Um passo. Para a esquerda ou para a direita. Para trás ou
para a frente. De tão natural, parece irrelevante. Mas não no esporte, onde um
passo pode representar a diferença entre dentro e fora, acertar ou errar, vencer
ou perder. Ver ou não ver. Foi um passo que
levou o hoje ex-árbitro Alfredo Loebeling a cometer o que agora considera um
erro no terceiro jogo das quartas de final do Campeonato Brasileiro de 1999
entre Ponte Preta e São Paulo. Um passo atrás para a Ponte. Um passo à frente para o São Paulo. Os dois clubes estão novamente lado a lado em um
confronto mata-mata. Nesta quarta-feira, em Mogi Mirim, definem quem avançará à final Copa Sul-Americana - como venceu o jogo de ida, quarta passada, no Morumbi, por 3 a 1, a Macaca passa mesmo perdendo por 2 a 0. Ao Tricolor resta vencer por três gols ou por dois, desde que marque ao menos quatro.
Dia 24 de novembro de 1999. Moisés Lucarelli, Campinas. O cronômetro marcava 30 minutos do primeiro tempo. Depois de perder por 3 a 2 no Morumbi na abertura da série e dar o troco no segundo duelo ao
fazer 2 a 1 em casa, a Macaca vencia o último e decisivo confronto por 1 a 0,
gol de pênalti de Régis Pitbull. Um empate bastava para os campineiros
avançarem, devido à melhor campanha na primeira fase. Foi quando aconteceu o
lance mais polêmico do confronto. Polêmico e decisivo para a classificação do São Paulo e eliminação da Macaca.
No rebote de um escanteio a favor do Tricolor,
o meia Piá, da Ponte, tenta dar um drible para trás no zagueiro são-paulino Wilson na entrada da área e é derrubado. Loebeling poderia escolher
o toque por baixo ou por cima. Mas não viu. Da meia lua, na diagonal da jogada,
foi encoberto por Edmílson e pelo próprio Piá. Só viu o que ocorreu logo a seguir:
convicto de que o árbitro marcaria falta para a Ponte, Piá segurou a bola com a
mão dentro da área ao cair. Pênalti para o São Paulo. Raí deixou tudo igual. A
Ponte ainda ficaria mais uma vez na frente do placar com Luis Fabiano, então
apenas Fabiano, e o São Paulo viraria com Wilson, ainda no primeiro tempo, e
Edmilson, na etapa final, para ficar com a vaga (assista à reportagem no vídeo abaixo).
A partida teve outros lances polêmicos: um pênalti para a Ponte, expulsão do
volante Vágner, do São Paulo, por ofender um gandula, e confusão entre
Loebeling e Rogério Ceni. Mas o que marcou mesmo foi o lance entre Piá e
Wilson. Quatorze anos depois, Loebeling admite que errou. Errou por estar mal
posicionado. Errou por um passo, seja ele para qualquer direção.
- Foi uma partida complicada de apitar. Não tive uma boa
atuação. Eu não vi o toque
do Wilson, vi apenas a mão na bola do Piá. O meu erro de posicionamento causou a marcação equivocada do pênalti. Era uma jogada difícil, mas dava para acertar se eu estivesse bem posicionado -
lembrou Loebeling, por telefone.
O ex-árbitro não precisou dos recursos da televisão para
perceber a falha. A indignação dos jogadores da Ponte na volta do intervalo o deixou com a sensação de que havia errado. Ele também precisou ouvir
reclamações dos são-paulinos. Mas, aos tricolores, garante que estava com a
razão. O motivo era a expulsão do volante Vágner após o fim do primeiro tempo.
O jogador se envolveu em um bate-boca com o gandula e recebeu o cartão vermelho
direto. O goleiro Rogério Ceni era o mais exaltado. Com gritos de "O senhor
está querendo o quê?", chegou a jogar água no árbitro, mas saiu impune.
- Os jogadores da Ponte vieram falar comigo depois do
intervalo. Pela cara deles, logo vi que errei no lance. Ninguém reclama como
eles reclamaram se não tiver convicção. Eles devem ter visto algum vídeo no
vestiário ou alguém falou para eles. Os
jogadores do São Paulo também estavam revoltados por conta do Vágner, mas ali não
tive saída. Se eu falar o que ele falou para o gandula vai dar o problema.
Sobre o Rogério, estava de costas. Não vi que ele jogou água em mim. Se visse,
poderia ter feito algo - comentou.
Um dos protagonistas da polêmica entre Ponte e São Paulo, Piá lembra que o próprio Wilson reconheceu
que cometeu a infração. Para o ex-jogador, no entanto, o destino tratou de
corrigir a injustiça com a Ponte. Na fase seguinte, o Tricolor caiu diante do Corinthians. Na vitória do Timão por 3 a 2 no primeiro jogo, Raí, que
convertera a penalidade diante da Ponte, desperdiçou duas cobranças, ambas
defendidas por Dida, uma em cada canto.
- A falta foi muito clara. Até o Wilson me falou que
esperava a marcação da falta, que ele tinha me chutado. No instinto, eu
coloquei a mão na bola. Para mim, era claro que ele marcaria a falta, mas
infelizmente fomos prejudicados. A Ponte tinha tudo para ir ainda mais
longe. Mas se o São Paulo ganhou com um pênalti roubado, depois foi
castigado com duas cobranças desperdiçadas contra o Corinthians.
Para Loebeling, o erro no pênalti para o São Paulo ofuscou
os acertos no pênalti para a Macaca e na expulsão de Vágner. Quando o jogo
ainda estava 0 a 0, o lateral-direito Daniel invadiu a área e foi derrubado por
Nem com um empurrão “indiscutível”, segundo Loebeling. O desempenho em Campinas
rendeu uma repreensão do então chefe de arbitragem da CBF, Armando Marques.
- Na semana seguinte, o Armando Marques me chamou no Rio de
Janeiro e me cobrou pelo erro. Ele falou que um árbitro com a experiência e
a rodagem que eu tinha não poderia cometer um erro infantil de posicionamento. Não chegou a dar nenhuma punição, mas me alertou para a questão do
posicionamento. Ele estava certo.
Em 2001, Armando Marques, aliás, foi o responsável pelo fim
da carreira de Loebeling. Na final da Série B entre Figueirense e Caxias, em
Florianópolis, o ex-árbitro precisou encerrar a partida devido à invasão de
torcedores do Figueira ao gramado para comemorar o acesso que estava a um
minuto e cinquenta segundos de ser confirmado. Como a torcida levou uniforme,
redes e bolas, a partida não pôde ser reiniciada. A súmula, porém, não fez
nenhuma menção ao fato. Segundo Loebeling, Marques o pressionou para alterar o
relato. Depois daí, ele abandonou a carreira profissional. Atualmente, está no
ramo da política.
- O Armando me coagiu a alterar. Me obrigou a colocar que
encerrei o jogo e dei dois minutos de acréscimo em vez de três. Fiz porque fui
ameaçado, mesmo sabendo que era uma coisa errada – disse o árbitro, sobre mais
uma polêmica da sua carreira – talvez a principal, muito maior que o erro no
pênalti para o São Paulo contra a Ponte em 1999.