Edição do dia 14/03/2014

14/03/2014 19h30 - Atualizado em 16/03/2014 09h53

'São grandes sobreviventes', diz Sandra Moreyra sobre '70'

Longa conta história de 70 presos políticos exilados no Chile na ditadura.
'É um filme sobre o ser humano', afirma a diretora Emília Silveira.

No auge da ditadura militar do Brasil, um grupo de 70 presos políticos é enviado ao exílio no Chile em troca da libertação do embaixador suíço sequestrado.

O documentário ‘70’ mostra elementos da história do Brasil pouco revelados e reencontra 18 desses personagens, 40 anos depois. A direção é da jornalista Emília Silveira e o roteiro de Sandra Moreyra.

O objetivo é mostrar quem são essas vidas"
Emília Silveira, diretora de '70'

O filme esteve no Festival do Rio do ano passado, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Fest Aruanda, na Paraíba, onde recebeu o Prêmio Especial do Júri e o de Melhor Filme de Longa Metragem pelo Júri Popular. Agora, segue para o Festival de Cinema de Mulheres no Chile, para o festival do Cinema Brasileiro de Paris e o Festival Internacional de Documentários de Londres.

“É um filme no presente, que traz lembranças que aconteceram há 40 anos. Elas existem no presente e têm o passado dentro das pessoas. Você jamais vai conseguir rasgar um livro e jogar as páginas fora porque o passado pertence. É um filme de 40 anos atrás, mas presente, com quem são as pessoas hoje”, explica a diretora.

“A gente costuma falar que a história deles, dos 70, é a história do Brasil. É uma história que, se você contar, tem os elementos da história do Brasil pouco revelados, mas tem essas lembranças afetivas desse grupo de pessoas, que é um grupo especial. Esse grupo chegou muito perto da gente, porque a Emília foi uma presa política, conheceu esses 70 intimamente, foi casada com um dos 70. A história estava perto, muito próxima”, conta a jornalista e roteirista.

A história dos 70 é a história do Brasil"
Sandra Moreyra, roteirista de '70'

O ponto de vista escolhido no filme fala sobre um dos maiores acontecimentos da ditadura, mas contando uma história que começa quando este acontecimento termina. “A gente chegou a pensar e entrevistar um dos sequestradores, mas depois, na hora do roteiro, ia abrir demais. A gente tinha que contar a história dos 70. Eles passam a ser os 70 quando acaba o sequestro, eles são banidos do país e vão para o Chile. É a partir daí que a nossa história começa a ser contada”, diz Sandra Moreyra.

“Nosso primeiro roteiro indicativo tinha oito nomes, que, para um filme de 90 minutos, está mais do que suficiente. A gente foi se encantando com as pessoas e foi pensando: ‘Como é que a gente vai deixar fulano de fora? O documentário é difícil por isso. Você tem que de alguma maneira se aproximar dessas pessoas, para que na hora em que você abra a câmera essa pessoa seja ela mesma, e não seja uma pessoa montada só com o discurso político que ela está acostumada a repetir durante anos. De repente, a gente tinha entrevistado bastante gente, e chegamos a 18 pessoas. É uma pena que alguns tenham ficado de fora por questões de produção, porque todos eram maravilhosos, mas não cabia mais em 90 minutos. Tinha que dar espaço para eles. A gente imaginou que o filme não era para contar a história. Era para contar a emoção, as vivências, quem são aquelas pessoas hoje e o que do passado sobrou de ideais, de sonhos, e que de certa maneira permanece”, lembra Emília Silveira.

A diretora conta que o material bruto é muito bom e interessante, e que as duas pensam em fazer um livro. “A estrutura da linguagem e do conteúdo do filme foi tirar tudo que era discurso político e a não vitimização. O objetivo é mostrar quem são essas vidas. Na verdade é um filme de superação”, conta a diretora.

“O que mais chama atenção neles eu acho que é isso. Eles são grandes sobreviventes. Eram pessoas muito jovens, estudantes universitários na maioria, alguns não estavam na universidade, mas a maioria pertencia à elite brasileira da época. E vão para a luta armada, são presos, torturados, sofrem. Muitos jovens vão lá, trocados no sequestro, banidos do país, o que significa que se tornaram pessoas sem pátria, porque não tinham um documento”, ressalta Sandra Moreyra.

“São pessoas absolutamente comuns, é o que eu queria mostrar também. Não é dizer que o sofrimento não deixou sequelas. Não é isso, deixou sérias sequelas emocionais. É um filme sobre a capacidade do ser humano superar situações-limite e passar como perder um filho, como ser torturado. Coisas que você diz: ‘Eu não vou ter condições de superar’. E você tem condições, porque o ser humano tem condições de superar. Então, é um filme sobre o ser humano”, completa Emília Silveira.