Coluna
Rasheed Abou-Alsamh

A deturpação do Boko Haram

Shekau, líder do grupo, é um criminoso demente e bandido da pior espécie, usando o Islã para justificar sua brutalidade

O reinado de terror do grupo islamita Boko Haram na Nigéria começou vários anos atrás. O sequestro de 270 estudantes de uma escola na cidade de Chibok, no estado de Borno, no dia 14 de abril, foi somente o mais recente ato de bandidagem que ele cometeu. Isso foi ultrajante. Mas igualmente chocante foi a aparente relutância por parte do presidente nigeriano, Goodluck Jonathan, e de sua administração em tentar uma busca para resgatar as meninas desaparecidas. O governo nigeriano demorou mais de três semanas para se mexer, e somente o fez depois de marchas de protesto em toda a Nigéria e no mundo. Aí, finalmente, o presidente disse que ia fazer alguma coisa.

O anúncio de uma recompensa equivalente a US$ 300 mil para qualquer informação que possa levar a encontrar as meninas veio meio atrasado, mas é bem-vindo. Espero que isso venha a encorajar os habitantes locais a colaborarem com os militares nigerianos na caça aos terroristas do Boko Haram, e ajude na libertação e consequente retorno das meninas às suas famílias.

Pelos vários relatos que eu li na imprensa, parece que o governo nigeriano estava relutante em fazer, até mesmo, uma investigação básica no Nordeste do estado de Borno com medidas como o envio de policiais à paisana para pedirem à população local informações e pistas sobre as meninas que foram supostamente levadas para a floresta de Sambisa. O fato de as autoridades interromperem regularmente a rede de telefonia celular em Borno em um esforço para impedir os movimentos do Boko Haram também tem afetado as comunicações cruciais entre os pais das meninas desaparecidas e a polícia local. Espero que a ajuda militar e a de inteligência dadas pelos EUA e pelo Reino Unido permitam que os militares nigerianos, finalmente, consigam rastrear as meninas e capturar muitos dos membros do Boko Haram.

Talvez o mais surpreendente para mim tenha sido a interpretação deturpada e medieval do Islã feita pelo líder do Boko Haram, Abubakar Shekau, que lançou um vídeo esta semana mostrando cerca de cem das meninas, com idades entre 15 e 18 anos, sentadas no chão, cobertas com véus pretos e parecendo apavoradas. Ele diz no vídeo que quer fazer um acordo com o governo para trocar as meninas por militantes presos. O governo nigeriano disse não concordar com a troca. Dias antes, pouco depois de sequestrar as meninas, Shekau lançou um vídeo em que ameaçava vendê-las a homens mais velhos para casamentos forçados.

Não há nada de islâmico nisso, que deve ser denunciado por todo muçulmano são. O fato é que Shekau é um criminoso demente e bandido da pior espécie, usando o Islã para justificar sua brutalidade e venalidade. Seu grupo já matou centenas de jovens nigerianos, meninos e meninas, muçulmanos e cristãos, pelo suposto crime de estudar em escolas ocidentais. Este genocídio contra a educação “ocidental” é absurdo porque a primeira palavra no Alcorão é iqra, ou seja, “leia” em árabe. Nestes tempos, crianças em idade escolar só não podem é ficar restritas ao aprendizado do Alcorão. Há todo um mundo de conhecimento científico que precisa ser explorado e ensinado a estes jovens nigerianos para que tenham a chance de uma vida melhor.

A Nigéria, com seus 170 milhões de habitantes, é o país mais populoso da África, e sua economia — turbinada por suas exportações de petróleo — recentemente superou a da África do Sul como a maior do continente. Mas a corrupção generalizada e a pobreza — além do fato de a Nigéria ser uma das sociedades africanas mais desiguais em termos de distribuição de renda — sem dúvida contribuíram para o florescimento do Boko Haram. O Exército nigeriano fez uma grande ofensiva contra o grupo no ano passado, matou e torturou centenas de suspeitos de terrorismo. A força bruta sozinha não vai acabar com o grupo terrorista. Na verdade, pode ter contribuído para o ressurgimento do Boko Haram desde o fim do ano passado.

A Nigéria deveria lançar uma campanha educativa e abrir postos de trabalho para conquistar aqueles atraídos pela ideologia violenta e extremista do grupo. Campanhas de rádio e televisão pregando uma interpretação moderada e equilibrada do Islã deveriam ser lançadas. Estados do Golfo Árabe poderiam financiar isso. Autoridades nigerianas, tanto as federais quanto as locais, deveriam lançar campanhas para possibilitar o acesso dos mais pobres a uma educação de qualidade e criar empregos para que jovens muçulmanos tenham uma alternativa ao ingresso no Boko Haram. Se não fizerem isso, muito mais meninas serão sequestradas, e a Nigéria vai ficar presa na Idade das Trevas.

Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

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