Coluna
Arnaldo Bloch
Arnaldo Bloch Foto: O Globo

É golpe, sim

Pouco se fala de o quanto a campanha do impeachment agravou a crise e sequestrou a democracia

O título da crônica requer um prólogo. Antes que queiram minha morte, declaro que Dilma Rousseff é um desastre. Má gestora, má política, má ouvinte, má líder, má observadora, em suma, má presidente — embora não creio que seja má pessoa.

Pasadena. Pedaladas. Panelas. Petrobras. E outros pês (e tês). Esclareço, também, que não discuto, aqui, se há fundamento jurídico para o pedido do impeachment, pois boa parte dos comentadores políticos já explicou, com pressa e até alívio, que há, sim.

Porém, para o grande público, muito mais que as não inéditas pedaladas fiscais (que fundamentam a ação aqui mas não fundamentaram acolá), a grande motivadora de quem deseja a defenestração da presidente é a crise econômica. E, cada vez mais, a crise política. Pelas quais, em grande parte, a presidente é responsável.

Mas não a única. Não se analisa, por exemplo, o quanto a campanha política para derrubar Dilma, iniciada logo após a sua vitória apertadíssima nas últimas eleições, e a desfaçatez do Congresso Nacional estão, também, na origem da crise e, principalmente, de sua sequência e seu progressivo agravamento.

Ora, desde o início do ano só se fala em impeachment, sem a honra em questão. Teses, hipóteses, antíteses, pareceres, afirmativas, negativas em série. Verdade que a impopularidade de Dilma — piorada pelo evidente, mas tampouco inédito, estelionato eleitoral — era, já, o fermento para o movimento, que é político. Paralelamente aos esforços de implementar o impopular, mas necessário, Ajuste Fiscal, erguia-se, já, o Segundo Reich de Eduardo Cunha, bombardeando todo esforço de se governar (e de se legislar) com abominações terroristas. Entre as quais a “pauta-bomba”, gratuita, carregada de pura má-fé.

Dilma é mãe da crise. Mas é comum, num tipo de miopia oriunda dos excessos de racionalização, analisá-la como se a mesma crise não tivesse nenhuma relação com o fato de que, desde o início do ano, se tenta atravancar qualquer ímpeto de união em prol do Brasil.

É comum também não se considerar o quanto a brutal queda de confiança interna e externa provocada pela guerra política impactou a economia e azedou a relação entre os poderes.

Tampouco se tratou de reconhecer que as investigações da Operação Lava-Jato, indo de vento em popa (incriminando, encarcerando, levantando evidências) era sinal claro de que o país estava na via certa do ponto de vista institucional. Imune a ingerências que ameaçassem a limpeza promovida pelo conjunto que une, hoje, Ministério Público, Polícia Federal, Supremo e juizados numa (neste caso sim) inédita, frente anticorrupção. Restava, então, às diversas forças políticas, agir pela normalidade.

Não foi assim. A pauta-bomba, após muito desgaste, não passou, mas era tarde: com o correr dos meses, Cunha foi se convertendo no fator número 1 de desmembramento do corpo político, fazendo de seu gabinete e de sua tribuna uma complexa usina de chantagens, manobras e obstáculos a serviço da bancada do atraso que ele representava antes mesmo de o desespero se abater sobre sua sombria figura.

A partir do momento em que seu nome, até então preservado do centro do fogo, apareceu no arcabouço da corrupção e abriu-se processo contra ele, essa atuação, ora junto ao governo trêmulo, ora à Oposição, sedenta, chegou a um grau de corrosividade cujas últimas semanas são o ápice: é por causa dele, mais que nunca, que, no atual momento, a Democracia encontra-se sequestrada, aprisionada, num plenário convertido em quinto dos infernos. A cada nova vitória, a cada fim de sessão, paira, no alto da mesa, aquele seu sorriso entre a demência e a indecência: Nero vê Roma pegar fogo e ri, soberano.

Não há governo, não há Congresso, não há Senado. Só há Cunha. E o STF, como uma quitanda ou mãe togada cada vez mais poderosa a puxar as orelhas da turma no balcão.

Na espuma desse espetáculo dantesco é que se trava o golpe. Não exatamente contra Dilma ou o PT. Mas contra o Brasil.

Esta semana, as imagens dos debates transmitidas pela TV Câmara davam a impressão de que, a qualquer instante, o chão se abriria e seriam, todos, tragados para fumegantes profundezas.

Contudo, o que mais o Brasil deseja, se ainda há um Brasil, é que aquele piso se eleve, permaneça, funcione, legisle e, de preferência, seja renovado nas próximas eleições.

Assim deveria ser também com o governo federal: 2018 é a hora do juízo. O Congresso Nacional poderia estar tratando das matérias de interesse nacional, debatendo, votando. Fernando Henrique deveria ter sido o primeiro a se posicionar contra este impeachment, lá atrás, quando as palavras das grandes referências nacionais ainda valiam alguma coisa.

Pois, agora, pouco importa o que se diz, a não ser entre quatro paredes, ou com o microfone desligado. Às vezes, uma carta, como a de Temer, lançando-se, com muxoxos, à presidência. As rédeas não estão mais com Dilma. Nem com o parlamento. O cavalo está solto.

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