ao torcedor. Comecei a acreditar mais e a entender o
que o torcedor queria de mim, que era sempre ir para cima, atacar, ligado. Torcedor
cobrava muito isso de mim. Você acaba se fortalecendo nesses momentos, meu relacionamento
também se fortaleceu muito. Ajuda em todos os sentidos. A você estar lutando,
vencendo os obstáculos. Serve de exemplo para muitas pessoas. Pessoas que se aproximam,
ajudam, amigos. Quem você nem imaginava manda mensagem. O torcedor também
mandou recados, cartas. Isso me fortaleceu. Apesar de sermos pessoas públicas,
somos normais. Na arquibancada estão pais, famílias, podem ter passado pelo
mesmo problema. Serve para mostrar que somos humanos também. Tem o lado da
família, de viver. Não é só o futebol. É nossa profissão, mas nossa vida é
isso.
No ano passado, houve um caso envolvendo o Elias,
ex-volante do Flamengo. O filho dele ficou internado na UTI e aquilo uniu o
grupo e levou a torcida para perto do time, que ganhou a Copa do Brasil. Sente
que isso pode acontecer com você no Fluminense?
Eu já tenho amizade muito grande do grupo, gosto de
todos, todos gostam de mim. Somos amigos, estamos há muito tempo juntos. Quando
há algo com alguém, dói. Ainda mais quando envolve família. Ficaram muito
sentidos, pessoas me ligaram, mandaram mensagens, outros foram nas redes
sociais. Todo mundo sabe o que é família, todo mundo se imaginou na minha
situação.
Pensou em parar por um tempo?
No começo do ano conversei com o Renato (Gaúcho),
ele falou que precisava de mim, que contava comigo. Falei que queria jogar, que
sempre quis jogar. Nós decidimos que o melhor era estar fazendo alguma coisa.
Só que aí as coisas foram piorando, ficou mais complicado, mas resolvemos mesmo
continuar. Tinha a opção de parar, mas ia perder muito tempo e a vida não ia
seguir.
Conseguia se concentrar?
Quando você entra no campo, ajuda bastante, está concentrado.
Mas pela situação, a gravidade, acaba lembrando de uma coisa ou outra. Mas a
gente continuou.
A Lessandra queria que continuasse?
Queria, conversamos, sabia que era importante estar
aqui no Fluminense, treinando, vim de lesão no ano passado. Chegamos a um
entendimento que eu lá não ajudaria tanto.
Como recebeu a notícia da morte do Noah?
Estava vindo para casa do treino, sozinho no carro
dirigindo. Fiquei cego no carro, atendi, queriam falar com a Lessandra, era do
hospital, queriam falar com um responsável. Já sabia o que era. Estava
dirigindo, achei um posto, encostei, tentei entrar em contato, no dia mesmo um
amigo veio ficar comigo e depois fui para Santos.
Pretende contar isso para o Miguel quando ele
entender? Depois de tanta coisa boa que você recebeu das pessoas, vai conseguir
enxergar algo positivo nisso?
Ele vai saber, sim. Vai saber da luta do irmão
dele. Ficou dois meses e 15 dias lutando. Muitas coisas aconteceram com ele no
hospital, e ele brigando, lutando pela vida. Isso motiva. Mesmo na dificuldade,
na dor, nunca desistir.
Noah deixou uma lição?
Sim. Muitas coisas aconteceram com ele que só a
gente mesmo que estava lá sabe. Lutou muito.
Você costuma ser decisivo nesses momentos. Em 2010,
cruzou para o gol do título brasileiro, marcado pelo Sheik. Está pronto?
Estou bem, sim. Adquirindo minha forma na parte
importante do campeonato. Espero que não só eu, mas que outros possam ser
decisivos e ajudar.