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Pep Guardiola: perfeccionista, catalão está perto de passar José Mourinho

Técnico do Bayern pode bater número de títulos do rival ainda neste ano, mesmo com muito menos tempo de carreira

Por Madri, Espanha

Um catalão fervoroso, ateu por convicção e admirador de exposições e museus é também o treinador de futebol com mais títulos por tempo de carreira. Pep Guardiola, o atual técnico do Bayern de Munique, soma 17 troféus em seis anos de profissão. Apenas três taças a menos que José Mourinho, que colecionou 20 em 14 anos. Pep pode bater o rival já em 2014, pois briga pela ainda pela Liga dos Campeões, Copa da Alemanha, Supercopa da Alemanha e uma possível Supercopa da Europa.

Dos quatro treinadores que vão disputar as semifinais da Champions, Guardiola é provavelmente o mais enigmático. Nunca concede entrevistas exclusivas, opta por um perfil muito reservado dentro e fora do campo, não fala com os jornalistas longe das salas de coletiva e também não semeia unanimidade por onde passa, apesar de seus muitos troféus. O catalão teve relações complicadas com craques como Zlatan Ibrahimovic, Samuel Eto’o, Yaya Touré e até Toni Kross agora no clube bávaro. Os três primeiros não perdem uma oportunidade de alfinetar o ex-comandante. E para a imprensa de Barcelona, outros elementos do atual grupo azul-grená que tiveram atritos com Pep, como Gerard Piqué e Alexis Sanchèz, também vão se juntar ao grupo dos críticos no dia que deixarem o clube.

Guardiola, Bayern de Munique x Manchester United (Foto: Reuters)Guardiola está na semifinal da Liga dos Campeões no comando do Bayern de Munqique (Foto: Reuters)


O GloboEsporte.com conversou com várias pessoas que trabalharam com Guardiola como jogador e treinador para tentar decifrar o caráter do catalão. O lateral-esquerdo Maxwell, ex-Barça e hoje no Paris Saint-Germain, diz que Pep é o treinador mais competente que já conheceu. O lateral-esquerdo também trabalhou com outros dois semifinalistas: José Mourinho e Carlo Ancelotti.

- Gostei muito de trabalhar com todos eles. Aprendi muito com o Mourinho e com o Ancelotti também, mas de uma maneira geral, o Guardiola é o treinador mais completo que eu já tive. Passei pelo Barça num momento onde tudo se encaixou de forma incrível. Ele era um treinador muito focado no esforço que o time tinha de fazer para não deixar passar as pequenas oportunidades e detalhes para vencer - explicou.

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DE BOM PARA ÓTIMO


Guardiola Arsenal x Bayern (Foto: Reuters)No comando do Bayern, Guardiola já conquistou o Alemão nesta temporada (Foto: Reuters)

Antes de Pep Guardiola, o Barcelona já jogava um ótimo futebol e o Bayern de Munique também vencia troféus. Mas desde que Guardiola chegou, o jogo do Barça e do Bayern foi para outro patamar e as Copas não faltaram. Não foram só as duas Champions e os três campeonatos consecutivos, o Barcelona de Pep goleava os rivais de Madri, humilhava gigantes históricos europeus provocando até suspiros e aplausos nos estádios dos adversários pelo domínio demonstrado em campo. Agora, o Bayern de Munique está encaminhado para seguir os mesmos passos graças à filosofia de Guardiola que é muito concreta: jogar bem e vencer títulos. Na verdade, é o que todas as torcidas desejam, mas os seus times alcançam esse objetivo porque o catalão procura o perfeccionismo no seu trabalho.

- Em 2009, quando vencemos a Champions, disputamos uma semifinal muito difícil contra o Chelsea em Stamford Brigde. Foi um jogo maravilhoso, em nenhum momento ele deixou que a gente desesperasse e jogasse bolas  altas para a área mesmo precisando marcar. Ele pediu para que mantivéssemos o nosso estilo, tocando bem a bola pelo chão para chegar ao gol. O gol chegou no último segundo por Iniesta, parece que foi sorte, mas não foi. Por de trás desse gol estava muito trabalho, porque o Barcelona sempre jogou bonito, mas o Guardiola aperfeiçoou tudo isso. O que era bom, ficou melhor ainda e também impôs mais intensidade defensiva sem a bola - comentou o ex-lateral Sylvinho, que trabalhou com Guardiola no Barça em 2009 e, no ano seguinte, trocou o clube catalão pelo Manchester City.

Para Sylvinho, numa competição como a Liga dos Campeões, todos os times que disputam as quartas de final e as semifinais podem, teoricamente, vencer o título. O que faz a diferença são os detalhes no dois jogos. E nisso, ele conta que Guardiola era exímio.

- Como treinador, ele trabalhava muito o lado emocional do time, mas o que chamava mais a atenção é que ele dominava por completo a parte tática do rival. Ele sabia tudo dos nossos adversários, fosse ele o último do campeonato ou o mais forte da Champions. Sabia e explicava exatamente os perigos que o rival podia causar para nós, enumerava todos eles e era muito solto e claro no modo de comunicar. É um técnico muito preparado, continua.

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INTENSIDADE E MUITA EXIGÊNCIA


No trabalho psicológico com o time, Guardiola é muito intenso e procura constantemente convencer os seus jogadores que precisam seguir exatamente o caminho por ele indicado. "Se fizerem o que eu digo, vamos ganhar" era uma das frases do catalão para o grupo do Barça.

E quando vê que o grupo não o segue, o Guardiola sereno que todos conhecemos pode explodir. Durante o encontro entre Schalke 04 e Bayern pelo Campeonato Alemão, o técnico chutou vários objetos no vestiários dos bávaros que ao intervalo venciam apenas por 1 a 0.

- Ele falou para a gente: se vocês jogarem assim não vão ser campeões nunca e começou chutando tudo o que havia no vestiário. Aí a gente voltou de outra forma para o campo. Marcamos mais três gols. Vencemos de 4 a 0 esse jogo - recorda o zagueiro Dante.

guardiola festa barcelona (Foto: EFE)Guardiola é jogado ao ar pelos jogadores do Barça após mais um título pelo clube que o revelou (Foto: EFE)

Para além de ser muito exigente com os seus atletas dentro de campo, Guardiola também cobra muito do time fora do campo. Ele pretende máxima concentração dos atletas, e fica atento a todos os detalhes: desde a preparação física, alimentação, horas de sono, saídas noturnas e jantares fora. Em contrapartida, o técnico também gosta de compensar os seus garotos depois do esforço e premia o elenco com várias folgas, mais do que normal, e curtas concentrações. Com ele, os times raramente concentram na véspera e em várias ocasiões, as famílias são bem-vindas. Antes dos jogos, Guardiola também surpreende os seus times nas formas de motivar e usa vídeos frequentemente com montagens originais pensadas minuciosamente por ele.

- No momento do aquecimento, às vezes ele surpreendia com um vídeo antes de entrar em campo, ou fazia coisas diferentes, mas sempre focadas no esforço em que o time fez para chegar até ali e convencer o grupo que não poderia deixar passar aquela oportunidade - relembra Maxwell.

Sylvinho não esqueceu um vídeo que Guardiola mostrou ao time minutos antes da final de Roma que terminou com a vitória do Barça sobre o Manchester United por 2 a 0 e a conquista da Champions.

 

- Ali no Estádio Olímpico em Roma, depois do aquecimento e antes de entrar em campo, ele passou um vídeo que fazia uma analogia ao filme do Gladiador com imagens do filme alternadas com gols e momentos de todos os jogadores durante esse ano, desde os titulares, até aos reservas e mesmo aqueles que estavam machucados. Foi bem pensado porque tinha tudo a ver com Roma e com o momento. Ali, foi uma boa ideia, mas nem sempre ele fazia essas coisas, porque o Pep era um treinador preparado, com ideias de jogo claras e falava para o grupo com muita clareza. Isso era suficiente.

Nessa final de Roma, que foi também a primeira de Guardiola como treinador profissional, o espanhol fez questão de convidar amigos com os quais jogou no futebol italiano. Carlo Mazzone, seu antigo treinador no Brescia, recebeu um convite inesperado poucos dias antes da decisão.

- Eu atendi ao celular e era uma voz que dizia: "Oi Mister, você quer vir assistir à final da Champions em Roma?" E eu perguntei quem era, e ele respondeu que era o Guardiola. Fiquei muito emocionado, porque já não falávamos há vários anos, não pensei que ele fosse recordar de mim num momento tão importante. Eu aceitei logo, claro, porque Roma é a minha cidade e eu adoro Guardiola. É um cara excepcional. É o melhor e é muito humilde -  elogiou o antigo treinador de futebol italiano, Carlo Mazzone, que orientou Guardiola, Andrea Pirlo e Roberto Baggio no Brescia.

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APRENDIZAGEM NO FIM DE CARREIRA


Depois de representar o Barcelona durante 11 anos, Guardiola decidiu jogar na Itália. Não foi uma escolha casual, porque o ex-meia estava interessado em se preparar para uma carreira como treinador num país com tanta tradição de treinadores vencedores. Embora não comentasse o desejo com ninguém do time do Brescia, o ex-técnico Mazzone diz que todos viam um perfil de técnico em Guardiola.

- Ele estava sempre muito atento às explicações, vídeos, palestras, queria saber mais do adversário. Fazia muitas perguntas, era daqueles caras super interessados. Comigo era excepcional, não tanto como jogador, porque ele estava em fim de carreira, mas era muito disponível, queria saber mais e ajudar. É claro que ele não veio a Itália para aprender a nossa técnica nem o futebol defensivo. Eu acho que ele queria saber mais sobre os nossos estudos táticos, formas de utilizar o fora de jogo com defesa mais alta ou mais recuada, duplicar homens nas marcações. Ele se interessava muito por todos esses conceitos - recorda Mazzone, que ainda hoje é amigo do catalão.


guardiola bola de ouro fifa (Foto: Reuters)Guardiola ganhou o prêmio de melhor técnico de 2011 na eleição da Fifa (Foto: Reuters)

Guardiola passou ainda um ano pelo Roma, onde trabalhou com Fabio Capello. No Brescia jogou dois anos. O técnico é afeiçoado ao clube e à cidade que visita regularmente para rever amigos e ex-companheiros como Roberto Baggio, o seu fiel amigo. Ao fim de três anos na Itália, Guardiola rumou ao Catar. No Oriente Médio estudou inglês, jogou com outros ex-craques como Hierro e Batistuta e se preparou para o novo desafio iniciando em simultâneo um curso de treinadores em Madri. Quando regressou, aceitou uma última proposta como jogador no time mexicano Dorados com o objetivo de trabalhar com o treinador espanhol Jose Manuel Lillo, aquele que considera o seu grande mentor. Em entrevistas realizadas ainda como jogador nesse ano de 2006, o catalão repetiu várias vezes que “um homem não podia viver sem cultura e conhecimento” e que o seu objetivo era aprender sempre mais em diferentes lugares do mundo. Guardiola vive do futebol, mas dizem os que o conhecem que não é um obcecado pela modalidade. Ao contrário de outros que trabalham ininterruptamente nos clubes, Guardiola decidiu fazer uma pausa na carreira para viver um ano em Nova Iorque antes de assumir o comando do Bayern de Munique.

É comum ver o catalão passear com a família e amigos em exposições, museus e até corridas de cavalo. Ele frequenta teatros e shows de músicas até na hora de jogos decisivos da Copa do Mundo ou da Liga dos Campeões.

- Tenho vida além do futebol - explicava o técnico em uma dessa situações.

Depois da sua passagem pelo futebol mexicano em 2006, Guardiola concluiu o seu curso de treinador e menos de um ano depois iniciou a sua carreira como técnico do time B do Barcelona. Na temporada seguinte, foi promovido a treinador principal do clube e o resto todos já sabem. Desde esse dia, só passaram seis anos.

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