Coluna
Rasheed Abou-Alsamh

As duas faces da internet saudita

Poder está monitorando tudo e punindo com cadeia e chicotadas aqueles que criticam abertamente o governo e a família real

A Arábia Saudita anunciou uma série de novas leis que visam a punir o assédio on-line e chantagem de pessoas e os hackers de sites na internet. Que tantas leis assim tenham entrado em vigor nos últimos meses só mostra o quanto as leis sauditas precisavam ser ampliadas para aumentar o seu âmbito de jurisdição e proteção. Mais preocupantes, porém, são as ações que o governo saudita está tomando contra sauditas que postam matéria politica considerada difamatória na rede, e sua intenção de censurar conteúdo produzido para o YouTube.

O lado sombrio de tudo isso é que, tal como a liberdade de expressão e fácil acesso a uma audiência que a internet oferece a milhões de sauditas, o aspecto público dele também quer dizer que o poder está monitorando tudo e punindo com cadeia e chicotadas aqueles que criticam abertamente o governo e a família real.

No fim do mês passado, três jovens sauditas foram presos depois de gravar vídeos dirigidos ao rei Abdullah se queixando de baixos salários e pedindo uma solução do governo para ajudar os mais pobres. Esses sauditas mostraram seus rostos nos vídeos, e terminaram dizendo seus nomes completos e mostrando suas identidades.

Também em março dois sauditas foram sentenciados a penas de prisão por criticar o reino e encorajar protestos contra o governo em mensagens postadas no Twitter. Um foi condenado a dez anos de prisão por postar mensagens que apoiavam protestos contra o governo nas áreas xiitas da Província do Leste. O outro foi condenado a oito anos de prisão por ter insultado o rei Abdullah no Twitter, e vai ficar proibido de viajar para fora do reino ou postar em redes sociais por oito anos depois de solto.

Na semana passada, o governo anunciou que estava estudando medidas para regulamentar conteúdo produzido por sauditas no YouTube. Isso, é claro, tem deixado muitos com receio do que o governo pode exigir em termos de censurar conteúdo e possíveis medidas judiciais que venha a tomar no futuro contra produtores de conteúdo que não queiram acatar a censura.

Vinte anos atrás, a internet ainda não existia de modo que, com o advento da rede mundial de computadores na Arábia Saudita em 2000, a sua facilidade de espalhar notícias e abrir consciências teve um impacto direto sobre a sociedade. Assim, enquanto muitos sauditas conservadores podem amaldiçoar a internet por espalhar pornografia e ajudar jovens sauditas a terem relacionamentos on-line ilícitos, no balanço os efeitos foram mais positivos do que negativos.

A internet na Arábia Saudita está desencadeando diálogos nacionais muito necessários sobre o estado da sociedade saudita e as relações dentro dela. Acabei de ler recentemente um artigo de opinião de um escritor saudita que estava reclamando que muitos homens do país estão se sentindo negligenciados pelo governo por causa das supostas vantagens que as mulheres estão conseguindo através de oportunidades de formação profissional e emprego. Essa queixa pode parecer inacreditável proveniente de uma sociedade machista, onde as mulheres ainda não podem dirigir e precisam da permissão de um guardião masculino para fazer muitas coisas importantes. Mas a verdade é que existem alguns homens sauditas que estão presos em empregos de baixa remuneração, provavelmente por causa de falta de habilidade e educação adequada. Esses homens estão de fato jogados para escanteio? Quem sabe? Mas seria bom haver um debate nacional sobre isso.

Hoje os sauditas são os maiores usuários de Twitter e YouTube per capita no Oriente Médio. E é justamente pela incrível liberdade de expressão que a internet tem dado a milhões de sauditas, homens e mulheres, que eu vejo essas ações de punir expressões on-line com muito alarme e medo.

O recente anúncio de que um órgão do governo quer começar a regular o conteúdo saudita no YouTube foi recebido com alarme por cineastas do país. Pelo que tenho visto on-line, os shows produzidos por sauditas não são subversivos e não representam uma ameaça ao país. Na verdade, a liberdade de produzir o que quiserem on-line tem dado a muitos sauditas criativos uma audiência para os seus talentos no cinema, na comédia e na música. Muitos sauditas foram parar no YouTube porque a TV estatal é vista como um gigante fechado que não incentiva novos talentos e nem oportunidades para entrar no mercado de televisão. Comediantes também não têm clubes de comédia em cidades sauditas em que possam realizar suas rotinas de stand-up, forçando-os também a se voltaram para a internet para capturar um público que só continua crescendo. Seu sucesso é evidente nas centenas de milhares, e às vezes milhões, de visualizações que eles conseguem no YouTube.

Em vez de sufocar o talento local, devíamos promovê-los e ajudá-los a alcançar seus objetivos. A Arábia Saudita é cheia de incríveis talentos, como o músico Wardi Alaa e o cineasta Mohamed Makki, e seria triste se estes talentosos sauditas fossem forçados a deixar o país porque o governo saudita quer controlá-los.

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