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Médico que morreu na PB trabalhava de graça para ajudar clube da cidade

Dorivaldo Pereira acompanhava os jogadores do Santa Cruz, de forma voluntária, há seis anos. Morreu ao atender mais um chamado: ser médico em jogo do Paraibano

Por João Pessoa

Dorivaldo Pereira, médico Santa Cruz-PB, na ambulância (Foto: Rammom Monte / GloboEsporte.com/pb)Solícito, Dorivaldo atende pedido do diretor do Santa e vai à Graça: chega ovacionado pela torcida presente
(Foto: Rammom Monte / GloboEsporte.com/pb)

O telefone tocava mais uma vez. Era o diretor de futebol do Santa Cruz de Santa Rita, César Wellington, que ligava pedindo ajuda ao médico Dorivaldo Pereira, que já dormia em sua casa. A presença dele era solicitada para que a partida do time da cidade contra o Auto Esporte pudesse ser realizada. O médico inicialmente escalado faltara e era necessário um substituto para que a bola pudesse rolar. Sempre solícito, o "doutor", como era conhecido pelos santarritenses, descumpriu o pedido da esposa e foi ao Estádio da Graça, em João Pessoa. Ele nunca desligava o telefone. E atendeu a mais este pedido. Morreria pouco mais de duas horas depois, quando passou mal no local do jogo e não resistiu à uma embolia pulmonar que evoluiu para uma parada cardíaca.

Médico passa mal no jogo Auto x Santa Cruz, pelo Campeonato Paraibano (Foto: Rammom Monte/GloboEsporte/pb)Dorivaldo chega ao campo bem humorado e sorri para o árbitro enquanto mostra sua identificação  (Foto: Rammom Monte/GloboEsporte/pb)

Morador há 45 anos do município de Santa Rita (que faz parte da Grande João Pessoa), o médico era conhecido pelo seu trabalho voluntário e pela forma como atendia a população da cidade. Prestava há pelo menos seis anos serviços gratuitos e voluntários ao Santa Cruz, pelo simples prazer de ajudar a agremiação que representa Santa Rita no Campeonato Paraibano de Futebol; e costumava atender também toda a população local.

Natural de Itambé, Pernambuco, ele se mudou para João Pessoa para estudar medicina. Era o seu sonho de criança. Isto porque, ao nascer, perdeu a mãe no parto. E depois que cresceu, decidiu que queria ser obstetra para evitar que outras mulheres sofressem do mesmo problema que afetou a sua vida.

- A minha avó morreu no parto dele. Então meu pai decidiu que viveria para evitar este tipo de morte. Ele não queria que nenhuma mulher tivesse o mesmo destino de sua mãe e morresse no parto - destaca Dorivaldo Júnior, se referindo à história que muitas vezes foi contada pelo seu pai.

Velório Médico, Treinador Wamberto Firmino, Dorivaldo Junior (Foto: Hévilla Wanderley / GloboEsporte.com/pb)Dorivaldo Júnior e o treinador do Santa, Wamberto Firmino, conversam no velório e relembram histórias do médico que amava Santa Rita
(Foto: Hévilla Wanderley / GloboEsporte.com/pb)

Depois, o filho contra outra história curiosa sobre o pai. No ano passado, ambos se debruçaram num levantamento e descobriram que o pai foi responsável por pelo menos 10 mil partos feitos na região em quatro décadas e meia de atuação profissional, cumprindo assim o propósito que tinha para sua vida.

- É curioso, mas meu pai foi homenageado por muitas das pacientes que ele atendeu. Muitas delas deram aos seus filhos o seu nome. A cidade tem hoje muitos outros Dorivaldos - declarou o filho, emocionado, durante o velório do pai.

Relação com o Santa Cruz

Dorivaldo Pereira nem era torcedor fanático do Santa Cruz de Santa Rita. Muito pelo contrário, era flamenguista de coração. Mas adorava a cidade que escolheu para viver mais da metade de sua vida (ele morreu aos 72 anos). E por isto, na última década passou a se dedicar mais ao clube símbolo da cidade.

César Wellington, diretor de futebol do Santa Cruz (Foto: Reprodução / TV Cabo Branco)César Wellington, diretor de futebol do Santa-PB (Foto: Reprodução / TV Cabo Branco)

O Santa Cruz foi bicampeão paraibano em 1995 e 1996, mas depois disto entrou em crise e extinguiu seu futebol profissional. Voltou em 2009, disputando a 2ª divisão do Campeonato Paraibano, e desde então teve em Dorivaldo um "médico voluntário".

E por coincidência, sua morte acontece justamente no ano em que o time finalmente conseguiu reestrear na elite do futebol paraibano, após conquistar em 2013 o vice-campeonato da divisão de acesso.

De acordo com o diretor de futebol do Santa Cruz, César Wellington, o médico tinha uma relação muito especial com o clube:

- Quando era preciso, ele ia aos jogos. Aos treinos. Cuidava dos jogadores. Passava medicação e nunca cobrava nenhum centavo pelo atendimento. Fazia isto unicamente para nos ajudar - relembra César.

Quando era preciso, ele ia aos jogos. Aos treinos. Cuidava dos jogadores. Passava medicação e nunca cobrava nenhum centavo"
César Wellington, diretor do Santa Cruz, falando da relação do médico com o clube

 E para se ter uma ideia da importância que ele tinha para o clube, toda a comissão técnica, os dirigentes e boa parte do elenco compareceu ao seu velório.

A apresentação e os treinamentos foram cancelados apenas para que o time pudesse se despedir do "doutor". 

- Ele sempre ajudou todos nós. E não ajudou só o time. Todo cidadão de Santa Rita que precisasse, podia contar com ele. Nós mesmos nunca recebíamos um não. Desde o começo do campeonato deste ano, o doutor se propôs a nos ajudar. Ontem ligamos de última hora e ele foi prontamente para a Graça – contou César Wellington.

Velório Médico, jogadores Santa Cruz-PB (Foto: Hévilla Wanderley / GloboEsporte.com/pb)Jogadores e comissão técnica do Santa Cruz vão ao velório de Dorivaldo (Foto: Hévilla Wanderley / GloboEsporte.com/pb)

Dorivaldo, inclusive, era uma figura bastante conhecida na cidade. Foi vereador por dois mandatos, secretário de Saúde em duas oportunidades e dirigiu o hospital municipal da cidade. Ao entrar no Estádio da Graça, na quarta-feira, pouco tempo antes de morrer, ele era a última esperança para que o jogo pudesse ser realizado. E teve o último momento de contato com a população da cidade que amava.

Médico passa mal no jogo Auto x Santa Cruz, pelo Campeonato Paraibano (Foto: Rammom Monte/GloboEsporte/pb)Médico passa mal durante o jogo e morre em hospital (Foto: Rammom Monte / GloboEsporte/pb)

Foi aplaudido pela torcida. E sorridente, retribuiu a gentileza. Achando engraçado o fato do médico do jogo ter se transformado em protagonista do confronto. Sentou no banco de reservas do time adversário, o Auto Esporte, e foi "repreendido" pelo treinador do Santa, Wamberto Firmino, que em tom de brincadeira o questionou por sentar ao lado dos adversários. Foi a deixa para a última piada:

- Professor, é bom porque daqui eu fico mais perto para reclamar do bandeirinha - declarou sorrindo, enquanto se levantava e ia em direção ao banco do Santa Cruz.

Três minutos depois, começou a passar mal. Foi amparado pelos jogadores dos dois clubes e levado à ambulância. De lá foi para o hospital, onde morreu menos de uma hora depois.