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Rio 2016: cidade não cumpre promessas feitas na candidatura

Entre as previsões, Rio sem protestos na Copa do Mundo e o Tom Jobim totalmente reformado em 2014

Andamento das obras de instalações dos Jogos de 2016, como o Parque Olímpico da Barra, é alvo de críticas do vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional
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Genilson Araújo
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Andamento das obras de instalações dos Jogos de 2016, como o Parque Olímpico da Barra, é alvo de críticas do vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional Foto: Genilson Araújo / Parceiro

RIO — Era janeiro de 2009 quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-governador Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes e o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, assinavam o dossiê da candidatura que levaria o Rio a vencer, em outubro daquele ano, a disputa para sediar as Olimpíadas de 2016. O texto de apresentação era categórico: “Sem sombra de dúvida, o Rio está pronto”. Mas agora, mesmo faltando mais de dois anos para o evento, é possível dizer que muito do que estava previsto naquele documento já mudou. O item Segurança, por exemplo, afirmava que os “protestos violentos e de grande dimensão são raros” na cidade. E ainda acrescentava: “Não houve manifestações significativas durante o Pan 2007 e não são esperados protestos para a Copa de 2014”. Palco de um apagão no último dia 18 e alvo de constantes críticas de usuários, o Aeroporto Tom Jobim era profetizado como “totalmente reformado até 2014”. Na Zona Portuária, estava prevista a “reforma dos ancoradouros de navios de cruzeiro, em número superior ao necessário para os Jogos”, mas, no mês passado, o presidente de Docas, Jorge Luiz de Mello, afirmou que nenhuma obra irá adiante antes de 2016.

O dossiê para os Jogos foi um trabalho conjunto entre os governos federal, estadual e municipal e é composto por três volumes que juntos somam mais de 600 páginas. Os textos trouxeram uma visão geral da cidade e eram um panorama das instalações já existentes e daquelas que ainda seriam construídas para os Jogos. Ao menos uma das heranças do Pan de 2007, que passaria por “uma grande reforma para atender dos requisitos Olímpicos”, foi abortada: o velódromo. Após análises em conjunto com o Comitê Rio 2016 e o governo federal, a prefeitura concluiu que a reforma das instalações antigas seria mais cara (total de R$ 140 milhões) do que a construção de um equipamento novo (R$ 112,94 milhões em obras). As estruturas usadas no Pan ainda aguardam transferência para a cidade de São José dos Pinhais, no interior do Paraná, num acordo com a prefeitura do município, costurado pela União.

Outra curiosidade que também não sairá do papel é um daqueles que era apontado com um legado social do evento: o Complexo Esportivo Juliano Moreira, que, segundo o dossiê de 2009, seria construído na colônia homônima antes do Jogos “como uma instalação escolar/comunitária, trazendo benefícios para a comunidade local e para a região como um todo”. De acordo com o Ministério dos Esportes, o projeto foi excluído como parte da intenção do governo federal de “reduzir ao mínimo necessário os recursos públicos aportados nos preparativos”, optando por “reformar e revitalizar o parque esportivo já construído na cidade em vez de construir estruturas em novas áreas como a Juliano Moreira”. O ministério acrescentou que está encarregado da preparação de seis locais de treinamento para delegações, na Barra da Tijuca e em Deodoro, que passarão a compor uma Rede Nacional de Treinamento.

A Marina da Glória também está na lista das instalações cujo projeto previsto no dossiê ficará apenas na intenção. O texto dizia que ela sofreria “grandes reformas permanentes, incluindo a construção de uma nova área de competição e a inclusão de um novo pavilhão de exposições ao lado do bloco administrativo já existente”. Com a saída de Eike Batista da concessão e impedimentos do Patrimônio Histórico, a construção de um novo pavilhão está descartada a ainda há dúvidas sobre qual exatamente será o projeto a ser executado pela BR Marinas, que deve assumir o projeto nos próximos meses. Apesar disso, a Empresa Olímpica Municipal garante que a Marina será a primeira instalação a ser testada para os Jogos, num evento-teste em agosto deste ano.

As mudanças daquilo que foi pensado no dossiê extrapolam até as fronteiras do Rio. O documento previa que o Estádio do Morumbi, na capital paulista, seria um daqueles que seriam usados fora da cidade como apoio ao torneio de futebol, graças à reforma que iria sofrer para a Copa do Mundo de 2014. O estádio, no entanto, deu lugar ao Itaquerão na Copa. Segundo o Comitê Rio 2016, agora caberá à Fifa decidir qual será o novo local em São Paulo para as Olimpíadas.

Na Zona Portuária, além da reforma dos ancoradouros que não deve acontecer, há uma dúvida: a Vila do Porto, definida no dossiê como “o complexo residencial que irá acomodar os clientes dos Jogos”. A Empresa Olímpica destacou que o projeto do prédio residencial na região, como parte da ampla revitalização do Porto Maravilha, continua mantido. Mas a prefeitura aguarda um posicionamento do Comitê Olímpico Internacional para saber se haverá mesmo a utilização nas Olimpíadas ou se as vilas de mídia e de árbitros serão transferidas para Curicica.

A Empresa Olímpica justificou ainda as mudanças de rumo desde o dossiê alegando que ele “foi o primeiro documento, de cunho genérico, que consolidou os projetos para os Jogos Olímpicos Rio 2016”. Sobre as previsões de em Rio sem protestos na Copa, o Comitê Rio 2016 disse que não haveria como prever em 2009 a intensidade das manifestações que começaram em junho do ano passado.

Em relação ao Galeão, a Infraero informou que os setores B e C do terminal 1 e o terminal 2 estarão reformados até o fim deste mês, ampliando a capacidade do aeroporto para 30,8 milhões de passageiros/ano, acima do estabelecido no dossiê. A estatal admitiu, porém, que pontos citados no documento não estão prontos e ficarão para o concessionário que assumirá a administração em agosto. Estava prevista, por exemplo, a construção de duas áreas de estacionamento até 2012, com capacidade para 6 mil veículos, mas a capacidade atual total é de 3.744 vagas.

O Rio e os protestos, segundo o dossiê

Na condição de país democrático e progressista, o Brasil permite a realização de protestos pacíficos. Apesar disso, os protestos violentos e de grande dimensão são raros no Rio. As autoridades policiais possuem planos bem estabelecidos de gerenciamento da ordem pública, desenvolvidos ao longo de anos de experiência no controle de grandes eventos. Esses planos serão aperfeiçoados para os Jogos Rio 2016 e permitirão que manifestações legítimas ocorram sem causar impacto na condução segura do evento. O apoio interno no Rio e no Brasil para que a cidade seja sede dos Jogos é muito grande e não foram identificados grupos de protesto que se oponham ao evento. Não houve protestos significativos durante o Pan 2007 e não são esperados protestos para a Copa de 2014.

O que diz agora o Comitê Rio 2016

Nenhum cientista político, jornalista ou estudioso da realidade brasileira foi capaz de prever o tom, o teor, a intensidade e a dramaticidade das manifestações de junho no ano passado. Mais intrigante ainda foi o fato desta onda de manifestações ter se originado numa proposta de aumento das tarifas de ônibus de SP em 20 centavos. Mesmo quando o país foi informado que “não era uma questão de 20 centavos” a mídia seguia reportando com incredulidade sobre os movimentos. Se o dossiê tivesse previsto esse movimento ninguém teria levado a sério.