Política Impeachment

Artifícios mostram como Cunha usa normas da Câmara para se favorecer

Votações repetidas e ressuscitação de projetos estão entre as táticas do deputado
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, concede entrevista após sessão do STF Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo / 17-12-2015
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, concede entrevista após sessão do STF Foto: Givaldo Barbosa / Agência O Globo / 17-12-2015

SÃO PAULO — Poucos se notabilizaram mais em 2015 pela leitura peculiar das normas legislativas do que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que soube usar a seu favor as múltiplas interpretações do Direito brasileiro. O GLOBO levantou seis artifícios regimentais adotados pelo deputado desde sua posse, em fevereiro, e que deixaram boquiabertos parlamentares, analistas políticos e cidadãos em geral.

Há desde votações repetidas até conseguir o resultado desejado, passando pela ressuscitação de projetos de lei de cunho conservador há anos enterrados nos escaninhos da Câmara, até artimanhas para aprovar uma Comissão do Impeachment paralela por votação secreta. Todas encontram alguma base jurídica na Constituição, no regimento interno da Câmara ou nas normas do Código de Ética da Casa — embora, ao longo da semana passada, o Supremo tenha contrariado Cunha e mudado alguns de seus atos no rito do impeachment.

A principal arma de Eduardo Cunha é o regimento interno da Câmara, um documento que disciplina todos os atos dos deputados e a dinâmica interna da Casa. As normas escritas em pouco mais de cem páginas se dedicam a estabelecer, inclusive, os pronomes de tratamento com os quais os deputados devem se tratar (se for em discurso, o colega deve ser chamado de senhor; se for em diálogo, Excelência). O regimento também ordena, a despeito da laicidade do Estado, que “a Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso”. E concede amplos poderes aos presidentes da Casa. De posse do livreto, Eduardo Cunha usou regras que pretendiam justamente impedir que deputados manipulassem o processo político em proveito próprio justamente para se beneficiar.

— Ele sempre me impressionou porque estuda muito, entende demais do regimento. Do ponto de vista regimental, todas as medidas que ele tomou estão corretas — disse Mozart Vianna, que foi secretário da mesa diretora da Câmara por 24 anos e se aposentou em março. Considerado o maior especialista nas regras, Mozart foi contratado recentemente para o gabinete do vice Michel Temer.

Apesar de saber muito, Cunha não cria sozinho suas estratégias. Além de consultar o próprio Mozart de vez em quando, ele conta com a ajuda do jovem advogado Lucas de Castro Rivas, hoje funcionário da liderança do Solidariedade, partido do deputado Paulinho da Força (SP). Rivas foi fundamental na instrução dos deputados aliados de Cunha para obstruir os trabalhos no Conselho de Ética. Ele entrava e saía da sala da comissão com frequência, e cochichava com os parlamentares. Procurado, Rivas não foi encontrado pelo GLOBO.