Rio

Com tecnologia de ponta e tarifa variável, vaga certa dispensará guardadores

Graças a sensores no piso, motoristas também poderão, pela internet, saber onde é possível estacionar

Vendedor de talões desfila com um molho de chaves dos carros estacionados; ao fundo, um flanelinha que divide a rua com ele
Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Vendedor de talões desfila com um molho de chaves dos carros estacionados; ao fundo, um flanelinha que divide a rua com ele Foto: Gabriel de Paiva / O Globo

RIO — Tecnologia sofisticada em todas as regiões e tarifa variável na Zona Sul e no Centro. É isso que promete a prefeitura, para tentar dar uma guinada de 180 graus nas 37.760 vagas de estacionamento público nas ruas do Rio, que, nas últimas décadas, acumularam problemas e reclamações de usuários, apesar do constante troca-troca de políticas. Pelo projeto, a ser implantado e operado por empresas que vencerem uma licitação, o período único será coisa do passado e não haverá guardadores, nem uso de dinheiro nas áreas. Outra novidade: graças a sensores no piso, motoristas poderão, pela internet, saber onde há vagas disponíveis.

No bolso, o usuário também sentirá a diferença. Inicialmente, em vez de pagar R$ 2 — valor sem reajuste desde 2004 —, terá de desembolsar R$ 3 (zonas Norte e Oeste), R$ 3,50 (Barra e Jacarepaguá) e R$ 4 (Zona Sul e Centro). Quando o novo sistema estiver totalmente implantado, será a vez de pôr em prática a tarifa variável nas duas últimas áreas. O objetivo é estimular a rotatividade e melhorar a mobilidade. Na Zona Sul e no Centro, os preços vão variar e terão revisões, para mais ou menos, a cada três meses e por quarteirão, em função da taxa de ocupação. Mas haverá valores mínimos (R$ 2) e máximos (R$ 8). Os preços serão corrigidos anualmente pelo IPCA-E.

— Num primeiro momento, o modelo de tarifa variável será geográfico. Depois, poderá ser também por horário — explica o secretário municipal da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho.

O pagamento poderá ser feito pelo celular, usando um aplicativo ou uma mensagem de texto, ou ainda ligando para a central das futuras operadoras do estacionamento. Outra opção será pagar em parquímetros (haverá um a cada 30 vagas), com cartão de crédito ou débito. Os usuários poderão ainda procurar a rede credenciada (lojas e bancas de jornais, por exemplo), única que, além de cartões, aceitará dinheiro.

Consulta pública: possibilidade de ajustes

Alguns ajustes no projeto, acrescenta Pedro Paulo, ainda poderão acontecer, a partir de consulta pública ao mercado, que começa a ser feita amanhã. A Casa Civil pretende licitar até abril as mais de 37 mil vagas, divididas em dois lotes: 22.130 no trecho da Zona Sul operado atualmente pela Embrapark (do Leme a São Conrado), em Jacarepaguá e na Zona Oeste; e 15.630 no restante da Zona Sul, no Centro e na Zona Norte. Para assegurar a integração, o projeto prevê a contratação de uma terceira empresa, que gerenciará todo o sistema.

Pelo calendário da secretaria, no segundo semestre o projeto estará estruturado, devendo começar a funcionar na Zona Sul e no Centro até o fim do ano. As empresas terão prazo total de dois anos para implementar todo o projeto.

Para chegar ao desenho do novo projeto, o caminho foi longo. Em maio de 2010, em meio à falta de operadores e de talões, com motoristas se queixando, o prefeito Eduardo Paes chegou a anunciar o rompimento do contrato — em vigor havia um ano — com a Embrapark. A empresa opera 9.458 vagas em oito bairros da Zona Sul (Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Gávea, Jardim Botânico e São Conrado), único trecho da cidade onde os estacionamentos públicos foram licitados.

O rompimento, no entanto, não aconteceu. Paes alegou que não poderia retirar a empresa se não tivesse outra solução, porque os flanelinhas assumiriam os estacionamentos. No ano passado, técnicos da Casa Civil se debruçaram sobre o tema. Chegaram, inclusive, a visitar seis cidades nos Estados Unidos e na Europa: Los Angeles, São Francisco, Nova York, Amsterdã, Antuérpia e Paris. Os estudos levaram a prefeitura a optar por um sistema baseado nos que são utilizados em São Francisco (para tecnologia e tarifa) e Amsterdã (para fiscalização). Em agosto, foi contratado um consórcio de empresas — a brasileira Planos Engenharia e a Intelimotion, de origem portuguesa, com escritórios no Brasil — que se encarregou do detalhamento e da formatação do projeto.

Vencerão a licitação dos dois lotes as empresas que oferecerem a maior outorga inicial à prefeitura. Sobre a arrecadação, os futuros operadores deverão ainda pagar ao município uma outorga mensal fixa (5%) e uma variável (de 0% a 5%, dependendo do desempenho), além de taxa de 2% de fiscalização.

Conforme o projeto, 90% das vagas serão para automóveis e motos. As outras 10% serão destinadas a pessoas com direito a gratuidade (portadores de cartões de morador, idosos, deficientes e oficiais de Justiça). O funcionamento do sistema será das 7h às 19h, de segunda a sexta, e das 8h às 14h aos sábados. Mas, em locais movimentados, o horário se estenderá para o período noturno e os domingos. À medida que forem identificadas áreas ocupadas por flanelinhas, os operadores poderão pedir sua inclusão no sistema.

Dependendo do local, será permitido estacionar por duas ou quatro horas. Será proibido pagar para prorrogar o período. A exceção acontecerá na orla marítima, nos fins de semana e feriados, quando os motoristas poderão comprar o direito de estacionar por dois períodos, de quatro horas cada.

Da central de operações, será possível visualizar vagas ocupadas e liberadas, saber se o usuário pagou pelo estacionamento e até se ultrapassou o período permitido. Constatada uma irregularidade, a Guarda Municipal poderá ser acionada da própria central, para emitir multas. O projeto prevê ainda que guardas percorrerão as áreas em motos e acompanhando veículos com seis câmeras (a exemplo de Amsterdã), que filmarão irregularidades.

No caso da área da Embrapark, a troca de mãos é possível, segundo Pedro Paulo, porque o contrato com a prefeitura vence em março. O documento prevê a renovação por mais cinco anos, mas o secretário afirma que só será prorrogado pelos meses necessários à implantação do novo sistema.

Administrador da Embrapark, Marcio Vieira diz que a renovação do contrato é obrigatória. No entanto, ao mesmo tempo afirma que “a prefeitura pode tudo”. Garante que participará da licitação e que, há dois anos, protocolou na prefeitura um pedido para implantar tecnologia usada em estacionamentos de locais como Abu Dhabi e São Francisco:

— Vencendo a licitação, tenho condição de implementar o sistema em 15 dias.

O que fazer com o exército de guardadores que perderão o emprego com a mudança do sistema? A prefeitura ainda não tem a resposta. Pedro Paulo diz que o assunto está em estudo. E que uma das ideias é negociar para que esses trabalhadores sejam contratados pelos futuros operadores:

— Vamos trabalhar para que essas pessoas sejam absorvidas pelos concessionários. Elas poderão fazer trabalhos de acompanhamento, de apoio. Vamos olhar com carinho essa situação.

O número oficial de guardadores é desconhecido. Só da Embrapark, são 700. Ex-dirigente do Sindicato dos Guardadores de Automóveis do Rio, Adalberto Silva Borges garante que a categoria ultrapassa seis mil. Desde o dia 5, o sindicato está sem diretoria, aguardando pela eleição do dia 27.

— Existe sonegação. Não há fiscalização na rua. O sistema atual está bagunçado. Mas a categoria deveria ser incluída no novo sistema. Nossa profissão é regulamentada — alega Adalberto.

Infrações de trânsito e até parcerias com flanelinhas

As irregularidades nos estacionamentos de rua estão por toda parte. Em Copacabana, flanelinhas disputam vagas com guardadores da Embrapark em ruas internas. Além de às vezes atuarem em parceria com flanelinhas, guardadores carregam montes de chaves de veículos e chegam a cometer infrações de trânsito, como estacionar em cima de faixa de pedestres e na porta de garagens. E o proprietário do carro, que confia no serviço irregular, pode ter uma surpresa.

Quinta-feira passada, por exemplo, um EcoSport foi multado na Rua Djalma Ulrich por estar parado em cima da faixa de pedestres e com uma das rodas em cima da calçada. O guardador da Embrapark tratou logo de assumir a direção do veículo e sair do local às pressas. Não adiantou. O guarda já havia anotado a placa. No mesmo dia, na Rua Leopoldo Miguez, bem na esquina com a Barão de Ipanema, um flanelinha estacionava um carro enquanto o guardador da Embrapark manobrava outro veículo.

Na orla, também não faltam irregularidades. Na quinta-feira pela manhã, 18 carros estacionados no Leme, junto aos prédios, não tinham o tíquete de estacionamento. Já na altura do Copacabana Palace, um guarda municipal, que acompanhava um agente do programa Lixo Zero, descansava diante de um carro estacionado em cima da calçada. Em nota, a Guarda Municipal informou que a orientação aos seus agentes “é para sempre coibir as irregularidades”, incluindo as cometidas pelos guardas do Lixo Zero”. Disse ainda que a “fiscalização do serviço oferecido pelos guardadores autorizados, como a entrega de chaves”, não é sua atribuição. Sobre veículos sem o tíquete, informou que eles podem ser multados e rebocados.