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Flávia Oliveira Sociedade
Flávia Oliveira Foto: O Globo

Habitação na agenda

Programa federal passa a misturar famílias de diferentes faixas de renda. Setor de construção cobra segurança pública permanente

Um par de projetos habitacionais em Minas Gerais vai inaugurar, ainda este ano, o modelo misto de convivência de famílias no Minha Casa Minha Vida. Empreendimentos com mais de 1.500 unidades terão de abrigar, na proporção de cinco para um, imóveis para famílias pobres e população com renda de R$ 1.600 a R$ 3.275, a chamada faixa 2 do programa federal. É antídoto à homogeneização dos grandes espaços, sinônimo pomposo para um efeito colateral da velha política de moradia, a formação de guetos. Nos anos 1960 e 1970, o Brasil — e o Rio, em particular — aderiu aos megaconjuntos em áreas pouco (ou nada) urbanizadas, que recebiam famílias de baixa renda ou removidas de favelas. O sistema reforçou estigmas e afastou moradores da periferia de oportunidades de mobilidade social, pela combinação de distância dos locais de trabalho e debilidade do transporte público.

A história está bem contada em “Remoção”, documentário de Luiz Antonio Pilar e Anderson Quack, que apresenta com indignação, melancolia e doses de humor histórias da migração forçada de moradores de favelas da Zona Sul para conjuntos na Zona Oeste do Rio, como Cidade de Deus e Vila Kennedy. “Não levaram em conta laços familiares, oferta de trabalho, falta de renda. As pessoas foram removidas aleatoriamente. Foi tudo errado”, diz Pilar.

Os problemas atravessaram as décadas seguintes e, agora, preocupam autoridades, academia e agentes econômicos. A onda de ocupações de sem-teto é sinal de que moradia digna atingiu o topo da agenda popular. As manifestações de 2013 explicitaram a insatisfação com ônibus, trens e metrô. A atividade econômica também não se desconcentrou. Estudo do Iets para o Sebrae/RJ mostrou que a capital fluminense, todo dia, recebe dois milhões de pessoas, das 6h às 18h.

É neste caldo que está mergulhada a nova política habitacional. O déficit em 2012 beirava 5,2 milhões de lares, segundo o Ipea. Desde 2009, quando foi lançado, o MCMV sofre ajustes para se adequar a antigas e novas demandas. Na origem, não exigia serviços públicos como creches, escolas ou unidades de saúde. Passou a inclui-los nos convênios com estados e municípios. Agregou a mistura de faixas de renda. O Bela Suíça, em Araguari (MG), terá 1.472 unidades para a faixa 1 (até R$ 1.600 de renda familiar) e 353 para a faixa 2. Em Belo Horizonte, um projeto residencial terá 1.190 imóveis para faixa 1 e 760, para 2. A diversificação é tendência mundial.

Na próxima fase, o programa exigirá um ano de educação financeira às famílias, para que mutuários saibam administrar despesas de condomínio, água, energia. A violência também entrou no cardápio, reconhece a secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães. No Rio, os ministérios das Cidades e da Justiça firmaram convênio para afastar milícias do MCMV. As denúncias de opressão se multiplicam.

O setor de construção civil também se mobiliza. Vai propor aos candidatos a presidente e governador a instalação de estrutura permanente de segurança pública e assistência social nos projetos. São ações para afastar tráfico e milícia e ajudar na construção da cidadania. Outra ideia é dotar os condomínios de áreas comerciais para micronegócios de moradores. As sugestões, conta Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon Rio, vieram de visitas a programas de habitação de interesse social em países como Chile, México e Espanha.

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