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A Voodoohop abre suas asas

Depois de conquistar São Paulo, a libertária festa realiza, nesta sexta, um evento especial nos arredores da cidade

Imagem de umas das edições do evento, realizada no centro de SP. Tropicália, Dzi Croquettes, techno e vodu são algumas das inspirações da festa, criada em 2009
Foto: Divulgação/Ariel Martini
Imagem de umas das edições do evento, realizada no centro de SP. Tropicália, Dzi Croquettes, techno e vodu são algumas das inspirações da festa, criada em 2009 Foto: Divulgação/Ariel Martini

RIO - Há algum tempo, estava em São Paulo e o assunto preferido dos meus amigos era uma “festa louca que acontecia no Centro”. Falaram tanto da tal festa que, mesmo tendo um evento no mesmo dia que durou até as 4h da manhã, resolvi pegar um táxi e me despencar até uma esquina inóspita do Centro, em um sábado frio de inverno. O nome da festa era Voodoohop, e para minha surpresa descobri que o tema era praia e quem fosse de roupa de banho não pagava pra entrar.

Às 5h, finalmente adentrei um enorme estacionamento coberto e me deparei com uma multidão de pessoas, dançando freneticamente de biquínis, sungas e maiôs, com os rostos pintados e fantasias multicoloridas, enquanto um DJ vestido de caubói tocava e alguém distribuía sopa de tomate pra quem estivesse com larica. Cheguei em casa por volta das 9h, mas soube de gente que ficou até quase 12h.

Eis que três anos depois, a tal festa louca não só ganhou São Paulo e o mundo, como revolucionou a vida noturna e cultural da cidade. E gerou o Voodoostock, um festival libertário e hedonista, que acontece amanhã em um sítio localizado a 20 minutos da cidade, com instalações, projeções, performances e uma programação musical que vai de música brasileira da década de 1970 a vanguarda eletrônica alemã.

Criada em 2009 pelo alemão Thomas Haferlach, de 31 anos, a Voodoohop nasceu em um desses botecos sujos da Rua Augusta, o Bar do Netão, onde não havia cobrança de entrada e ele podia tocar as músicas de que gostava, sem distinção de gênero. Na época, a noite se resumia a festas em boates com filas, entrada cara, comanda, seguranças e muita burocracia. Logo o Netão ficou pequeno pra Voodoo, e eles foram ganhar a cidade com edições ao ar livre, em bordéis, praças e prédios abandonados.

Com DJs e bandas de diferentes estilos no comando do som, a veia artística do evento ficou cada vez mais pulsante, e todas as festas passaram a contar com performances, instalações, VJs, live painting e muita gente fantasiada incentivada pelo pagamento da meia-entrada.

— As referências vêm da Tropicália, dos Dzi Croquettes, do Manifesto Antropofágico, do vodu, da Factory de Andy Warhol, de Helio Oiticica e Lygia Clark, do techno de Berlim e da filosofia de Hakim Bey — explica Haferlach.

Depois de ser interditada em 2010 por falta de alvará, a Voodoohop conquistou a prefeitura de São Paulo, que passou a contratá-la para eventos, além de realizar a festa oficial de encerramento da 30º Bienal de Arte, no ano passado, e fazer uma participação histórica na Virada Cultural paulista, também em 2012, transformando a cracolândia em uma grande festa. Mas não foi só ali que a psicodelia carnavalesca da Voodoo se espalhou. Entre algumas de suas edições pelo Brasil e pelo mundo, Thomas destaca a participação no Fusion Festival na Alemanha (com 70 mil pessoas em uma antiga base militar) e as festas que rolaram no Alto Vidigal durante o carnaval do Rio, ano passado.

Há seis anos no Brasil, Haferlach conta que se inspirou nas ocupações de espaços culturais que ocorreram nas cenas underground de Berlim e Londres, mas que a mistura libertária das festas europeias com a psicodelia da veia carnavalesca dos brasileiros acabou criou algo novo.

— O público brasileiro é aberto a novidades e absorve as referências com grande felicidade. Na Europa já existe um certo nível de esnobismo e mente fechada a ideias novas — conta.

Falando em mente aberta, a Voodoohop ganhou fama por ser uma festa onde se deparar com gente na pista dançando sem roupa ou com fantasias extravagantes — como alguém com o corpo coberto por frutas convidando as pessoas a comê-las — é normal.

Hoje a Voodoohop é um coletivo formado por mais de dez pessoas, com sede num prédio antigo em uma esquina da Avenida São João, onde a festa acontece quinzenalmente, reunindo cerca de 600 pessoas por edição. Mas seu espírito continua itinerante, explorando possibilidades de ocupação e propostas revolucionárias.

* Transcultura é o coletivo formado por Alice Sant'Anna, Bruno Natal, Carol Luck e Fabiano Moreira que publica no Segundo Caderno às sextas-feiras